Exportando a ideia da qualidade
Autoria: Gilberto Wageck Amato – Pesquisador da CIENTEC.
Diferença de foco entre o Brasil e a Europa
A exportação é uma das palavras-chave que surgem quando se discute o crítico problema dos baixos valores de comercialização do arroz no Brasil.
Percorrendo as prateleiras dos supermercados europeus, os atores da cadeia produtiva do arroz nacional ficam a pensar sobre uma realidade da qual gostariam de participar: arroz branco a 0,90 e parboilizado a 1,20 euros por quilograma. Mais ainda, arroz especial, como os de denominação de origem, a 6,00 euros.
Esses valores têm a ver com as estruturas de custos e preços dos países europeus, mas igualmente com a importância dada à qualidade, enquanto o Brasil segue pautado pela variável quantidade. As diferenças são resultantes de idiossincrasias locais.
O filósofo espanhol Oetega y Gasset sintetizou bem causas e efeitos sobre o comportamento dos indivíduos através da expressão “El hombre es él y sus circustancias”. Isso pode ser extrapolado para os conjuntos humanos. Assim, a imensidão territorial brasileira condiciona à busca de ser o maior em tudo. Já os europeus, dispondo de um menor território, buscam ganhos pela qualidade.
Oportunidades para expor a qualidade
Dois eventos recentes oportunizaram a divulgação do atributo qualidade do arroz nacional.
Em Madri, de 28 a 30 de junho, ocorreu o Rice Trade Outlook 2011. Coube-nos o tema “South America: crop outlook and export expectations from Uruguay, Argentina and Brazil”. Mais de uma centena de negociadores do arroz fizeram-se presentes.
O segundo ocorreu na sede da FAO, em Roma, em reunião técnica com a área do setor arroz, coordenada pela Economista Sênior Concepción Calpe. A FAO, junto com a Embrapa e outras entidades de expressão internacional, é uma das principais patrocinadoras do 5º Encontro Internacional do Arroz, que ocorrerá em Cuba, de 4 a 10 de junho.
Nas duas oportunidades da Europa, bem como ocorrerá na da América, busca-se correlacionar a qualidade do arroz brasileiro a um esforço, ao longo do tempo, dos centros de pesquisa, como Cientec, Embrapa, Epagri, Irga e Ufpel, respondendo às demandas de uma cadeia produtiva cada vez mais profissionalizada e focada em seus objetivos.
Atendendo à demanda
Um dos conceitos-chave para colocar o arroz no mercado europeu é a rastreabilidade. Este conceito já estava embutido há mais de duas décadas, por ocasião da difusão da qualidade total (TQC) no Brasil. Em resumo, trata-se do amplo conhecimento e registro de cada uma das etapas da vida de um produto, desde os insumos da produção à prateleira do consumidor.
No caso específico do arroz, ao analisar-se o conjunto de passos desde a produção primária, a primeira variável a ser analisada entre os insumos é a matéria-prima. O desejo do consumidor, entre outras coisas, é que o produto final seja de qualidade constante. Seria interessante, para obter uma uniformidade, que houvesse uma predominância de uma variedade superior a 80% no produto oferecido nas prateleiras.
Como é sabido, são significativas as diferenças entre o arroz verde, recém-colhido, e o maduro. O fenômeno da alteração após a colheita é conhecido como aging, tratando-se de uma tendência a seguir o processo anabólico de formação do grão até uma relativa estabilização. A percepção do consumidor é de que o arroz, quando é recém-colhido, tende a grudar-se mais ao ser preparado.
Esta constatação é fundamentada e fundamental, bastando lembrar que parte importante do sucesso das cadeias internacionais de lanches rápidos é a constância, independentemente do ponto de venda. São auditorados fatores que vão dos conteúdos ao sabor, passando pela apresentação visual, tanto do produto quanto do estabelecimento.
Ainda sobre a matéria-prima, é importante, na rastreabilidade, ser certificada que a semente utilizada na lavoura de arroz não seja transgênica. Independente de qualquer juízo sobre organismos geneticamente modificados, o relevante é que esta é uma exigência comum no mercado europeu.
Um ponto muito crítico
Pensando em exportar para o exigente e competitivo mercado europeu, uma atenção especial é com a perda de qualidade devido à secagem mal conduzida. Trata-se de um dos pontos mais questionados por ocasião das perguntas em debates internacionais.
Cada vez é maior a exigência para que o arroz seja livre de fumaça, desde a primeira secagem, logo após a colheita. O bandido da história é a madeira verde usada para secagem, “defumando” o arroz com seus produtos da pirólise.
Uma alternativa para evitar a degradação é fazer a armazenagem a frio, reduzindo a atividade metabólica, para secar em algum momento em que os secadores estejam mais disponíveis.
Um caso de sucesso é uma exigência da Associação Brasileira da Indústria de Arroz Parboilizado para os detentores do Selo Abiap. Durante o processamento no engenho, não pode ocorrer contato do arroz com gases de combustão. A solução são os intercambiadores de calor (radiadores).
Este grupo de parboilizadores tem auditoria externa, do Laboratório de Grãos da Ufpel, sendo atribuído o selo somente aos que pratiquem critérios das BPF – Boas Práticas de Fabricação, onde são avaliados processos, insumos e produtos.
Cuidando até o final
Após tanto esforço para gerar um produto de exportação, deve-se ter o cuidado para “não morrer na praia”, muito menos no porão do navio graneleiro.
Lembrando que os cuidados são necessários em todos os pontos, o transporte não pode ser negligenciado. Tem sido creditada às grandes trades a prática de misturar produtos bons com os de qualidade inferior, facilitada pelo transporte a granel. Os contêineres, não obstante agregarem custo, constituem-se em uma solução.
Outra exigência corrente é que o produto exportado deve ser livre de pesticidas e resíduos de expurgo.
Um nicho a ser construído
Finalizando, ao buscar alternativas para agregar valor ao arroz, um destaque fica por conta dos produtos com denominação de origem. Trata-se de um mercado crescente, ainda não explorado pelo Brasil. Mas para entrar nesse nicho não basta boa vontade, sendo necessário que o produto final, além de todos os cuidados citados, tenha um atributo de qualidade que o distinga dos demais e, tão importante quanto isso, que o consumidor identifique este atributo como vantagem e esteja disposto a pagar mais por isso.