Na história do arroz, o vermelho não sai de moda
Keli Souza da Silva
Doutora em agronomia, pesquisadora em herbologia, editora do site WeedOut e professora na UNIDEAU.
O ano era 2000, e embora o temido bug do milênio não tenha se confirmado, temores bem mais palpáveis, preocupavam os produtores de arroz. A pane geral em sistemas e serviços não veio com a virada de 99 para 00, mas o arroz vermelho, que mais tarde passou a ser denominado como arroz daninho, já era figurinha carimbada nas lavouras arrozeiras do sul do Brasil, como reporta a primeira edição da Planeta Arroz, então um caderno especial sobre “O grão universal”.
Até quatro grãos por quilo de semente, essa era a tolerância da época para sementes fiscalizadas. Com uma densidade de 200 kg ha-1, aproximadamente 800 novas sementes de arroz daninho eram incorporadas ao solo a cada nova semeadura. Isso, sem contabilizar as produzidas in loco. Diante de tantos avanços nos últimos anos, uma das medidas mais significativas para o manejo de plantas daninhas na cultura, quem diria, foi um método legislativo de controle: normativas que estabeleceram padrões mais rígidos para qualidade das sementes.
Vinte anos se passaram, e a biotecnologia, apontada pela estreante edição como o futuro da lavoura de arroz, é presente, materializada em diversas ferramentas. Mas, a solução para a epidemia de grãos vermelhos, não veio exatamente da inserção de genes de bactérias resistentes a herbicidas. Uma mutação no DNA do próprio arroz consolidou-se como uma das tecnologias mais rápida e amplamente adotada pela lavoura arrozeira. O arroz ClearField® trouxe fôlego para o manejo, viabilizando o tão esperado controle seletivo de arroz daninho, além é claro, de popularizar o termo “mutagênico”.
A importância da problemática e o sucesso da tecnologia são ratificados pelos números: após a inserção da IRGA 422 CL na safra 2002/03, a produtividade, a muito estacionada nos 5,5 saltou para além dos 7 mil kg ha-1. Fruto apenas do controle de arroz vermelho? Não somente. Práticas como a adubação nitrogenada antes da irrigação, antecipação da inundação, sistemas de cultivo mínimo e de sementes pré-germinadas também merecem destaque e contribuem para o manejo de plantas daninhas. No entanto, apesar dos esforços, a rotação de culturas ainda é um gargalo para o ambiente de terras baixas. Além disso, saltamos de três para dez relatos de resistência a herbicidas associados à cultura, colocando capim-arroz e ciperáceas no páreo com o arroz daninho.
Mas, diante desse cenário, o que esperar do futuro do manejo de plantas daninhas em arroz irrigado?
Um movimento já existente, de retorno de velhos conhecidos em novas formulações e posicionamentos, intensificará o mercado de herbicidas. Em longo prazo, a aposta vem dos biológicos, de produtos inspirados em mecanismos de defesa das próprias plantas. A ciência dos dados facilitará, cada vez mais, a aplicação dos conhecimentos de biologia e ecologia de plantas daninhas, enquanto a internet, sem precedentes, terá seu papel no acesso à informação, na tomada de decisão e na automação do manejo. Aliás, protótipos de robôs “marrecos”, para o controle de arroz daninho já são bem populares. Mas, tudo tem um custo, palavrinha essa, que os orizicultores conhecem muito bem!