O maior desafio do arroz são as mudanças climáticas
Ya-Jane Wang é uma das principais pesquisadores em processos químicos e industriais do arroz nos Estados Unidos e atua na Universidade do Arkansas. Vencedora de um prêmio em pesquisa, integra projeto de cooperação científica até o fim de novembro no laboratório de qualidade de grãos da Ufpel, em Pelotas. Nesta entrevista, fala de cenários, tecnologias e da qualidade nos processos de produção e beneficiamento do arroz brasileiro e mundial.
Planeta Arroz – A senhora é uma autoridade em processos químicos e industriais do arroz no mundo. Poderia resumir seu currículo?
Ya-Jane Wang – “Me graduei em Química Agrícola pela Universidade Nacional de Taiwan, fiz mestrado em Ciência dos Alimentos da Universidade de Minnesota, em Twin Cities, e tenho Ph.D. em Ciência de Alimentos pela Universidade Estadual de Iowa. Trabalhei na indústria como química de carboidratos por mais de cinco anos antes de ingressar na Universidade de Arkansas, em Fayetteville, onde integro o corpo docente e atuo na pesquisa em química de carboidratos”.
Planeta Arroz – O grande estado arrozeiro dos EUA?
Ya-Jane Wang – “Sim, o Arkansas responde por 50% da produção de arroz do país. Trabalho em pesquisas nas áreas de componentes químicos em relação à qualidade e aplicações do cereal desde que ingressei no Departamento de Ciência dos Alimentos, em 1999. Fui autora ou coautora de mais de 120 publicações arbitradas, obtive cinco patentes, atuei como investigadora principal em quatro projetos subsidiados do Usda-Nifa, bem como outros subsídios e contratos com empresas de alimentos no valor de mais de US$ 3 milhões”.
Planeta Arroz – O que a senhora veio fazer no Brasil?
Ya-Jane Wang – “Minha visita à Ufpel e ao Brasil é patrocinada pela Fulbright U.S. Prêmio Acadêmico para conduzir ensino e pesquisas em arroz. Aqui, trabalho com o doutor Nathan Vanier e seus colegas da Universidade Federal de Pelotas, de agosto a novembro de 2022, em projetos de cooperação sobre qualidade do arroz”.
Planeta Arroz – Como vê a relevância desse grão no mundo?
Ya-Jane Wang – “O arroz é um dos alimentos básicos mais importantes do mundo. Uma população em crescimento e em mudança demográfica com aumento de renda espera arroz de alta qualidade. Ao mesmo tempo, há grandes desafios para a produção. Este projeto visa aumentar a colaboração internacional com o Brasil, o país produtor de arroz mais importante, ao lado dos EUA e países da Ásia, como Índia e Tailândia, a fim de facilitar o desenvolvimento de novas cultivares com melhor rendimento e características de qualidade desejadas para os mercados interno e de exportação. Esta viagem busca promover o intercâmbio cultural e facilitar o entendimento mútuo entre as cadeias produtivas destes países”.
Planeta Arroz – De que estudos a senhora participa na Ufpel?
Ya-Jane Wang – “Auxiliei nos estudos da produção de arroz de cozimento rápido, avaliação dos efeitos de diferentes métodos de cozimento nas propriedades tecnológicas e nutricionais do arroz e desenvolvimento de métodos para o envelhecimento do arroz e melhoria da qualidade do cozimento para cultivares brasileiros”.
Planeta Arroz – Quais os grandes desafios que o arroz enfrenta?
Ya-Jane Wang – “A mudança climática é o maior. Seus impactos na produção de arroz resultam de variações nas chuvas e na temperatura, que levam à escassez de água, inundações e aumento de insetos e pragas, doenças e ervas daninhas. Por exemplo, este ano, a colheita de arroz na Califórnia será de cerca de 50% daquela obtida em 2021 devido à escassez de água. O estado responde por cerca de 20% do arroz dos EUA e é o principal exportador de grãos médios e curtos para a Ásia e fornece grande parte do arroz para sushi consumido nos EUA. Além disso, a produção de arroz irrigado é um dos principais contribuintes para a emissão global de metano, um poderoso gás de efeito estufa e o principal contribuinte para a formação de ozônio troposférico. Portanto, há urgência de desenvolver variedades e tecnologias de produção mais resistentes ao clima e combater essas mudanças e seus efeitos”.
“O arroz gaúcho tem alta qualidade”
Planeta Arroz – E quais são as tendências em tecnologia voltadas para esse fim?
Ya-Jane Wang – “O Irri (International Rice Research Institute) tem trabalhado em pesquisas avaliando a natureza interativa da produção de arroz e mudanças climáticas desde o início dos anos 1990, incluindo adaptação e mitigação em sistemas arrozeiros. A pesquisa de adaptação visa desenvolver plantas e sistemas de manejo de culturas que possam lidar melhor com temperaturas mais altas e extremos climáticos agravantes. Os estudos de mitigação se concentram na redução da pegada de carbono do arroz irrigado, como gerenciamento de palha e tecnologias de economia de água. Recentemente, o Departamento de Agricultura dos EUA (Usda) concedeu um projeto de cinco anos e US$ 80 milhões da Iniciativa de Agricultura Inteligente para o Clima, destinado a reduzir as emissões de gases de efeito estufa associadas ao arroz. Os seis estados produtores colaborarão na coleta de dados que ajudem a entender como fazer mudanças efetivas nos sistemas sob diferentes condições de manejo, solo e clima”.
Planeta Arroz – Mercados das Américas, África e do Oriente Médio destacam o arroz brasileiro como um dos melhores do mundo. A senhora concorda?
Ya-Jane Wang – “Combinados, os países da América Latina são o segundo maior mercado de exportação de arroz para os EUA. Mudanças na preferência do consumidor e na qualidade das variedades dos EUA fizeram o seu grão perder espaço. O arroz brasileiro não só possui propriedades físicas elevadas, como aparência, cor e dimensão, mas também possui características de cozimento superiores devido às propriedades químicas de alta amilose e baixa temperatura de gelatinização. O grão longo dos Estados Unidos cozinha com textura mais pegajosa do que os consumidores latino-americanos preferem”.
Planeta Arroz – O que a senhora destaca na qualidade do arroz gaúcho?
Ya-Jane Wang – “As qualidades do arroz incluem aspectos de beneficiamento, aparência, cozimento, alimentação e nutrição. O arroz produzido no Rio Grande do Sul possui alta qualidade industrial, boa aparência translúcida, com pouco grãos calcários, fácil cozimento, não pegajoso, boa textura e sabor”.
Planeta Arroz – O que a senhora destacaria sobre o nível de conhecimento, processos e tecnologias das indústrias brasileiras?
Ya-Jane Wang – “Estou muito impressionada com o nível das instalações que visitei, que validam a qualidade superior do arroz brasileiro e o sucesso no mercado de exportação”.
Planeta Arroz – A senhora e seus colegas desenvolveram um processo de parboilização que reduz o consumo de água em 75%. Esse processo virá ao Brasil?
Ya-Jane Wang – “A parboilização de água limitada que meu grupo desenvolveu é dirigida a países africanos, onde o arroz parboilizado é produzido em pequena escala. O processo não é patenteado e, portanto, está disponível. Requer modificações para ser adaptado à produção comercial, no entanto, apresenta uma forma mais sustentável de parboilizar e fortificar o grão. Com o nível de conhecimento e tecnologias, a indústria brasileira poderia ser a líder mundial na comercialização desse processo”.
“A mudança climática é o maior desafio do arroz atualmente”
Planeta Arroz – Como avalia a parboilização no Brasil e o nível das pesquisas na área que encontrou na Ufpel?
Ya-Jane Wang – “O nível de pesquisa do processo de parboilização no Brasil é mais intenso e avançado do que nos EUA devido às exigências de alta qualidade do arroz de mesa dos consumidores brasileiros”.
Planeta Arroz – A senhora conhecia o Brasil arrozeiro?
Ya-Jane Wang – “É a primeira vez que visito o Brasil e sua indústria de arroz. Nada sabia sobre a produção arrozeira daqui antes de vir. Estou impressionada com o nível de conhecimento e tecnologias da indústria brasileira, principalmente a automação. Portanto, espero poder colaborar com a tecnologia de automação na indústrias de arroz dos Estados Unidos. Percebo um profundo sentimento de amor, orgulho e abertura das pessoas com quem interajo na indústria brasileira. Admiro a sua dedicação e a sua paixão”.