Frustração histórica

 Frustração histórica

ENTREVISTA
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A Depressão Central é, sem dúvida, a região mais afetada pelos efeitos do fenômeno climático El Niño no RS. Para o engenheiro agrônomo, advogado e presidente da Câmara do Agronegócio, Comércio, Indústria e Serviços de Cachoeira do Sul (Cacisc), JERSON SANTOS, o evento já pode ser considerado a maior frustração climática da história da lavoura arrozeira no município.

Planeta Arroz – Levando em conta o período que antecedeu o plantio da lavoura de arroz em Cachoeira do Sul até as fortes chuvas registradas em dezembro, que avaliação é possível fazer sobre o comportamento do clima na safra 2015/16?
Jerson Santos – O fenômeno El Niño, com chuvas excessivas, causou prejuízos desde a fase de preparo do solo, atrasando a implantação das lavouras. No mês de outubro ocorreu a terceira maior enchente da história e no mês de dezembro a segunda maior da história no Rio Jacuí, sendo superada apenas pela famosa enchente de 1941. A primeira enchente não foi tão prejudicial porque poucas áreas haviam sido formadas, enquanto que a última enchente (de dezembro) dizimou as lavouras de arroz com uma destruição jamais vista comparando com as últimas enchentes.

Planeta Arroz – Quais foram as áreas mais afetadas?
Jerson Santos – As várzeas localizadas nas margens do Rio Jacuí, especialmente aquelas mais baixas estão entre as mais afetadas. Outras prejudicadas foram as várzeas dos afluentes dos arroios Irapuá e Santa Bárbara. Nas lavouras próximas aos rios Piquiri, Iruí e Botucaraí os prejuízos não foram muito significativos. As áreas inundadas e que ficaram submersas por um período de quatro a 12 dias totalizam aproximadamente 15 mil hectares, sendo que numa área de 5 mil hectares ocorreu a morte total de plantas. Na área remanescente, de 10 mil hectares, estima-se um prejuízo de aproximadamente 50% em função da morte de plantas, redução do stand de plantas, morte de perfilhos, redução da área foliar e destruição parcial da infraestrutura da lavoura, como canais, estradas, taipas, bueiros, drenos e redes elétricas.

Planeta Arroz – Quais os principais fatores responsáveis por um evento de tamanha magnitude?
Jerson Santos – O volume de chuvas que ocorreu em Cachoeira do Sul foi de 231,5 milímetros em setembro, 455,5 em outubro, 150,5 em novembro e 359,0 em dezembro. Este volume de chuvas, que totalizou 1.196,5 milímetros, com todos os afluentes do Rio Jacuí com a máxima vazão e ainda a abertura de todas as comportas das barragens localizadas no Alto Jacuí explicam o tamanho desta enchente. Também ficou muito claro para nós que a geração de energia nas hidrelétricas no Rio Jacuí é realizada em total desencontro com a lavoura arrozeira localizada na Depressão Central. Atrevo-me a dizer que os administradores das barragens não sabem da existência de lavouras de arroz na sequência das barragens, demonstrando o péssimo gerenciamento do fluxo de água nelas, que já respondem a ação judicial que tramita desde o ano de 1998 e, pelo visto, serão necessárias novas ações neste sentido visando corrigir e/ou minimizar os efeitos maléficos causados pelo descontrole no gerenciamento destas barragens.

Planeta Arroz – Algumas lavouras registraram perdas parciais enquanto outras tiveram perda total. Como você avalia a situação dos produtores?
Jerson Santos – Retirando os efeitos maléficos do El Niño, a safra 2015/16 apontava claramente a dificuldade da obtenção de superávit em função dos pesados aumentos nos custos de produção, especialmente em relação a fertilizantes, óleo diesel e energia elétrica. Com estes aumentos o custo de produção chegou a R$ 6 mil por hectare, sendo necessária uma produtividade de 150 sacas de arroz por hectare e um preço médio de venda de R$ 40,00 por saca. Mesmo nas áreas não afetadas por enchentes a obtenção de uma produtividade de 7.500 quilos por hectare nesta safra é muito difícil em função de chuvas excessivas, com redução da atividade fotossintética e da eficiência das adubações realizadas. A situação dos produtores, em muitos casos, é de total desespero, pois muitos não possuem seguro agrícola, possuem muitos compromissos para pagar na colheita e não terão receita, sendo obrigados a abandonarem a atividade. O produtor está desanimado e descrente em relação a algum apoio, especialmente do governo, ciente de que mais uma prorrogação de dívidas junto aos agentes financeiros não resolverá seus problemas.

Planeta Arroz – As lavouras de soja cultivadas no sistema de rotação com o arroz também foram afetadas pelo clima?
Jerson Santos – A área total com soja no município de Cachoeira do Sul nesta safra atingiu 140 mil hectares, sendo que aproximadamente 14 mil hectares são destinados à rotação com arroz irrigado. Em função de chuvas excessivas, que dificultaram a implantação destas lavouras, até a ocorrência da última enchente, uma área de aproximadamente 9 mil hectares tinha sido plantada, sendo que aproximadamente 70% da mesma foi totalmente perdida.

Planeta Arroz – Como está a situação da contratação de seguro agrícola na região?
Jerson Santos – Os agentes financeiros, nas últimas safras, por ocasião da contratação de custeio tanto para arroz irrigado como para soja, passaram a exigir a contratação de seguro agrícola. Neste contexto, aumentou bastante a contratação de seguro privado, especialmente pela subvenção federal, responsável por cobrir 50% ou 60% do valor do prêmio que é pago pelos produtores rurais. No ano passado, por cortes orçamentários, a subvenção acabou no mês de outubro de 2015, forçando os produtores a arcarem com a integralidade do prêmio, sendo que muitos cancelaram o seu seguro por falta de recursos. A cobertura, em média, é de 105 sacas por hectare de arroz irrigado e 24 sacas de soja por hectare a um custo de R$ 50,00 por hectare com subvenção federal, para Pronamp, que cobre 60% do valor do prêmio.

Planeta Arroz – Como presidente da Câmara do Agronegócio, Comércio, Indústria e Serviços de Cachoeira do Sul, já é possível avaliar o impacto das perdas na lavoura na economia do município?
Jerson Santos – Cachoeira do Sul, mesmo com um comércio forte, setor de serviços muito diversificado e também com atividade industrial, é muito dependente da atividade agropecuária, especialmente da produção de arroz e soja. Calculando um prejuízo de aproximadamente R$ 80 milhões, valor este que deixa de circular em nossa economia com a demissão de muitos funcionários no meio rural, o que será inevitável, o município sofrerá retração na sua economia, afetando todas as áreas, especialmente o comércio local. É uma lástima, mas teremos que conviver com essas dificuldades e tirar a lição que for possível.

El Niño: duas entre as três maiores enchentes da história em 2015

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