Futuro incerto
Governo intervém e gera incertezas no mercado do arroz
Não bastassem a instabilidade climática que afetou de forma trágica o Rio Grande do Sul e as safras mundiais e o recorde das cotações globais pela suspensão das exportações da Índia desde setembro de 2023, o mercado do arroz no Brasil tornou-se ainda mais imprevisível pela ação do governo brasileiro e gerou reflexos nas Américas e na Ásia.
Ao anunciar a intenção de adquirir até 1 milhão de toneladas de arroz branco (1,47 milhão de t, base casca), 2% do comércio global beneficiado, e liberar R$ 7,2 bilhões para a compra, o governo alterou a lógica de comercialização e formação de preços e gerou protestos do setor.
O argumento governamental tem sido abastecer famílias carentes das grandes cidades, garantindo arroz a preços acessíveis e, assim, evitando uma disparada do valor. O argumento foi utilizado quando, por alguns dias, colapsou a logística do Sul em maio, durante as inundações.
O pequeno varejista também seria subsidiado e comercializaria o arroz ao limite de R$ 4,00. Isso poderia forçar a cadeia produtiva a vender arroz abaixo do custo de produção para concorrer com o governo.
O governo também retirou a tarifa externa comum (TEC) de 10,8% no arroz branco e 9% no cereal em casca para importações de países extra-Mercosul. Membros do bloco são isentos. Os preços internos devem buscar referência na paridade de importação do arroz premium, branco, da Tailândia, onde a indústria comprou 120 mil t em abril.
Conjuntura excepcional
As entidades setoriais insistem que o aumento dos preços ao consumidor em maio ocorreu sob uma conjuntura excepcional, que aliou o caos logístico do Sul, gerado com a queda de pontes e interrupções das estradas, o anúncio precipitado do governo da intenção de importar arroz, as compras de pânico geradas pelo temor de que a safra tivesse perdas mais importantes pelas enchentes e a limitação do volume de compra por cliente nos supermercados.
A indústria tinha dificuldade em receber o arroz de lavouras ou silos das propriedades. Quando a água baixou, as entregas normalizaram.
Antes, um pacote de arroz de cinco quilos, Tio João, chegou a ser anunciado a R$ 54,90 em supermercado do Distrito Federal, em maio.
Os preços do arroz em casca, segundo o Cepea/Esalq-Irga, subiram 11,7% em maio, alcançando referência de R$ 119,65, ou US$ 22,86, em média. Em junho, o indicador chegou a recuar 6%, para R$ 112,36.
Intervenção do governo afeta o mercado
Ao propor a compra de 1 milhão de toneladas de arroz para distribuir abaixo do custo, o governo subverte fundamentos do mercado, que se torna imprevisível. “Pelas circunstâncias e cenário de oferta e demanda, não se justifica. Se torna, isto sim, uma maldade com um setor fragilizado, que sofre com inundações e precisa de reconstrução”, disse o economista da Federação da Agricultura do Estado do Rio Grande do Sul (Farsul), Antônio da Luz.
A posição é compartilhada pelos presidentes da Federação das Associações de Arrozeiros do Rio Grande do Sul (Federarroz), Alexandre Velho, do Sindicato da Indústria do Arroz no Estado do Rio Grande do Sul (Sindarroz-RS), Carlos Eduardo Borba Nunes, do Sindicato da Indústria do Arroz no Estado de Santa Catarina (SindArroz-SC), Walmir Rampinelli, da Federação das Cooperativas de Arroz (Fearroz), Gilnei Soares, e da Associação Brasileira da Indústria do Arroz (Abiarroz), Elton Doeller, entre outros líderes.
“O anúncio trouxe turbulência e insegurança ao setor”, afirmou Henrique Dornelles, presidente da Câmara Setorial. Alexandre Velho, da Federarroz, enfatizou que apenas o anúncio da intenção do Ministério da Agricultura já desequilibrou um mercado sensível pelas circunstâncias especiais desta temporada.
Segundo ele, o temor maior é que, além de competir com produtores e indústrias, o governo desestimule o plantio da próxima safra.
Reunião com os ministros do Desenvolvimento Agrário, Paulo Teixeira, e da Agricultura, Carlos Fávaro, resultou na suspensão temporária dos leilões. Mas os governistas jogaram para a cadeia produtiva a responsabilidade de encontrar solução que barateie o arroz ao consumidor e não gere perda da renda aos agricultores. R$ 4,00 é o preço desejado.
Desequilíbrio artificial
“O desequilíbrio artificial do mercado, cedo ou tarde, traz prejuízos”, disse Antônio da Luz. Segundo ele, mesmo o futuro de curto prazo do mercado de arroz é uma incógnita enquanto a União estiver disposta a intervir na formação dos preços.
“Para um governo que convive com o fantasma do rombo fiscal, é injustificável insistir na compra de arroz importado de qualidade inferior ao que produzimos e forçar agricultor e indústria a venderem abaixo do custo. R$ 7 bilhões resolveriam pendências de crédito e financiariam a reconstrução da agricultura gaúcha”.
Luz entende que, se o governo federal retomar o bom senso e suspender em definitivo a intenção de importar arroz subsidiado, voltam a valer as regras do mercado. “Então, o cenário será outro”, resumiu Luz.
Governo sustenta posição
O argumento inicial do governo para comprar arroz importado em altos volumes era o risco de desabastecimento por causa das perdas nas lavouras gaúchas após as inundações no Rio Grande do Sul. Com a própria Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) indicando uma safra estável e disponibilidades suficientes para abastecer o país, os políticos adotaram o discurso de controle da inflação e preços para dar acesso ao alimento básico nacional à fatia mais pobre da população nas periferias das grandes cidades.
Segundo o ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, não é intenção dos gestores da União competirem com a indústria ou prejudicar o arrozeiro, mas os próprios industriais dizem que no momento em que o governo entrar com arroz subsidiado no mercado, estará concorrendo por espaços hoje ocupados pela iniciativa privada. E isso afetará diretamente o potencial de remuneração da matéria-prima.
FIQUE DE OLHO
A Conab tentou realizar três leilões, mas o primeiro foi adiado por falta de previsão orçamentária que cobrisse a demanda de 104 mil toneladas, o segundo seria para 300 mil toneladas e negociou quase 90% da oferta, mas foi cancelado devido a suspeitas de favorecimento a pessoas ligadas ao diretor de Políticas Agrícolas do Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), Neri Geller, que foi demitido. O terceiro ofertava a sobra, que não teve interessados na segunda operação.
Quadro da discórdia
O quadro de oferta e demanda apresentado pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) gerou alívio e críticas por parte da cadeia produtiva.
Alívio, porque confirmou que o suprimento nacional é garantido com sobras nesta temporada, e críticas, porque há previsão de aumento do consumo e das importações.
“A projeção de estoque final é muito maior do que nos demais relatórios, isso com a Conab prevendo aumento dos preços”, estranhou Antônio da Luz, economista-chefe da Federação da Agricultura do Estado do Rio Grande do Sul (Farsul).
A explicação da Conab para essa decisão é de que já está considerando importações de arroz em leilões que o governo pretende realizar e uma ação de venda a preços tabelados, o que seria mais um fator a ampliar os estoques de passagem. E isso deverá reduzir o preço nos supermercados. Reduzindo o valor do pacote, a tendência seria de maior consumo.
Dois fatores
Atualmente, dois fatores estão gerando novas esperanças de estabilidade ou, pelo menos, limite de piso ao cereal na cadeia produtiva.
A primeira é que o real é a quinta moeda que mais desvalorizou no mundo em 2024, até junho, e descolou do dólar, chegando a operar perto de R$ 5,50, trazendo alguma competitividade e neutralizando fatores altistas para as exportações.
A segunda razão é que as cotações internas começaram a cair com o anúncio de leilões que não se concretizaram, mas estão mantidos no radar de Brasília.
Em junho e julho, a line up dos portos está mais ativa para o cereal e a conjunção desses fatores poderá deflagrar novas operações de exportação de arroz em casca e, com isso, neutralizar, ainda que parcialmente, eventual pressão de oferta.
QUESTÃO BÁSICA
O diretor-executivo do Sindicato da Indústria do Arroz no Estado do Rio Grande do Sul (Sindarroz/RS), Tiago Sarmento Barata, entende que em 2025 os preços do arroz, ao longo da cadeia produtiva, encontrarão resistências fortes para extrapolar altas e baixas.
“A baixa e concentrada disponibilidade de produto e câmbio firme garantirão a sustentação dos preços. A provável desvalorização no mercado externo, tendência de enfraquecimento da demanda e risco de intervenção são inibidores da alta”, observou.
O que esperar dos preços no futuro?
O futuro do mercado do arroz no Brasil, e com impactos no Mercosul e no resto do mundo, dependerá muito do comportamento do governo brasileiro. A insistir na compra de arroz para favorecer o consumidor e o pequeno varejista, o Estado brasileiro declarará guerra à cadeia produtiva, que já não morre de amores pelo partido do atual presidente, disputará mercado com as indústrias gaúchas e, também, irá gerar desestímulo para a próxima safra, cuja semeadura começa em menos de 90 dias. Mas agradará a alguns milhões de consumidores.
Com previsão do retorno de La Niña e barragens cheias para irrigar as lavouras, muitos arrozeiros deverão optar pelo cultivo da soja, que já representou 55% da área de arroz na safra 2022/23 (505 mil hectares) e só recuou pela expectativa de excesso hídrico sob El Niño nas regiões de cultivo.
Uma interferência baixista nos preços pelo governo acarretará, provavelmente, uma superfície plantada abaixo de 850 mil hectares (50 mil menos que em 2023/24) no arroz e elevação para até 650 mil hectares de soja nas terras baixas.
Mercado baixista?
O mercado internacional, a partir de setembro, tende a ser baixista. As mesmas fontes que anteciparam a decisão de suspender as exportações pela Índia agora estão ventilando a retomada das vendas internacionais pelos hindus a partir de setembro para o arroz branco longo-fino. O farelo já deverá ser liberado para embarques ao fim de julho.
Com uma safra 10 milhões de toneladas maior nesta temporada e o governo batendo recordes de compras para abastecimento e formação de estoques, o primeiro ministro Narendra Modi e seu partido vêm confirmando vitórias nas eleições gerais do país. A volta da Índia, que já representou 40% do mercado internacional do grão, irá gerar grande impacto à oferta e aos preços.
Confirmando-se a expectativa na Ásia, o mercado deverá ficar ainda mais pressionado pela oferta de uma grande safra nos Estados Unidos em 60 dias. Unindo esses dois fatores, mais a consolidação da interferência do governo brasileiro desequilibrando as relações comerciais, há o risco de, nos meses finais de 2024 e iniciais de 2025, alcançarmos cotações internacionais historicamente mais baixas do que a média dos últimos quatro anos.
Como se vê, o comportamento dos preços ao longo da cadeia produtiva é uma equação ainda mais complexa nesta temporada. A favor de um piso não tão baixo, por enquanto, temos o fator Índia, o dólar valorizado sobre o real, uma pequena janela de exportação e a resiliência e coragem desta cadeia produtiva.