Justiça Federal suspende leilão de compra de 300 mil t de arroz importado
(Por Cleiton Evandro dos Santos, AgroDados/Planeta Arroz) A Justiça Federal suspendeu liminarmente a realização, na manhã desta quinta-feira, do leilão de compra de 300 mil toneladas de arroz branco, importado, pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) para dar suporte a um programa social do governo federal de venda do grão subsidiado nas regiões metropolitanas do Sudeste, Norte e Nordeste do Brasil. A decisão foi do juiz da 4a Vara Federal de Porto Alegre, Bruno Risch Fagundes de Oliveira e aconteceu às 19h30min desta quarta-feira, pouco mais de 12 horas antes do início do pregão.
A ação que desencadeou a decisão foi movida por integrantes do Partido Novo. A liminar acata argumentos dos autores temporariamente, até que seja julgado o mérito dos processos.
Entidades setoriais comemoraram a vitória desta primeira batalha, uma vez que se posicionam contrárias à intervenção do governo no mercado com subsídios à importação de arroz. Os argumentos apresentados pela Conab e Ministério da Agricultura, que apontam perdas significativas, mas não quantificadas, na colheita do Rio Grande do Sul, em contraponto às afirmativas das entidades gaúchas que apontam safra similar à do ano passado e asseguram condições de abastecer o país sem intervenção do governo, foram rejeitados pelo magistrado em sua decisão.
O juiz também entende que diante da urgência de uma decisão, já que o leilão aconteceria amanhã pela manhã, não seria possível aguardar posicionamento do STF quanto a uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) movida pela CNA e quanto a isso, a liminar não traz prejuízos às decisões posteriores.
Na decisão, Fagundes Oliveira destaca que “toda a lógica autorizativa para atuação direta do Estado no mercado de insumos agrícolas está ligada a duas pontas: de um lado fomento à produção agrícola nacional e de outro garantia do abastecimento interno. A importação direta de produto por empresa estatal com vistas à venda no mercado interno a preços subsidiados, sem considerar a produção interna e sem a participação dos entes da sociedade produtiva, é medida extrema e excepcionalissima, que carece da demonstração de efetivo risco de desabastecimento ou elevação sustentada e extraordinária de preços. A propósito, é a excepcionalidade que permite, dentro dos limites constitucionais, a efetivação de despesa mediante uso de créditos orçamentários liberados por medida provisória”.
E prossegue: “no caso, os elementos coligidos aos autos e publicados nos próprios sites institucionais dos entes envolvidos indicam que a produção gaúcha, mesmo que, eventualmente, não venha a corresponder à previsão integral acima aventada, deve, no mínimo, assegurar, parcialmente, talvez substancialmente, a necessidade nacional de abastecimento. Conforme o último relatório da própria Conab”.
Para o títular da Vara Federal da 4a Região, “os argumentos apresentados pelos demandados, notadamente aqueles constantes da Nota Técnica da Diretoria de Politica Agricola e Informações (DIPAI) da CONAB, não encontram respaldo na origem autorizativa para as medidas excepcionais, qual seja, urgência e relevância relacionadas à calamidade pública em parte do território nacional, para atendimento às consequências derivadas de eventos climáticos no Estado do Rio Grande do Sul. Veja-se que a nota começa indicando que a produção de arroz brasileira apresenta um quadro de estagnação há seis anos e apresenta como razão central para esse quadro a substituição paulatina das lavouras de arroz pelas de soja. A Nota Técnica apresenta um comparativo na produção de arroz desta safra com a de 2020/2021, dizendo que “na safra 2020/21, o RS colheu cerca de 8,3 milhões de toneladas de arroz, um milhão a mais do que deverá colher nesta safra, essa diferença representa o volume que a Conab foi autorizada a importar”.
Enfatiza, ainda, em sua decisão, que “as razões apresentadas na Nota Técnica, como se vê, não guardam relação direta com as enchentes ocorridas em maio de 2024 no Rio Grande do Sul. A redução da produção rizicola vem acontecendo lentamente e há anos. Além disso, os dados oficiais da inflação apresentados na Nota se limitam a abril de 2024, antes das enchentes. Desse modo, a efetivação do leilão para compra de arroz importado, fundada em Portarias e Medidas Provisórias cuja motivação é exatamente o estado de calamidade ocasionado pelas enchentes, não se justifica pelas razões apresentadas pela CONAB”.
E continua: “nesse ponto, há plausibilidade nas alegações autorais, pois a Medida Provisória 1.217/24, autorizou a Companhia Nacional de Abastecimento a importar arroz beneficiado ou em casca para o enfrentamento das consequências sociais e económicas decorrentes de eventos climáticos extremos no Estado do Rio Grande do Sul. não para o enfrentamento de outras circunstâncias que já poderiam ter sido detectadas anteriormente. Chama a atenção, ao final, que a própria Nota Técnica indica que “o que desestimulou a produção de arroz foi a falta de politica de formação de estoques públicos, assegurando amparo de preço aos produtores e os preços da soja superiores ao arroz, além de maior liquidez no mercado por parte dessa oleaginosa, levando a forte queda de área no arroz”.
Em sua conclusão, Bruno Risch Fagundes de Oliveira, avalia que “em juízo preliminar, tenho que as normas impugnadas – as Portarias Interministeririas e 4 de 2024 e o Aviso de Leilão de Compra de Arroz Beneficiado Polido n. 47/2024 – partem de um pressupos ainda não comprovável, qual seja, o desabastecimento de arroz em razão da calamidade pública decretada função das enchentes no Rio Grande do Sul, o que, por si só, já afronta a teoria dos motivos determinantes.
Dispõe o art. 2º da Lei n. 4.717/65, que trata da Ação Popular:
Art. 2º São nulos os atos lesivos ao património das entidades mencionadas no artigo anterior, nos casos de:
(…)
d) inexistência dos motivos:
e) desvio de finalidade”.
Ele ressalta, porém, que “não se está a dizer que a importação de arroz pela CONAB está peremptoriamente vedada, nem que as MPs são inconstitucionais (até porque, sobre o tema, há ação pendente junto ao STF, a qual tem, à toda evidência, prevalência), mas, sim, que é prematuro agendar o leilão para o dia 06.06.24, tendo em vista a ausência de comprovação de que o mercado de arroz nacional, composto pela produção nacional e pelas importações no mercado privado, sofrerá o impacto negativo esperado pelo Governo Federal em razão das enchentes que aconteceram no Rio Grande do Sul, sobretudo quando os próprios entes estatais locais dizem o contrário”.
Para o magistrado, “não é demais ressaltar que o Estado do Rio Grande ainda sofre com os impactos diretos da enchente, o que justificaria, inclusive, dificuldade prática e precariedade, por parte dos produtores e entes locais, de manifestar adequadamente os seus pontos de vista perante os entes federais responsáveis pela importação do produto, o que justifica, ainda mais, a necessidade de suspensão do leilão, a fim de preservar a isonomia e a livre concorrência”.
E acrescenta: “Aliás, entendo pertinente que entidades representativas dos produtores de arroz possam dialogar, de forma democrática, a fim de elucidar a real capacidade produtiva e de escoamento da produção. A crise gerada pela catástrofe sem precedentes dificultou, certamente, um aprofundamento recente no tema, até por provável dificuldade de acesso às informações, por parte daqueles que, aos poucos, estão tentando reeguer os seus negócios. Portanto, não há periculum in mora a justificar a importação imediata do produto, até porque o leilão pode ser., a qualquer tempo, reagendado”.
“Ante o exposto, com fundamento no art. 5º, § 4º, da Lei n. 4.717/65, SUSPENDO LIMINARMENTE o leilão para compra de arroz beneficiado polido, objeto do Aviso de Leilão n. 47/2024 da CONAB, previsto para 06.06.2024 às 9h”, é a decisão.
O governo federal prevê, além das compras internacionais, a venda do cereal importado em embalagens de dois quilos com a logomarca da Conab, e o preço de venda definido em, no máximo, R$ 4,00 por quilo. Segundo os arrozeiros, apenas na Índia o preço é inferior a R$ 5,00, na atualidade. E este país restringiu as exportações.
Anderson Belloli, diretor jurídico da Federarroz, considera que o governo federal partiu de premissas equivocadas para a iniciativa de tentar adquirir arroz no mercado internacional. “Em primeiro lugar, por causa das chuvas de setembro a novembro, houve atraso no plantio e isso levou ao atraso na colheita, mas ainda assim quase 85% das lavouras já estavam colhidas quando começou o episódio de chuvas torrenciais e inundações nos últimos dias de abril”, explica.
Também ilustra que a demanda dos consumidores foi ampliada naquele momento pela proporção tomada nas redes sociais de que haveria perdas importantes no Estado que produz mais de 70% do arroz nacional. “De um lado, o consumidor comprava mais com medo de que os preços subissem ou faltasse produto, o que as entidades prontamente negaram. A limitação de vendas dos pacotes de arroz no varejo, aumentou esse pânico. Ao mesmo tempo, as indústrias gaúchas não conseguiam abastecer com regularidade os varejistas porque parte da malha rodoviária e da logística restaram prejudicadas pelas inundações”.
A decisão judicial, segundo parte da cadeia produtiva, também trará alívio ao governo federal. A expectativa era de baixíssima participação no leilão dos agentes na oferta de produto ao governo.