Contagem regressiva
Em três safras, os pesquisadores esperam
ter mapeadas raças e genes
de resistência ao fungo
da brusone
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Nas últimas sete safras, em especial entre 2011 e 2015, houve um salto na ocorrência da doença fúngica brusone, causada pelo fungo Magnaporthe oryzae, nas lavouras de arroz do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina. Três fatores contribuíram para a evolução da doença, especialmente no Rio Grande do Sul: o ambiente favorável, a presença dos esporos e, principalmente, o uso massivo de cultivares suscetíveis ao desenvolvimento da doença. O assunto se tornou pauta obrigatória entre produtores e pesquisadores e gerou demanda instantânea por sistemas de controle e variedades resistentes.
As ocorrências se espalharam por toda a zona de produção arrozeira do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina. O volume de fungicidas usados nas lavouras disparou vertiginosamente, alcançando média de uma aplicação e meia por hectare no Rio Grande do Sul. Os custos com este defensivo chegaram a subir 325% de uma safra para a outra, levando em conta o aumento do volume utilizado e a alta nos preços diante da demanda.
Nas duas últimas safras, com um avanço do uso de variedades resistentes ao fungo, a demanda por fungicidas e a ocorrência da doença diminuíram. Mesmo assim, muitos produtores fazem uma aplicação “preventiva”, aumentando de R$ 60,00 a R$ 80,00 o custo médio por hectare, segundo os técnicos, diante daqueles produtores que não usaram o método. O valor equivale a duas sacas de arroz, mas em zonas onde a brusone ataca, com variedades suscetíveis, o custo pode quintuplicar de acordo com o número de aplicações e as perdas podem ser de até 100%.
Mas, os centros de pesquisa voltados à cadeia produtiva gaúcha abriram contagem regressiva para encontrar ferramentas que permitam um manejo mais adequado das variedades resistentes e também para neutralizar o fungo. No mundo todo, o maior volume de pesquisas atualmente realizadas voltadas para o arroz estão direcionadas à brusone, o que demonstra a importância da doença no contexto de produção global.
Os estudos serão desenvolvidos pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs) e Instituto Rio Grandense do Arroz (Irga), com apoio de materiais e a rede de informações do Fundo Latino Americano de Arroz Irrigado (Flar) e do Centro Integrado de Agricultura Tropical (Ciat), da Colômbia, que é ligado ao Centro Internacional de Pesquisas em Arroz (Irri), das Filipinas.
O projeto busca monitorar as características do patógeno e sua ocorrência no Rio Grande do Sul bem como buscará identificar os genes que conferem resistência ao arroz para utilizar nas cultivares que serão lançadas dentro do programa de melhoramento genético.
Implacável: na fase reprodutiva, os danos são maiores
Dois caminhos por um resultado
Tão importante quanto identificar as raças do fungo é realizar o sequenciamento e as análises de genes de resistência nas cultivares-elites visando incorporar essa carga genética em uma nova cultivar de forma a tornar a expressão desta imunidade uma característica mais duradoura no campo. A opinião é do pesquisador Cláudio Ogoshi, do instituto arrozeiro do Rio Grande do Sul. A primeira fase do projeto tem dois anos de prazo, mas deve se tornar linha permanente do melhoramento genético.
O doutor em fitopatologia Marcelo Gravina de Moraes, da Ufrgs, é responsável pela identificação das raças do patógeno presentes no estado e considera que a falta de conhecimento sobre as raças e os genes de resistência tornam ainda mais complexa a busca de uma solução para o caso, principalmente numa safra sob a pressão da doença. “Este trabalho pretende ser uma chave para identificar caminhos que levem a uma resistência mais estável nas plantas e para desenvolver mecanismos de controle da doença”, afirma.
Para o cientista, o fungo encontrou condições ambientais ideais e hospedeiros suscetíveis para se expandir, por isso chegou ao nível de danos preocupante nas lavouras gaúchas. Embora acredite no avanço através da pesquisa, o cientista avisa que a natureza sempre dá um jeito de se adaptar e vencer as armadilhas artificiais criadas pelo homem. “A lógica é de que a resistência das cultivares hoje utilizadas seja quebrada a qualquer momento, então a pesquisa pode desencadear novos mecanismos, mas que serão quebrados em algum momento, mas todo o avanço é necessário, importante e bem-vindo”, resume.
Ogoshi em área de testes do Flar: correndo contra o tempo
Viveiro
Há quase 50 anos o programa de melhoramento genético do instituto arrozeiro do estado mantém a avaliação de genótipos de arroz num viveiro de alta pressão de brusone sobre as plantas. Com base em material genético liberado há décadas pelo Flar, ainda durante os processos inerentes à Revolução Verde do Arroz, foi possível o desenvolvimento de cultivares resistentes aos ataques do fungo Magnaporthe oryzae até o momento. Mais de 7 mil genótipos são testados anualmente. A Embrapa e a RiceTec também desenvolvem variedades resistentes à doença.
FIQUE DE OLHO
O patógeno da brusone ataca as plantas suscetíveis principalmente na fase reprodutiva, quando interfere diretamente na formação de grãos. Mas também ocorrem danos na fase vegetativa. Em ataques mais severos são registradas perdas de até 100% da lavoura.
Como surgiu esse avanço da brusone no RS?
A qualidade de grãos e a produtividade de cultivares lançadas pelo Instituto Nacional de Tecnologia Agropecuária (Inta), da Argentina, atraíram os rizicultores gaúchos a partir de 2011, quando surgiram com força no Rio Grande do Sul. Isso ocorreu num vácuo da pesquisa gaúcha. O Irga, até então protagonista e hegemônico no mercado de variedades de arroz, não deu prosseguimento aos convênios com a multinacional Basf, que detém a tecnologia CL, de resistência aos herbicidas do grupo das imidazolinonas.
As variedades Inta Guri CL e Inta Puitá CL, de ótimo rendimento agronômico, industrial e de panela, entraram muito bem nas lavouras até que ficou claro que eram suscetíveis ao fungo. A presença dos esporos do fungo no ambiente, plantas hospedeiras e um clima favorável aceleraram a contaminação em todas as regiões. Na safra 2016/17 o Irga recuperou a maior parte do mercado com as variedades Irga 424 e Irga 424 RI (resistente às imidazolinonas), mas a indústria aponta problemas de rendimento de engenho e outros defeitos neste grão e tem buscado valorizar outras cultivares na hora de fechar o contrato de custeio ou de compra.