O cultivo do arroz
José Lutzenberger
Maio de 2000
"Este artigo marca os cinco anos da Planeta Arroz. É atualíssimo, mesmo cinco anos após a morte do ecologista"
Pessoalmente, desde minha infância e juventude, sempre tive um relacionamento espiritual com a natureza. Por isso, lavouras de arroz que conheci, sempre me fascinaram.
Naquela época a orgia dos agrotóxicos não era sequer imaginável. As lavouras ainda eram bem menores, taipas eram feitas a pá por peões e a colheita era manual, a foice, por grupos de trabalhadores migrantes. As trilhadeiras eram estacionárias. Muita água era puxada a locomóvel – máquinas a vapor que queimavam lenha. Ainda na segunda metade dos anos 40, como estudante de Agronomia, trabalhava em lavouras de arroz, como agrimensor, a serviço do Banco do Brasil. Conheci e me extasiava a fantástica fauna avícola palustre – desde a jaçanã, maçarico (íbis), marrecos, mergulhões, até as garças, colhereiros, joão-grande, tajã e outros, mais os répteis, anfíbios e peixes, assim como insetos como a simpática libélula e infinidade de outros seres fascinantes, incluindo toda uma flora de grande diversidade e beleza.
Não podia imaginar o que passei a ver quando, após 15 anos no exterior, voltei ao Rio Grande do Sul, em janeiro de 1971. As aves aquáticas estavam dizimadas. Os venenos reinavam na agricultura, inclusive nas lavouras de arroz. Conheci fazendeiros que, antes das aplicações, convidavam caçadores para que matassem o que pudessem, porque o veneno mataria de qualquer jeito.
LUTA – Foi por isso, por desespero, que iniciei a luta ambiental que até hoje me prende, estou com 73 anos. Tenho hoje a grande satisfação, uma das maiores de minha vida, de ver essa fauna quase totalmente recuperada. Os venenos no arroz estão limitados a alguns herbicidas que, espero, desaparecerão em breve.
A lavoura de arroz é um banhado artificial. Juntamente com os açudes que ela requer, constitui um importante enriquecimento da paisagem do pampa. Problemas começam a surgir com os métodos agressivos da agricultura moderna, especialmente com os agrotóxicos, mas temos lindos exemplos de como evitá-los com os métodos de agricultura regenerativa, entre eles o plantio pré-germinado, o uso de herbicidas até diminuindo. Muito graves também têm sido e continuam sendo os problemas ecológicos resultantes da dragagem destrutiva de banhados naturais. Graves também são os problemas que têm sua origem em fatores sociais e políticos. Em sua maioria, as lavouras de arroz são feitas por arrendatários. Estes, sem esperança econômica e sem garantia de poder voltar a plantar no mesmo lugar, não vêem interesse em trabalhar para manter a fertilidade do solo.
O plantio de arroz costuma ser feito no mesmo solo a cada três ou quatro anos. O solo não é, então, cultivado entre os plantios e volta a ser pasto para o gado. Com o uso de herbicidas, o pasto degrada, a produtividade primária decai. Prejuízo para o fazendeiro, dono da terra.
ROTAÇÃO – Em rotação com cultivos de inverno, será perfeitamente possível plantar arroz todos os anos no mesmo solo e manter alta a produtividade.
Assim como a maioria domina bem a técnica de irrigar suas lavouras para o plantio, poderia igualmente drená-las bem no inverno e plantar feno para o gado que, em geral, carece então de alimento. Poderiam ser semeadas consorciações de azevém, aveia e leguminosas. O proveito seria múltiplo: preservação e melhora da fertilidade do solo, produção adicional de feno para animais e com o plantio todos os anos, poderia aumentar consideravelmente a produção de arroz, sem falar na vantagem ecológica.
Para que isto acontecesse, seria desejável que o próprio dono da terra plantasse ou que os contratos de arrendamento dessem mais segurança ao plantador.
A economicidade e sustentabilidade do cultivo do arroz poderia ainda ganhar com o aproveitamento de algo que hoje quase sempre é tratado como lixo. Para uma política energética racional, ele seria excelente fonte de energia de biomassa, com aproveitamento inclusive da cinza que hoje é desperdiçada nos poucos casos em que a casca de arroz é usada como combustível em secadores.
Falta também uma decente política de preços que permita ao lavoureiro trabalhar com tranqüilidade, sem ver, como acontece, o preço cair no momento da colheita devido às importações especulativas.