Liderança consolidada
Em março, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) surpreendeu a cadeia produtiva do arroz ao nomear o agricultor e engenheiro civil pós-graduado em Engenharia Econômica DAIRE COUTINHO NETO presidente da Câmara Setorial Nacional da Cadeia Produtiva do Arroz.
Produtor de arroz e soja há 25 anos em Camaquã, na Planície Costeira Interna, Coutinho tem intensa vida ligada à defesa dos interesses setoriais, tendo participado do Sindicato Rural de Camaquã, Associação de Usuários do Arroio Duro (AUD), Associação dos Arrozeiros de Camaquã, Federação da Agricultura do RS (Farsul) e Federação das Associações de Arrozeiros do RS (Federarroz), onde é o atual vice-presidente de mercado e política agrícola.
Além disso, é conselheiro e membro da comissão institucional do Instituto Rio Grandense do Arroz (Irga). Foi nomeado para a presidência da Câmara Setorial Nacional da Cadeia Produtiva do Arroz no Diário Oficial da União do dia 4 de março de 2016. Nesta entrevista, deixa claro seus objetivos e as ações que considera que a câmara deve tomar em defesa da orizicultura.
Planeta Arroz – Quando o senhor foi nomeado presidente da câmara setorial chegou a dizer-se surpreso pela decisão. Como foi o processo?
Daire Coutinho – A Federarroz, assim como a unanimidade dos membros da câmara, se dirigiu à ministra Kátia Abreu no intuito de solicitar a recondução do então presidente Francisco Schardong. Segundo a secretaria da câmara, por questões estatutárias, não era permitida a recondução por mais de um mandato, o que levou à decisão por parte da ministra em escolher outro representante da cadeia produtiva.
Planeta Arroz – Como produtor e dirigente muito íntimo das questões de mercado e políticas agrícolas, quais as suas prioridades frente à câmara?
Daire Coutinho – A atual crise que passa o setor produtivo, o seguro agrícola, as dificuldades em relação ao crédito (que atingem toda a cadeia produtiva), os desafios em relação à implantação da próxima safra, a necessidade de resolver as questões tributárias, os acordos fitossanitários e bilaterais para exportação e o alcance de novos mercados são prioridades. Precisamos também de um programa de incentivo ao consumo.
Planeta Arroz – A câmara setorial é órgão de aconselhamento do Mapa, sem poder administrativo ou executivo. Como ela pode destravar tantos temas relevantes e históricos para o setor?
Daire Coutinho – Promovendo discussões técnicas a respeito dos assuntos relevantes, mostrando de forma positiva as necessidades da cadeia e atuando junto aos técnicos do ministério na busca da solução e dos encaminhamentos necessários.
Planeta Arroz – Quais pontos o senhor considera vitais para uma política agrícola eficiente ao setor?
Daire Coutinho – Para a lavoura: seguro agrícola e acesso ao crédito, são muitos os produtores fora do crédito oficial. Para a indústria: solução tributária, acesso a novos mercados e programa de apoio ao consumo para mostrar as qualidades nutricionais e a importância do arroz na alimentação do brasileiro.
Planeta Arroz – A composição da câmara setorial será alterada?
Daire Coutinho – A composição obedece regras. Dentro destas normas, sempre podemos buscar abrangência máxima para uma representatividade homogênea.
Planeta Arroz – Como o senhor considera que o momento político conturbado pelo qual passa o país afeta o papel e o trabalho da câmara e mesmo a orizicultura?
Daire Coutinho – O momento político dificultava as decisões de governo. As mudanças que passam a vigorar a partir da definição do governo que agora começa trazem consigo a necessidade de enfrentamento dos problemas que vinham afetando a cadeia produtiva. O papel da câmara é como vetor para diagnosticar as necessidades. Mostrar quais caminhos devem ser adotados para alcançar a solução desses problemas é parte do trabalho que deve ser feito.
Planeta Arroz – A atual safra é marcada pelo clima adverso, perdas e prejuízos. Que orientação a Federarroz e a câmara podem dar aos agricultores que tiveram prejuízos?
Daire Coutinho – A Federarroz, a Farsul, a Fetag e a câmara têm buscado uma ação do governo em auxílio aos produtores atingidos pelo El Niño desde o ano passado. As dificuldades políticas atrapalharam as negociações. As entidades e a câmara, na reunião de 24 de maio, vão concentrar ações para, com o novo governo, buscar soluções.
A Federarroz tem orientado os produtores a solicitarem junto às instituições financeiras prazo para cumprirem com as suas obrigações e renegociação pelo “Manual de crédito rural” com o intuito de permanecerem adimplentes. Mas infelizmente a crise é grande e esses instrumentos pouco vão ajudar. É necessária uma resposta contundente, uma ação profunda de reestruturação por parte do governo federal, não só para amenizar as dificuldades, mas para que a nova safra (2016/17) não sofra uma redução significativa e gere risco ao abastecimento.
Planeta Arroz – O que esperar do mercado do arroz em 2016/17?
Daire Coutinho – Os números da Conab apresentados em maio mostram uma queda de produção que coloca o consumo anual bem acima de seu índice, portanto, pelo lado da oferta e demanda, os estoques serão durante todo ano muito ajustados. O grão precisa ser vendido por preço que cubra os altos custos de produção pelos aumentos nos insumos e as baixas produtividades. Analistas apontam melhora nos preços internacionais, as exportações brasileiras vêm se consolidando mesmo com esse cenário de câmbio não tão favorável. Os preços, mesmo em plena safra, não sofreram a pressão de anos anteriores e mostram recuperação durante a colheita. Não podemos esquecer a crise econômica que todos estamos imersos, mas as perspectivas de preços são positivas.
Planeta Arroz – O que esperar em termos de área cultivada em 2016/17?
Daire Coutinho – A redução de área talvez seja a única certeza dentro de tantas dúvidas. O setor passa por um momento de crise como nunca passou, tivemos aumentos de custos enormes e um El Ninõ que reduziu a produtividade e trouxe prejuízos irrecuperáveis a muitos produtores. A restrição no crédito é enorme, todo dia os produtores nos trazem as dificuldades que passam para obter crédito e o nível de exigências. Mesmo com preços melhores, parte dos produtores não vai melhorar os resultados porque não tem produto para vender. Se o governo perceber essas dificuldades e agir para socorrer os agricultores, ainda assim, na minha opinião, teremos redução. Corremos o risco de faltar produto em 2017.
Planeta Arroz – O setor busca sempre maior produtividade, mas o consumo brasileiro apresenta queda e a lavoura se mantém com oscilação dentro do normal ano a ano. Qual a saída para o Brasil produzir cada vez mais consumindo menos e ainda manter preços remuneradores?
Daire Coutinho – Exportação, novos mercados e um programa de consumo que mostre a importância do arroz numa alimentação saudável.
Planeta Arroz – O aumento da liberação de recursos de pré-custeio aparentemente vem sendo comemorado pelo setor. No ano passado não houve acesso a estes recursos, o crédito está mais caro e o produtor precisa mais garantias. Por qual motivo esse volume de empréstimos?
Daire Coutinho – O produtor, a cada ano faz o preparo da safra seguinte mais cedo. O ideal é ter crédito de custeio de forma tempestiva. Isso ajuda a não exercer uma oferta volumosa na safra. É também inquestionável a maior dependência por crédito que o setor apresenta, muito pela falta de remuneração em função de preços baixos. Portanto, mesmo com a maior dificuldade de acesso ao crédito, o pré-custeio tem sido um instrumento importante.
Planeta Arroz – Qual a sua opinião sobre o Plano Safra lançado em abril?
Daire Coutinho – Em relação à orizicultura, de que adianta um volume maior de recursos se temos cada vez menos arrozeiros acessando crédito oficial? De que adianta discutir taxa de juros para investimento se o resultado da lavoura não permitir investimentos? A discussão quanto ao volume de recursos disponibilizados à subvenção do seguro se o modelo de seguro não protege o produtor? Essas são as discussões que precisam ser feitas. A política agrícola não tem se traduzido em resultados positivos ao orizicultor.