Comparação da parboilização de arroz de sequeiro com arroz irrigado

Autoria: Cristiane Cambraia Vincenzi¹ e Pascual Isoldi Pinkoski².

Resumo
Foram realizados experimentos de parboilização de amostras de arroz, em escala laboratorial, utilizando duas amostras de variedades de arroz cultivadas em regime de sequeiro e uma amostra de arroz cultivada no regime irrigado. Nos experimentos foram utilizadas operações de encharcamento dos grãos de 3 horas e trinta minutos e de 5 horas, com temperatura e tempo de gelatinização de 110º C e 15 minutos, respectivamente. No beneficiamento não houve diferença significativa na renda de benefício e rendimento dos grãos. Apenas no processo de gelatinização que a amostra de arroz irrigado apresentou-se muito mais gelatinizada do que as amostras de sequeiro.

Introdução
Desde longa data era costume em algumas regiões do Extremo Oriente submeter o arroz em casca a uma imersão em água quente e posterior secagem ao sol, com a finalidade de facilitar a remoção da casca, quando seco, no pilão, para ser consumido. Assim preservavam sem que disto fizessem ideia de boa parte dos elementos nutritivos originais do arroz.
O processo foi descoberto pelo químico e nutrólogo inglês Eric Huzemlaub, no início do século XX, ao percorrer tribos da Índia e África cuja alimentação básica era o arroz, constatando grande ocorrência de beribéri, doença causada por insuficiência vitamínica, nas populações que consumiam o arroz sem parboilização, enquanto que o mesmo não acontecia com os que colocavam o arroz em potes de barro com água, secavam ao sol e descascavam, num processo primitivo de parboilização.
No Brasil a tecnologia de parboilização foi introduzida na década de 1950, quando o arroz parboilizado era conhecido como Malekizado. A palavra parboilizado teve origem na adaptação do termo inglês “partial + boiled”, ou seja, parcialmente cozido (ABIAP, 2005).

SARMENTO et al. (2005) citam que o Brasil é o 10º maior produtor mundial de arroz, com aproximadamente 11 milhões de toneladas, das quais 50% são de lavouras gaúchas, sendo que atualmente 20% da população brasileira consome arroz parboilizado, cujo processamento consta de três operações básicas: encharcamento, gelatinização e secagem, visando a melhoria do rendimento de engenho e recuperação de nutrientes originais do arroz.
Estas experiências de parboilização do arroz foram executadas com intuito de comparar determinados parâmetros das Operações Unitárias deste processo utilizando variedades de arroz irrigado e de sequeiro. Foram avaliados o grau de gelatinização, a renda de benefício e o rendimento do grão após a parboilização.

Material e Métodos
Equipamentos:
No desenvolvimento dos experimentos de parboilização laboratorial de amostras de arroz foram utilizados os seguintes equipamentos:
Banho-Maria termostatado, tipo Dubnoff TE 093;
Autoclave vertical de Laboratório Fabbe, Modelo 103;
Moinho de Prova para grãos Marca Suzuki;
Equipamento dotado de placas polarizadoras tipo Polaroid HN 32;
Microscópio ótico dotado de placa polarizadora Marca Zeiss;
Determinador de umidade Universal.

Amostras de arroz:
Foram utilizadas duas variedades de arroz em casca cultivadas em regime de sequeiro, provenientes de Mato Grosso e constituindo-se de uma mistura de variedades provenientes do IAC – Instituto Agronômico de Campinas – SP. A variedade de arroz em casca cultivada em regime irrigado no Rio Grande do Sul, originada do IRGA – Instituto Riograndense do Arroz.
As amostras cultivadas no sequeiro foram identificadas como A e C e a amostra cultivada no regime irrigado como I. Para os ensaios laboratoriais de parboilização estas três amostras foram subdivididas em A1 e A2; C1 e C2 e I1 e I2

Experimentos:
O processo de parboilização do arroz em casca é composto de uma série de operações, começando com o encharcamento das amostras de arroz em casca, tratamento térmico, secagem e descascamento. Estas etapas são descritas a seguir. 

Encharcamento das amostras:
Esta operação foi realizada em frascos Erlenmeyer de 500 mL e em cada frasco foram colocados 150 g de arroz e adicionados 250 mL de água a 80º C. Imediatamente após a adição da água de encharcamento os frascos foram tamponados com buchas de algodão e papel laminado, sendo colocados de imediato no Banho-Maria com sob agitação e na temperatura constante de 65º C.
A duração do encharcamento das amostras foi de 3 horas e 30 minutos para as amostras identificadas como A1, C1 e I1 e de 5 horas para as amostras identificadas como A2, C2 e I2. Após este período foram retiradas alíquotas de 50 g das amostras de arroz para determinação do teor de umidade que as mesmas tinham alcançado após o encharcamento. 

Gelatinização das amostras:
A gelatinização dos grãos foi efetuada sob pressão em autoclave durante 15 minutos, contados a partir do momento em que a temperatura interna do vapor alcançou o valor de 110º C, correspondendo a uma pressão interna do vapor de 0,5 atm. Ao final desse tempo, retiraram-se as amostras da autoclave e levou-as para outra operação. 

Secagem das amostras:

Os grãos foram espalhados em bandejas de plástico e ficaram expostos ao ambiente durante um período de 24 horas para secar na temperatura ambiente, que era de 21,8º C. Após este período, as amostras foram consideradas secas ao não se perceber mais resquícios de umidade na superfície. 

Beneficiamento dos grãos:
Na continuação do processo de parboilização laboratorial, as amostras passaram para a etapa de beneficiamento, onde foram submetidas ao descascamento e polimento dos grãos e submetidos, posteriormente, à determinação da renda de benefício (em % de grãos), do rendimento de grãos (inteiros x quebrados) e do teor de umidade final das amostras. 

Grãos não-gelatinizados nas amostras:

Como o processo de parboilização dos grãos de arroz visa, antes de tudo, à gelatinização do amido contido nos mesmos é de fundamental importância determinar o quanto de grãos foram efetivamente modificados por esse processo, de modo a verificar se as combinações de tempo de encharcamento, temperatura e duração de gelatinização foram eficientes.
Na determinação do percentual de grãos não-gelatinizados (GNG), utilizou-se o Método das Placas Polarizadoras ou Método de Luz Polarizada, desenvolvido na Fundação de Ciência e Tecnologia pelo engenheiro químico Gilberto Amato (1988; 1989).
Para essa determinação foram separadas cinco alíquotas de 50 grãos de cada uma das amostras que já tinham passado pelas etapas de encharcamento, gelatinização e beneficiamento, para avaliar o grau de eficiência do processo aplicado.
As alíquotas, uma de cada vez, foram colocadas entre as placas de polarização do equipamento e se fez incidir uma fonte luminosa através das mesmas. Foram identificados e contados como grãos não-gelatinizados os que se apresentavam leitosos ou esbranquiçados, sendo feito o cálculo do percentual dos grãos que não se apresentavam gelatinizados e a média final de cada alíquota avaliada. 

Avaliação microscópica:

Com o objetivo de confirmar e averiguar os resultados encontrados através do método das Placas Polarizadoras e compará-los com a observação microscópica, no sentido de caracterizar o estado amorfo ou cristalino dos grãos de amido das amostras processadas, foram realizadas observações dos grãos, através de microscópio ótico com placa polarizadora em amostras submetidas ao processo de encharcamento de 5 horas.

 
Resultados e Discussão
Os resultados que foram observados após o processamento dos grãos de arroz são os seguintes:

Após o encharcamento por 3 horas e 30 minutos foi constatado que a água residual da amostra C1 apresentava cor muito mais escura do que as outras duas amostras, sendo que a água residual com menor intensidade de cor foi a da amostra I1. A aparência da água residual da amostra A1 ficou com uma cor intermediária entre os dois extremos.
A aparência dos grãos após este período de encharcamento também diferiu, pois enquanto as amostras A1 e C1 não mostraram nenhum grão com casca rompida, já a amostra I1 teve alguns grãos que apresentavam a casca aberta.
Ao término do período de encharcamento as amostras foram escorridas de toda a água superficial, mediu-se o volume de água que restou e encaminhou-se uma alíquota ao laboratório para determinação do teor de umidade que os grãos atingiram, apresentados na tabela 1. 

Tabela 1 – volume de água residual, taxa de absorção e umidade final dos grãos após a operação de encharcamento por 3h:30m

 

Após o período de 5 horas de encharcamento também se constatou que a cor da água residual da amostra C2 era a mais escura do que as águas das amostras A2 e I2, sendo esta última a que deixou a água residual mais clara.
A aparência dos grãos também diferiu, pois a amostra C2 mostrou todos os grãos com sua casca intacta ao passo que nas amostras A2 e I2 alguns grãos se apresentavam fora da casca enquanto outros tinham as suas cascas rompidas.
Da mesma forma que no período de encharcamento de 3 horas e 30 minutos, as amostras foram escorridas de toda a água superficial, mediu-se o volume de água que restou e encaminhou-se uma alíquota ao laboratório para determinação do teor de umidade final que os grãos atingiram, conforme os dados apresentados na tabela 2. 

Tabela 2 – volume de água residual, taxa de absorção e umidade final dos grãos após a operação de encharcamento por 5 h

 
Após a redução do teor de umidade dos grãos durante sua exposição à temperatura ambiente as amostras sofreram a operação de beneficiamento para determinar alguns parâmetros de qualidade dos grãos que sofreram o processo de parboilização, como renda de benefício, rendimento dos grãos inteiros e teor de umidade final, conforme apresentados na tabela 3.

Tabela 3 – Renda de benefício, rendimento e teor de umidade final dos grãos. 

A avaliação da eficiência do processo de parboilização das três variedades de grãos de arroz foi realizada pela contagem dos grãos não-gelatinizados em cinco alíquotas de 50 grãos de cada amostra, submetidas a um exame visual e contagem através do método de placas polarizadoras, cujos resultados são mostrados na tabela 4.

Tabela 4 – Quantidade de grãos não gelatinizados nas três amostras.

 

Pela análise microscópica é possível observar se os grãos de amido do arroz estão intactos, com polarização normal ao microscópio, apresentando cruzes de malta perfeitas. Nos grãos de amido gelatinizados os mesmos se apresentam inchados, com aspecto gelatinoso e polarização raiada (birrefringência) ao microscópio.
Dessa forma, foram realizadas observações de grãos gelatinizados e não gelatinizados das amostras que sofreram tratamento térmico após 5 horas de encharcamento, e cujas observações são relatadas na tabela 5. 

 

 Em decorrência dos experimentos realizados podem ser destacadas as seguintes conclusões:
– No processo de gelatinização dos grãos numa temperatura de 110º C por um período de 15 minutos pode-se constatar a ação efetiva do tempo de encharcamento no grau de gelatinização dos grãos. Nas amostras encharcadas durante 3 horas e 30 minutos o teor médio final de umidade foi de 30,6% e o percentual médio de grãos não-gelatinizados foi 27,3%, ao passo que no tempo de encharcamento de 5 horas o teor médio final de umidade foi de 31,2%, um aumento de 2%, e o percentual médio de grãos não-gelatinizados foi de 13,3%, estatisticamente diferentes.
– No maior tempo de encharcamento utilizado, 5 horas a 65º C, verificou-se a tendência a uma indesejável abertura da casca (splitting), como consequência de uma absorção de água superior à necessária para a complementação do processo. Pelas observações feitas pode-se determinar 5 horas de encharcamento como limite para esta operação na temperatura de 65º C.
– Quanto mais intenso for o “splitting”, mais rápida será a hidratação dos grãos, resultando na consequente absorção dos pigmentos da casca pelo endosperma dos grãos, intensificando a cor amarelada do produto final.
– A metodologia das placas polarizadoras mostrou-se adequada, de fácil aplicação e expedita na medição do efeito dos parâmetros tempo e temperatura no processo de parboilização do arroz, tendo seus resultados confirmados pela observação microscópica dos grãos.
– As cultivares utilizadas nos experimentos – A, C e I não apresentaram diferenças significativas quanto à renda de benefício, rendimento do grão e teor de umidade das amostras processadas com os dois tempos de encharcamento. A maior quantidade de grãos quebrados no beneficiamento, principalmente na variedade C, deve-se ao regime de sequeiro que propicia o trincamento dos grãos e maior quebra nas operações de engenho.

 

¹ Engenheira Química, UFRGS – 1994
² Engenheiro Químico, PhD, ICTA – UFRGS

3 Comentários

  • sem saber quais são as cultivares fica difícil saber qual a validade do experimento, pois sabemos que há diferença gritante entre as cultivares existentes hoje para sequeiro e também entre as do irrigado.
    Ao final parece mais um artigo para diminuir a qualidade do grão de terras altas.

  • Gostei bastante das explicações na diferença do arroz irrigado, para o arroz sequeiro.

  • Faltou usar a variedade mais plantada hoje no sequeiro e ver que a genetica faz toda a diferença e grãos quebrados não tem nada ver com a conclusão do trabalho.

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