Feijão com arroz: não despreze esta mistura

Espera-se mais respeito ao usar a expressão “feijão-c’arroiz” como referência a coisas simples. A dupla merece consideração!.

POR GILBERTO AMATO

Dentre os pratos típicos brasileiros, desponta o feijão com arroz.

Sob o ponto de vista nutricional, trata-se de uma combinação com ação complementar de um sobre o outro, unindo o “côncavo ao convexo”, ou, em linguagem mais científica, a mistura tem ação sinérgica.

Este fato está presente em grande parte dos pratos regionais típicos, começando pelo feijão com arroz, passando pela paella valenciana, arroz à grega e outros tantos.

Como se pode ver, os pratos regionais estão a merecer estudo mais aprofundado, demonstrando a tese da “programação” do homem para a seleção natural dos alimentos.

Aliás, os animais em geral detêm esta qualificação ou habilitação, comprovada nos irracionais, que buscam, quando enfermos, algum vegetal específico à sua cura.

A complementaridade dos constituintes, em cada prato típico, pode ser exemplificada com um componente em particular: a proteína; por isso, segue um breve resumo sobre o tema.

FUNÇÃO DA PROTEÍNA

A função precípua da ingestão de proteína é de promover a formação e a reconstituição dos tecidos no organismo, conhecida como função plástica. Já na condição de constituinte dos compostos naturais denominados enzimas, exerce função altamente especializada, a exemplo de dar maior aproveitamento aos alimentos. Em hierarquia de menor importância, aparece uma terceira função, como supridora de energia, em forma de aporte calórico ao organismo, ocorrendo esta ação na ausência ou baixa concentração de carboidratos e gorduras, os principais responsáveis pela energia no organismo.

Estruturalmente, as proteínas são formadas por aminoácidos. Estes dividem-se em duas categorias funcionais, com destaque para os aminoácidos essenciais, caracterizados por não serem sintetizados pelo organismo humano, sendo necessária a sua ingestão direta.

Recordando, jocosamente, que os Três Mosqueteiros eram quatro, reportando aos aminoácidos essenciais pode-se dizer que os oito são nove! A razão é que um deles faz-se necessário tão somente em etapa inicial da vida.

COMPLEMENTARIDADE DOS AMINOÁCIDOS

As proteínas animais têm, em geral, valor biológico mais alto do que as de origem vegetal, ou seja, são mais efetivas na formação e reconstituição dos tecidos.

A razão principal do menor valor das proteínas vegetais é a presença de algum aminoácido essencial em proporção menor do que a desejável. Este leva o nome de aminoácido limitante, sendo o percentual faltante a medida do deságio da ação protéica no organismo humano. A fonte de proteína considerada cientificamente como a mais efetiva e equilibrada é a do ovo, tida como um dos padrões de referência para as comparações entre os diversos alimentos.

Com base nas carências de cada alimento, os praticantes da macrobiótica ou de regimes vegetarianos procuram usar racionalmente os alimentos, de modo a favorecer uma ação complementar de um alimento sobre o outro.

ARROZ E FEIJÃO

O aminoácido do qual o feijão é deficiente é a metionina, sendo o arroz carente em lisina. Aí, pois, dá-se o “côncavo e o convexo” acima sugerido, com a sobra de um complementando a carência do outro.

Em resumo, há uma ação sinérgica entre o feijão e o arroz. A ingestão dos dois, simultaneamente, produz uma ação de proteína superior à equivalente à soma dos dois se ingeridos separadamente.

Esta fundamentação é cientificamente comprovada através de experimento em biotério, onde é estudado o ganho relativo de peso, com diversas composições do alimentos em estudo. Usam-se tantos roedores quanto mamíferos. Mesmo não sendo permitido, pela ética, experiências com humanos, pode-se constatar a ação do arroz com feijão em estratos populacionais de brasileiros e mexicanos, entre outros, onde a dupla constitui-se em hábito alimentar clássico.

POVOS ANTIGOS TINHAM DOMÍNIO DESTE CONHECIMENTO

Registros históricos dão conta do conhecimento das civilizações sobre o equilíbrio balanceado das misturas de alimentos, quase a ponto de concluir-se sobre a participação desse saber como algo engastado no código genético. As manifestações desse conhecimento estão em misturas ou em alterações propositais em um mesmo alimento.
A germinação dos alimentos tem sido um meio de promover alterações positivas, a exemplo do que os orientais, como os chineses, nos seus pratos típicos à base de brotos de bambu e de feijão.

A tortilla mexicana tem como base o milho germinado, sendo seu efeito de acréscimo no valor nutricional dominado já desde os astecas.

Os egípcios, igualmente, dominavam os mistérios da germinação, a ponto do trigo encontrado na tumba de Tutankamon, trazida à luz por Lord Carter, em 1922, 3.300 anos após a morte do “faraó menino”, possuir ainda poder germinativo. Mistério das pirâmides? Não! Em primeiro lugar, Tutankamon foi enterrado no médio Egito, no Vale dos Mortos, e não em Giza, onde concentravam-se as pirâmides; em segundo, porque todos indícios são favoráveis ao domínio da ciência por aquela incrível civilização. Traçando um paralelo, pode-se supor que os faraós, através da mumificação, pensavam em “germinarem-se” mais adiante de seu tempo terreno. Sobre o jovem faraó, até agora, nada! Continua no seu sono eterno, imóvel, no museu do Cairo, mas o cereal voltou à vida!

Concluindo-se, pode ser inferido que os povos têm uma sabedoria intrínseca em selecionar seus alimentos. O “arroz com feijão nosso de cada dia” pode não ser o alimento mais charmoso do mundo, mas inegável é o seu sabor não-enjoativo, capaz de fazer parte da dieta de milhões de cidadãos em todo o mundo, diariamente.

Com esse conhecimento, espera-se mais respeito ao usar a expressão “feijão-c’arroiz” como referência a coisas simples. A dupla merece consideração!

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