Duas Safras: revolucionando o agro gaúcho

 Duas Safras: revolucionando o agro gaúcho

Em Porto Alegre, com auditório lotado, a entrada da soja, milho e pecuária em terras de arroz foi o foco do encontro

Projeto une Farsul, Abpa governo do Estado, Embrapa e Federarroz

Por meio de safras de inverno que produzam grãos para alimentação humana e animal e a diversificação de cultivos nas terras baixas, o programa Duas Safras pretende intensificar o agro gaúcho e ampliar a renda do produtor rural, elevando em 40% a produção agropecuária do Rio Grande do Sul. Segundo a assessoria econômica da Farsul, o impacto no PIB do estado seria um aumento de 7%, representando R$ 31,9 bilhões.

Ao longo de 2022, o Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar-RS) promoverá 10 etapas do Duas Safras, customizadas de acordo com as diferentes regiões do estado. Cada encontro tem o intuito de levar conhecimento aos produtores sobre como produzir mais e melhor em áreas disponíveis. “A ideia é aumentar a produção sem aumentar a área, otimizando a produtividade”, explicou o superintendente do Senar-RS, Eduardo Condorelli.

A programação
O primeiro fórum ocorreu em 31 de maio, em Santo Ângelo, na região das missões. Cerca de 400 pessoas participaram das palestras, que tiveram foco nas culturas de trigo, milho e soja, em desafios como produtividade e rentabilidade, além de cenários econômicos e mercadológicos do agro.

Porto Alegre recebeu o segundo evento, em 28 de junho, para falar sobre a cultura do milho, soja e pecuária, abordando temas como a produção através do sistema sulco-camalhão em terras baixas e a integração lavoura-pecuária.

Com entrada franca, as próximas edições já têm calendário definido. Alegrete destacará a pecuária de corte em 16 de agosto; Passo Fundo e Cruz Alta abordarão lavouras de inverno e cultura do milho em 27 de setembro e 18 de outubro, respectivamente, .

Lavras do Sul (4 de novembro) e São Sepé (22 de novembro) terão enfoque na pecuária de corte e integração lavoura-pecuária e Vacaria encerrará as programações, em 6 de dezembro, nos Campos de Cima da Serra.

O Duas Safras é resultado de uma articulação entre Farsul, Senar-RS, ABPA, Embrapa, Fecoagro/RS, Asgav e Federarroz, Acergs, Sips e Aprosoja.

Milho: segunda safra alivia o mercado interno

O Brasil inicia o segundo semestre de 2022 com possibilidade de ver, aliviado, uma menor pressão sobre a oferta de milho e, por consequência, sobre os preços do cereal. Por um lado, a possibilidade penaliza os produtores do grão, pois há tendência de preços menores, por outro lado, favorece as cadeias de produtos animais, como carnes, leite e ovos.

Tal situação se deve a colheita de uma segunda safra (safrinha), que poderá alcançar entre 85 a 91 milhões de toneladas do grão, contra pouco mais de 50 milhões no ano anterior. Somente o Mato Grosso espera atingir quase 40 milhões.

Assim, o aperto na oferta, causado pela seca no centro-sul brasileiro no último verão e na safrinha passada, que levou a uma quebra importante (no Rio Grande do Sul, perto de 50%), parece se encaminhar para um alívio. Desta forma, de exportações ao redor de 20 milhões de toneladas no ano anterior, projeta-se vendas externas acima de 40 milhões no ano comercial 2022/23. E os estoques finais poderão ficar ao redor de 10 milhões de t. Isso traz os preços do cereal a níveis mais baixos, após baterem perto de R$ 100,00/sc em alguns momentos do primeiro semestre no RS e parte do Brasil.

Como o milho sofre menos influência das cotações em Chicago, que subiram no primeiro semestre, ultrapassando US$ 8,00/bushel em alguns momentos (em junho/22 teve média ao redor de US$ 7,50 e um ano atrás de US$ 6,72/bushel), é o mercado interno que dita o comportamento dos preços locais. E a safrinha pesa sobre a realidade dos preços.

Embora o Rio Grande do Sul seja importador natural do cereal, devendo, em função da quebra de verão, importar quatro milhões de toneladas, os preços igualmente sofrem consequências do comportamento nacional. Assim, o novo semestre inicia com a média gaúcha, no balcão, em R$ 83,45/sc. Nas demais praças, o produto girava entre R$ 66,00 e R$ 85,00/saco. Um ano atrás, os preços estavam, respectivamente, em R$ 77,56/sc no RS e entre R$ 71,00 e R$ 88,00/sc nas demais praças nacionais.


COMPORTAMENTO

Nota-se que no RS o preço está mais alto do que há um ano, enquanto nas demais praças a média é mais baixa. A quebra e a necessidade de importação gaúcha explicam o comportamento. Além disso, a última safra de trigo tem seu excedente quase todo exportado, pois os preços internacionais e o câmbio tornaram convidativa a venda externa do cereal. Com isso, quase não há trigo para substituir o milho em rações animais, diferentemente de 2021. Isso manteve firme demanda pelo milho e ajudou a elevar seus preços.

A partir de agora, a tendência é de uma pressão baixista oriunda da safrinha, porém, tudo indica, em menor intensidade no estado gaúcho. Na sequência, a safra de verão e o clima definirão se os preços locais poderão se manter nos níveis deste início de semestre. Dito isso, não se pode ignorar que o programa Duas Safras, recentemente lançado no estado, em obtendo sucesso, tende a gerar mais produção de grãos, devendo forçar preços mais baixos do milho nos próximos anos. Isso, obviamente, se as condições de produção forem normais.

Não se pode ignorar, em tal realidade, que o milho precisa ficar em consonância com os custos e preços das cadeias produtivas animais. Pelo sim ou pelo não, o Brasil se consolida como grande produtor e exportador de milho, com importante consumo interno, na medida em que as cadeias das carnes e do leite ganham espaço nos diferentes mercados.

Com isso, os preços tendem a se estabilizar aos níveis atuais e, provavelmente, um pouco mais baixos quando o mercado trabalhar dentro da normalidade. Isso exigirá dos produtores, para dar conta dos custos de produção, um aumento da produtividade média por hectare com o passar das safras, além de avançarem no estudo da viabilidade de sistemas de irrigação.

Argemiro Luís Brum
Professor titular do PPGDR/Unijuí, Doutor em Economia Internacional, Coordenador da Central Internacional de Análises Econômicas e Estudos de Mercado Agropecuário (Ceema/Unijuí)

 

Benefícios da diversificação de culturas e o manejo da fertilidade em solos de terras baixas

Trevo-persa em áreas de cultivo de arroz irrigado no sul do RS. Granjas 4 Irmãos

No Rio Grande do Sul, 20% do território do RS é de terras baixas, onde se cultiva, predominante, arroz irrigado, soja e pastagens. Em razão da aptidão agrícola dessas áreas, principalmente do relevo plano e do horizonte em subsuperfície de baixa infiltração de água, que possibilita a manutenção da lâmina de água e a irrigação por inundação do arroz. Em comparação com as outras áreas de produção agrícola no RS, a grande maioria dos solos cultivados com arroz possuem menor fertilidade natural, onde 80% das áreas apresentam baixos teores de MOS (<2,5%), baixos teores de fósforo e de CTC e predominância de teores de baixo e médio de potássio. Concomitantemente, o manejo do solo em áreas arrozeiras, com frequente preparo do solo, provoca a redução dos teores de matéria orgânica e adensamento com aumento da densidade e redução da macroporosidade do solo.

Em razão da alta pressão de plantas daninhas no cenário de monocultivo de arroz irrigado e da possibilidade de diversificação das culturas, houve uma significativa expansão do cultivo de soja, chegando a atual área cultivada em terras baixas de 407 mil ha-1 (IRGA, 2022). O sucesso da inserção dessa oleaginosa nos ambientes de terras baixas do Sul do Brasil tem possibilitado um grande avanço nos sistemas de produção. Com a expansão do cultivo da soja, tem possibilitado o maior uso e domínio de geotecnologias possibilitando melhorias na infraestrutura de drenagem. O uso mais frequente da suavização do solo tem possibilitado uma melhorias bastante expressiva em termos de escoamento de água e possibilitado a adoção, com maior êxito, de outras culturas de sequeiro, como trevo-persa, azevém, aveia, milho e até mesmo o trigo, que é uma cultura bastante sensível a solos com alto teor de umidade.

Em relação ao manejo da fertilidade, com a diversificação de culturas de sequeiro, há uma modificação importante do cenário de produção em terras baixas. O monocultivo sucessivo de arroz tem causado uma redução no teor de nutrientes e elevação da acidez do solo. Um dos benefícios mais imediatos da rotação com soja no solo é a redução dos teores de Al3+ e, consequente, aumento da saturação de bases. Além disso, em geral, a cultura da soja possui maior demanda em P, o que contribui para maior efeito residual desse nutriente, que contribui, em geral, para o aumento dos teores de P comparativamente ao cultivo de arroz.

A fixação biológica de nitrogênio pela soja é outro aspecto relevante. Tem-se verificado que pastagens de azevém estabelecidas em sucessão à leguminosa têm capacidade de produzir matéria seca até três vezes superiores a uma resteva de arroz. Além disso, os resíduos das culturas da oleaginosa, de maior velocidade de degradação, demonstram maior atividade biológica do solo, o que contribui para maior ciclagem de nutrientes.

Além do cultivo da soja, está ocorrendo a inserção de outras culturas no período de outono-inverno. O estabelecimento de pastagens temperadas, que antes eram vistas em maior frequência nas terras baixas da fronteira oeste e campanha do RS, passaram a ser cultivas em maior escala nas planícies costeiras, zona sul e região central do estado.

As melhores condições de drenagem e suavização do solo, usadas principalmente para propiciar condições de drenagem favorável à cultura da soja, tem criado uma séria de condições e oportunidade de cultivos de inúmeras outras espécies, como milho, trevo-persa, aveia, que é mais exigente em drenagem, e até mesmo melhores condições de desenvolvimento ao azevém, que tem tolerância aos solos encharcados.


TREVO-PERSA
O trevo-persa é uma leguminosa que se adequa ao sistema de produção de arroz, pois possui tolerância ao encharcamento do solo e precocidade no desenvolvimento, que é de grande relevância pelo fato que a época adequada de semeadura do arroz ser antecipada comparativamente à cultura da soja. Além disso, possui grande capacidade de aporte de nitrogênio via fixação biológica de nitrogênio, e uma quantidade significativa é disponibilizada no solo, o que possibilita a redução do requerimento de adubação nitrogenada pelo arroz irrigado. O trevo-persa, por ser uma leguminosa, possui alta exigência em fósforo, em geral, em razão dessa demanda, um manejo recorrente é o posicionamento de adubação fosfatada das culturas de grãos de verão, sendo aplicadas no outono na semeadura do trevo. Esse sistema de adubação pode reduzir ou até mesmo, dependendo dos teores no solo, de não realizar a adubação fosfatada na cultura do arroz.


INTEGRAÇÃO

Outro cenário que ganha mais destaque em terras baixas é a adoção da integração lavoura-pecuária. Tem se observado que adoção de pastagens à base de azevém, aveia em áreas com melhor drenagem, trevo, cornichão e consórcios forrageiros tem demonstrado inúmeros impactos positivos no solo, com aumento dos teores de fósforo, potássio, aumento dos níveis de matéria orgânica e da atividade biológica do solo e esse fatores têm contribuído para a redução dos requerimentos em adubação na cultura do arroz em sucessão.

Esses ganhos em razão do uso de pastagens ocorrem, pois a exportação de nutrientes via extração com animais é muito baixa (<10%) de maneira geral, comparativamente a lavouras de grãos. Além disso, pelo fato de possuir baixa CTC, há significativa perda dos nutrientes dos resíduos culturais de arroz e soja no período de outono-inverno. Assim, o uso das culturas hibernais sob pastejo ou como plantas de cobertura são essenciais na ciclagem de nutrientes, contribuição para o aumento dos níveis da matéria orgânica, agregação e estruturação do solo, que, em geral, tem reflexos em propiciar melhor nutrição de desenvolvimento das culturas do verão, como arroz, soja e milho.

Figura 2. Soja em rotação com arroz irrigado em terras baixas. Estação Experimental do Arroz – Irga

AMPLIAÇÃO
Dessa forma, a ampliação dos cultivos das culturas de sequeiro em terras baixas tem grande capacidade em melhoria de vários atributos do solo. As leguminosas, como soja e trevo-persa, têm grande capacidade em aporte de nitrogênio por processo biológico, nitrogênio gratuito, sem gasto energético e baixa emissão de CO2. Além disso, a soja foi uma importante ferramenta de melhoria do cenário de acidez dos solos de terras baixas, visto que, em os critérios de correção da acidez para a cultura do arroz, é menos exigente.

O trevo, em razão da sua hábil capacidade de fixar N, possibilita a redução da adubação nitrogenada no arroz, além de possibilitar uma adubação fosfatada de sistemas onde se faz a aplicação de fósforo requerido pelo arroz no estabelecimento da leguminosa no outono. Por fim, os sistemas que adotam integração lavoura-pecuária têm possibilitado aumento nos teores fósforo e potássio no solo, maior atividade biológica e maior ciclagem e disponibilidade de nutrientes paras as culturas de grãos.

Assim, a rotação de culturas tem possibilitado a entrada de leguminosas nos sistemas de terras baixas, que tem grande contribuição de uma via “gratuita” (biológica) de aporte de N ao solo e, além disso, a intensificação do uso de culturas hibernais (pastejo ou não) que minimizam as perdas de nutrientes e aumentam a disponibilidade no solo.

Eng. Agr. Dr. Filipe Selau Carlos
Professor do Dpto de Solos, FAEM, Universidade Federal de Pelotas
Pesquisador nível 2 do CNPq

 

Mercado da soja: realidade e tendências

A soja inicia o segundo semestre de 2022 com cotações em forte baixa em Chicago. O primeiro mês cotado (julho) fechou o dia 1º de julho em US$ 16,26/bushel. Já a cotação do contrato novembro, momento da colheita da nova safra nos EUA, ficou em US$ 13,95, enquanto maio/23, contrato que serve de referência para a formação dos preços da oleaginosa no período da colheita no Rio Grande do Sul, registrou US$ 13,96/bushel.

Essas cotações se distanciam dos valores de semanas atrás, quando o bushel bateu próximo do recorde histórico, ao atingir US$ 17,69 ao primeiro mês cotado, em 9 de junho. Um ano atrás, neste período, o bushel de soja valia US$ 14,46 junto ao primeiro mês cotado. Um dos elementos que puxou o preço foi a valorização do óleo, na esteira do aumento do petróleo, devido à guerra. Esse subproduto da soja bateu seu recorde histórico em Chicago, em 8 de junho, ao fechar o pregão em 82,94 centavos de dólar por libra-peso. Em 1º de julho, ficou em 65,68 centavos, e, dois anos antes, fechava o pregão em apenas 28,10 centavos.

O sentimento é que o mercado internacional começa a dar sinais de estagnação, após a forte alta no primeiro semestre, motivada pela guerra entre Rússia e Ucrânia e a quebra na safra de verão da América do Sul. A partir de agora, a nova safra dos EUA, a ser colhida em novembro, ganha uma dimensão especial, assim como o clima sobre as regiões produtoras daquele país.

E foram os relatórios de plantio e de estoques trimestrais nos EUA, em 30/6, que, por enquanto, consolidaram, talvez, essa reversão de cotações em Chicago. O de plantio apontou alta de 1% na área semeada naquele país sobre o ano anterior, levando-a para 35,73 milhões de hectares. Mesmo 2,97% menor que a intenção de plantio divulgada em 31 de março, o número foi percebido baixista no mercado. Quanto ao relatório de estoques trimestrais, em 1º de junho, este indicou um aumento de 26% sobre a posição um ano antes, atingindo 26,4 milhões de t.

Além disso, na medida em que a inflação aumenta nos EUA, o governo amplia seu juro básico. O movimento torna mais atrativos os papeis do Tesouro norte-americano, levando os fundos a venderem contratos de commodities para comprarem títulos públicos. O juro local deverá subir mais nos próximos meses. A tendência de recuo depende de colheita normal nos EUA. Com a área indicada, o volume final colhido pode chegar a 123 milhões de t, constituindo-se em novo recorde dos EUA (relatório de oferta e demanda do Usda avança uma colheita de 126,3 milhões). Evidentemente, isso se o clima colaborar.

Neste contexto, o efeito sobre preços no RS vem ocorrendo, com a saca de soja se mantendo em torno de R$ 180,00 no balcão há semanas. Um ano atrás, nesta época, valia, na média do estado, R$ 137,64. Portanto, mesmo estagnado, o preço atual é 30,8% acima de um ano atrás.

O problema é que o custo de produção no período subiu mais de 50%. E para a futura safra, considerando o câmbio ao redor de R$ 5,10 na hora da colheita, a partir do que Chicago indica para maio/23, o preço líquido da soja tende a girar entre R$ 140,00 e R$ 145,00/saco. Obviamente, isso é apenas uma tendência a partir dos elementos existentes neste início de segundo semestre.

Com o passar dos meses, o quadro precisa ser atualizado, pois as variáveis se modificam, a favor ou contra. Mas a informação aqui disponibilizada não pode ser desconsiderada, visando média de comercialização. A história desse mercado já nos ensinou isso.

Argemiro Luís Brum
Professor titular do PPGDR/Unijuí, Doutor em Economia Internacional, Coordenador da Central Internacional de Análises Econômicas e Estudos de Mercado Agropecuário (Ceema/Unijuí)

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