Itália, terra do risotto
Autoria: GILBERTO WAGECK AMATO
Engenheiro químico, M.Sc.
Irga Centro de Excelência do arroz.
História: como sempre, os árabes
Sendo o Brasil um verdadeiro amálgama de culturas, por vezes existe no povo um sentimento de “falta de personalidade”. Deixando a falta de auto-estima de lado, é melhor classificar o país como “múltipla personalidade”. Na realidade, a cultura brasileira herdou hábitos alimentares de todas as suas vertentes. Mas isso ocorreu com diversas civilizações no curso dos tempos. No encontro de culturas, um país dominante – pela força ou pelo saber – influenciou e foi influenciado pelo dominado.
Pois com a cultura romana, criada e expandida a partir da península itálica, não foi diferente. Basta lembrar que os principais pratos italianos “não são italianos” [sic], têm origem em outras geografias:
· A pasta, originariamente feita de arroz, foi levada da China por Marco Pólo.
· Igualmente, a polenta, tendo o milho como seu componente principal, origina-se na América.
· Da mesma forma, o gnochi, tendo a batata – do altiplano andino – como constituinte.
· E até a “italianíssima” pizza chegou por Nápoles, originária da Grécia.
Com o riso (arroz) não poderia ser diferente. O cereal teria chegado à península itálica, segundo versão mais consistente, através dos iberos (espanhóis), partindo da região de Valência. À época dos grandes descobrimentos já era o principal cereal no norte italiano. A maior densidade de informações remete às proximidades de Pisa, com importantes registros do cultivo de arroz em 1468.
Risoto ou risotto
Situada no epicentro da produção e industrialização de arroz, Vercelli – cidade do interior piemontês (região de Turim) – é consagrada como capital do arroz e do risoto italiano. Hoje reúne muita tradição, condimentada com alta tecnologia, no arroz branco comum, como no parboilizado. Contextualizando no tempo e no espaço, há uma dose de impropriedade ao georreferenciar o risotto como um prato “italiano”, pois este segmento culinário surgiu muito antes da unificação italiana do século XIX.
Fica difícil identificar o “verdadeiro” risoto, pois cada região, em cada momento, vai desenvolvendo expressões culinárias diferenciadas. Hoje prato universal, de “domínio público”, são milhares de receitas.
Como ocorre com a maior parte dos pratos regionais típicos, a sabedoria popular atávica termina arquitetando alimentos que, no seu conjunto, equilibram harmoniosamente carboidratos e proteínas. Estão aí para demonstrar o arroz com feijão, o mocotó, a paella valenciana, a fabada asturiana… e o risoto! Na base da Lei de Lavoisier (na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma), uma versão dada ao risoto seria o aproveitamento de sobras de carnes, misturadas a verduras multicoloridas, em uma base de arroz cozido previamente.
Criado e desenvolvido próximo à capital mundial do design e da moda, Milão, a harmoniosa combinação de cores e matizes do risoto já dá água na boca ao simples olhar, antes mesmo de prová-lo. De lá espalha-se pelo mundo a mais tradicional versão do prato, o risotto alla milanese. Dispersando-se desde Piemonte, Lombardia e Vêneto, conquistando a Europa, rivaliza em muitos lugares na Itália com as massas.
Receita: um secredo!
Hoje a expressão culinária mais corrente de risotto remete ao uso do arroz arbóreo, carnaroli, baldo, vialone ou similar, sendo considerado sacrilégio pelos italianos o emprego do arroz agulha, da versão brasileira.
A variedade original é mais rica em amilopectina, responsável por um sabor mais adocicado, capaz de dar um corte agri-dolce ao prato, e pela capacidade de aglutinação intermediária entre as cultivares japônicas e as índicas, convencionais. Sendo o grão visualmente maior que suas irmãs americanas, a composição de seu amido é responsável pela característica sensorial de prato úmido, suculento e al dente, expressão esta consagrada em todas as línguas do mundo.
A versão milanese pode levar caldo de galinha, cebola, alho, queijo da região de Parma, vinho branco seco, açafrão. Recomenda-se refogar os condimentos no azeite (ou manteiga) antes de adicionar o arroz. Deve ser mexido com freqüência, para garantir uniformidade. O resultado final exige disciplina aos comensais que tenham a balança como adversária. Outras versões são definidas pelos molhos, como a la bolognesa, quatro queijos, ao molho branco, etc.
Há quem diga, em atenção às verdadeiras origens, que a versão caseira é feita com os “restos” disponíveis em casa no momento do preparo, com pitadas de criatividade.
Tendo circulado pelo mundo, chegou finalmente ao Brasil nas suas diversas formas. Como primeiro país ocidental na produção e consumo de arroz, o prato é motivo de predileção local. Portanto:
Bem-vindo o risoto!
Benvenuto il risotto!