No microscópio
USP analisa características
químicas e nutricionais
de vários tipos de arroz
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Principal fonte de energia para mais da metade da população mundial, o arroz é alvo de uma série de pesquisas dedicadas ao desenvolvimento de novas variedades e à caracterização dos componentes nutricionais e químicos do grão. Tanto interesse em desvendá-lo tem justificativa. Segundo a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO, na sigla em inglês), o consumo médio anual de arroz é de 40 quilos por pessoa. No Brasil, essa média varia entre 40 e 60 quilos por habitante ao ano.
Apesar de ser a preferida da população, a versão branca é a que oferece a menor quantidade de benefícios para a saúde humana. Como alternativa, começam a ganhar destaque variedades mais nutritivas que carregam compostos ricos em antioxidantes – capazes de combater o envelhecimento precoce – que auxiliam o organismo no combate aos radicais livres, reduzindo o risco de desenvolvimento de doenças crônicas.
“O arroz branco polido praticamente se resume aos carboidratos, tendo ainda 6% de proteína. Além de serem integrais e oferecerem maiores teores de proteína de qualidade e fibra do tipo insolúvel, as versões vermelha e preta também são ricas em compostos fenólicos”, explica Isabel Louro Massaretto, farmacêutica-bioquímica, autora de pesquisa de doutorado na Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo (USP) voltada para a caracterização química e nutricional das variedades do grão.
Em relação ao integral branco (que, na realidade, tem tom meio amarronzado), o arroz preto tem oito vezes mais compostos fenólicos, com destaque para as antocianinas, que, além da função antioxidante, podem estar relacionadas à capacidade de auxiliar no controle de doenças inflamatórias.
Já a versão vermelha totaliza seis vezes mais compostos fenólicos que o integral branco. A predominância, neste caso, fica por conta das protoantocianidinas, que podem diminuir o risco de desenvolvimento de alguns tipos de câncer, entre eles o de intestino. “Todos os integrais têm compostos fenólicos, mas as variedades coloridas têm muito mais”, reconhece Isabel.
INTEGRAL
Assim como nas colorações vermelha e preta, na forma branca integral é possível encontrar o gama orizanol – que pode estar ligado à redução do colesterol plasmático e à proteção cardiovascular – e os tocóis, homólogos da vitamina E, que são antioxidantes e podem ter reflexos na redução do risco de alguns tumores. Somente o arroz branco polido perde essas características, justamente por causa das etapas de processamento pelas quais o grão é submetido antes de chegar à prateleira. “É no farelo, presente no arroz integral, que estão lipídeos, minerais, vitaminas, fibra alimentar e proteínas, bem como os compostos fenólicos, que atribuem cor vermelha ou preta aos grãos coloridos”, explica Isabel.
O processo de polimento do arroz branco consiste, justamente, na remoção desse farelo, a parte mais nutritiva do grão. “É um processo abrasivo, realizado em indústrias de beneficiamento de arroz, para eliminação das camadas externas dos grãos”, detalha a pesquisadora. Quando o farelo é preservado, o arroz é classificado como integral e, de acordo com os componentes presentes no pericarpo (uma das camadas do farelo) pode ganhar coloração vermelha ou preta.
“Em termos nutricionais, todos os integrais são muito parecidos, quer seja branco, preto ou vermelho. O que diferencia esses dois últimos é justamente a presença de determinados compostos fenólicos associados à cor”, reconhece a farmacêutica-bioquímica. Não é por acaso que, em relação ao branco tradicional, as opções vermelha e preta têm 15% mais proteínas e 2,5 vezes mais fibras.
QUESTÃO BÁSICA
Grãos mais alongados e finos do arroz também demonstraram diferenças na composição de nutrientes. “Os grãos mais alongados têm maior proporção de farelo e, portanto, são mais ricos em proteínas, lipídeos e fibra alimentar”, avalia Isabel. O próximo passo agora é encontrar formas de processamento dos grãos para serem inseridos no mercado. Como o arroz não tem glúten, os tipos coloridos do grão podem representar um potencial na produção de produtos diferenciados à base de arroz, aumentando a diversidade de alimentos também para as pessoas intolerantes ao composto derivado do trigo. Poderia ser usado, inclusive, para produção de cereal matinal e farinha para preparo de bolos”, vislumbra Isabel Louro Massaretto, farmacêutica-bioquímica autora de pesquisa de doutorado na Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo (USP).
Investimento em melhoria de cultivares
É de Santa Catarina que vêm as variedades de arroz vermelho e preto utilizadas na pesquisa conduzida na Universidade de São Paulo (USP). Há 38 anos dedicada a estudos sobre o grão, a estação experimental de Itajaí (SC), da Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina (Epagri), percebeu o interesse da população em alimentos com melhor qualidade nutricional e se dedicou a atender a demanda. “Mais recentemente, iniciamos os trabalhos com as linhas dos tipos especiais e desenvolvemos as variedades vermelha e preta”, afirma José Alberto Noldin, pesquisador da área de arroz e gerente da estação experimental de Itajaí.
Vale lembrar que versões de arroz com essas colorações já eram cultivadas. O que os pesquisadores do Sul fizeram foi aumentar o potencial produtivo das cultivares e atender características agronômicas que justifiquem o plantio em larga escala. “Nas áreas onde há arroz irrigado, fatalmente o vermelho está presente. Mas ele se torna um problema para o agricultor, porque, além de produzir pouco, ele debulha facilmente”, reconhece Noldin. A versão desenvolvida em Itajaí eliminou essas variáveis indesejadas. No caso do preto, foi realizado o melhoramento genético de uma variedade trazida da Europa que garante maior produtividade para os agricultores brasileiros.
Para criar um novo tipo de arroz, as pesquisas levam, em média, de 10 a 12 anos. “Começamos os estudos no final da década de 1990. Conseguimos disponibilizar as sementes para os produtores em 2013 e agora o produto está prestes a entrar no mercado”, antecipa José Alberto Noldin. Será colhida, em breve, a primeira safra do arroz vermelho e do preto. Ainda na linha dos especiais, a Epagri já investe em pesquisas para desenvolver uma cultivar nacional de arroz do tipo risoto, atualmente importado. “O material está bem avançado. Em, no máximo, três anos, vamos ter condições de disponibilizar as sementes para o mercado”, antecipa o pesquisador.
Paula Takahashi/USP