O novo cenário das terras baixas e o manejo de doenças do arroz irrigado no Rio Grande do Sul
Os quatro milhões de hectares de terras baixas da metade sul do Rio Grande do Sul vêm passando por enormes transformações nas últimas décadas. A primeira grande mudança foi o salto produtivo da lavoura arrozeira. O uso de cultivares com elevada resposta à aplicação de adubação nitrogenada e outras tecnologias, como o controle eficiente de plantas daninhas, a antecipação do período de semeadura, a melhoria nos sistemas de irrigação e a drenagem, duplicaram a produtividade média do arroz irrigado nos últimos 40 anos. O aumento da produção exigiu uma readequação do sistema produtivo tendo em vista que os excedentes não foram acompanhados por preços compensadores.
Em busca de alternativas, uma segunda e ainda maior transformação vem ocorrendo: a intensificação do uso e a diversificação dos cultivos nas terras baixas. O monocultivo orizícola, ou sua rotação com campo nativo, foi substituído por um sistema de produção integrada que resulta em mais renda aos produtores, além de benefícios à cultura do arroz devido à melhoria das características físicas, químicas e biológicas dos solos.
Para a sucessão da lavoura arrozeira durante o inverno, foram introduzidos, principalmente, o azevém e, mais recentemente, o trigo. A rotação do arroz com a soja ocupou uma área de mais de 500 mil hectares na safra 2022/23, ultrapassando a metade da área colhida de arroz (824 mil hectares). E já foram cultivados 12 mil hectares de milho nas terras baixas.
Entretanto, apesar dos amplos benefícios, essas duas transformações trazem desafios como o aumento da ocorrência de doenças causadas por patógenos com múltiplos hospedeiros. Algumas doenças que aconteciam de modo epidêmico, ou até esporádico, passaram a ser endêmicas.
Inicialmente, as perdas de produtividade e de qualidade de grãos foram parcialmente compensadas por estratégias isoladas de manejo cultural, uso de cultivares resistentes ou fungicidas. O caso mais importante é o da brusone do arroz causada por pyricularia oryzae, que também é um patógeno do azevém e do trigo.
As cultivares de arroz inicialmente resistentes à brusone não conseguiram manter um controle duradouro da população diversa do patógeno. Um exemplo notável desse problema foi a cultivar Irga 424 RI, que, devido ao seu uso continuado e em larga escala (alcançou 54% na safra 2022/23), perdeu seu amplo espectro de resistência.
Outras doenças também preocupam. Uma dessas doenças é a giberela, causada por fusarium graminearum, importante nas culturas de trigo, azevém e milho. No arroz irrigado, a giberela é uma doença que passa quase despercebida, mas, com
a introdução das novas culturas, pode representar uma grave ameaça devido à produção de micotoxinas.
A rotação do arroz com a soja também apresenta desafios, como o caso da queima das bainhas causada por rhizoctonia solani, um patógeno de solo de difícil controle. Por fim, o aumento da ocorrência de falso carvão (ustilaginoidea virens)
e o nematoide das galhas (meloidogyne graminicola) também vem sendo observado.
A rotação e sucessão de culturas, estratégias indispensáveis para o manejo adequado de doenças, apresentam limitações diante de patógenos adaptáveis a distintos cultivos.
Portanto, as estratégias usadas para o controle de doenças no monocultivo de arroz irrigado necessitam ser repensadas.
O melhoramento genético é um ponto de partida essencial. O lançamento e utilização de cultivares suscetíveis à brusone, mesmo diante de outros caracteres vantajosos, não é admissível.
Um planejamento de alternância temporal e espacial de cultivares contendo diferentes genes de resistência deveria ser observado. A seleção de novas cultivares de arroz sob condições severas de brusone é fundamental e melhor ainda seria se esses locais pudessem servir para a seleção de cultivares resistentes de trigo e azevém. As épocas de semeadura deveriam ser ajustadas de modo que os períodos mais sensíveis não coincidam com a maior pressão da doença nessas três culturas.
O manejo dos resíduos culturais na superfície é uma fonte de inóculo importante para a brusone, giberela e o falso carvão e o número de ovos para os nematoides das galhas. Plantas de cobertura, produtos biológicos ou indutores de resistência, como
o silício, poderiam ser uma solução. O uso do nitrogênio também necessita ser repensado para o arroz, pois a dose recomendada para altas produtividades não é a mais adequada para o controle de doenças.
O novo cenário de produção orizícola é muito mais complexo, e a adoção de práticas isoladas de controle de doenças é insuficiente.
É necessário que novas tecnologias sejam avaliadas em estudos interdisciplinares pelas instituições de pesquisa e extensão. As tecnologias mais sustentáveis devem ser convergentes, melhorando o sistema completo, sem isso, os ganhos devido a
uma nova tecnologia podem resultar em perdas logo adiante. A ferrugem asiática da soja e o enfezamento do milho são exemplos recentes de como o planejamento inadequado pode trazer perdas importantes e elevar os custos de controle de doenças. A decisão final cabe aos novos produtores multissafras.
DR. MARCELO GRAVINA DE MORAES
PROFESSOR APOSENTADO DA UFRGS
ENGENHEIRO AGRÔNOMO, CONSULTOR
SOBRE DOENÇAS