Para que lado aponta a bússola em 2011?

Autoria: Gilberto Wageck Amato – Eng. Químico, Magister Scientiae, amatogw@hotmail.com.

A inovação tecnológica pauta o estabelecimento de regras de qualidade ou estas são pautadas pelas regras oficiais?
Após 22 anos de permanência da portaria reguladora do arroz, três regras surgidas no espaço de 13 meses fazem oscilar ponteiro pelos nortes da confusão. Resultado: as novas regulamentações na classificação do arroz, ao se afastarem do que é praticado nos negócios, correm o risco de serem indutoras do atraso.

Einsten e a bússola 

Nos primeiros anos do colégio, Albert Einsten (1879-1955) foi perguntado pela professora sobre qual a direção que aponta a bússola. Respondeu dizendo ser mais importante saber o porquê dela apontar para o norte. Consta que o fato lhe valeu uma reguada de advertência, custo barato se comparado com seu legado à ciência, reformulando-a. O fato da infância teria perseguido o pequeno Albert pelo resto da vida, motivando-o a buscar o as causas para os efeitos observados. 

Isso divide as ações na área do desenvolvimento tecnológico entre as meras repetições de aplicação de uma técnica e a inovação propulsionada pela busca da razão pelas quais as coisas acontecem.

Arroz: o cereal de personalidade própria 

No 4º Simpósio Sul-brasileiro de Qualidade de Arroz (Pelotas, UFPel, 8-10/12/2010) proferiu-se palestra sobre a importância das regras oficiais de classificação no avanço tecnológico na qualidade do arroz no Brasil. 

Analisou-se que a tecnologia da industrialização do arroz tem crescido na esteira do desenvolvimento dos cereais em geral. Mas a característica quase ímpar de ser apresentado ao consumidor na forma de grãos inteiros o diferencia e personaliza, exigindo caminhos tecnológicos próprios. Sob este aspecto vale lembrar que os cereais, regra geral, têm seu uso em forma moída. O ato de moer constitui-se em denominador comum entre eles. Tanto que os europeus, pautados pelo trigo como cereal básico, referem-se à palavra “engenho” como moinho: molino, moulin, mill, mühle, etc. 

Como é sabido, estas expressões são completamente inadequadas para descrever procedimentos e conjunto de equipamentos de beneficiamento do arroz. Como resultado, boa parte do conhecimento sobre o processamento dos demais grãos é pouca utilidade para o caso do arroz. A semântica está a evidenciar os diferentes caminhos na aplicação da tecnologia. Surge aí um problema que passa despercebido: ao “pasteurizar” regras para tipificação dos cereais o arroz deixa de ser visto como deveria.

Caminhos da tecnologia do arroz no Brasil 

O Brasil, não obstante ser composto por um amálgama de raças, é de cultura europeia, onde o cereal básico é o trigo. Porém, os solos e climas locais, entre outros fatores, elegem o arroz como a principal fonte de carboidratos, pautando hábitos alimentares. Isso tem exigido “personalidade própria” para o desenvolvimento tecnológico. Inclusive criou a necessidade de esforços isolados para manter-se competitivo, decorrente de ser o primeiro país fora do continente asiático na produção de arroz com poucos parceiros para um desenvolvimento sinérgico. Em resumo, o setor arrozeiro “além da porteira” encontra-se parcialmente isolado, necessitando trilhar caminhos próprios para desenvolver-se. Como ponto positivo teve que valer-se da criatividade – atributo inato ao povo brasileiro – para sobreviver, gerando importantes inovações tecnológicas. 

Os esforços têm sido promissores, a exemplo da boa resposta na demanda internacional, especialmente para o parboilizado. A aceitação pela qualidade do parboilizado nacional já é um fato, faltando tão-somente uma adequação no câmbio para ocupar o merecido espaço no comércio internacional.

As regras de classificação têm ajudado o desenvolvimento? 

A classificação oficial do arroz, como tudo na vida, é cheia de virtudes e defeitos, de “tapas e beijos”.
As regras sobre a qualidade do arroz nacional sofrem a imposição de dois conjuntos de variáveis que se contrapõem: as citadas idiossincrasias locais versus as imposições do mundo globalizado. O Mapa apregoa a aproximação do que é praticado no mercado interno e internacional.
Para uma análise mais objetiva, o assunto merece ser contextualizado nas variáveis tempo, espaço e mercado. Vencidas duas décadas desde a implantação do regulamento anterior, a Portaria 269/1988, o arroz que chega ao consumidor brasileiro passa a ter novos referenciais para avaliação de sua qualidade. As tentativas oficiais em equacionar o confronto de interesses internos – não obstante a maior parte deles serem procedentes – geraram a confusão da coexistência em pouco mais de um ano de três regras do jogo.

Mudanças na legislação durante a comercialização 

Em março de 2010 surge a Instrução Normativa 06/2009, do Mapa, que é substituída por uma instrução temporária, a IN 12/2010. Em março de 2011 volta a IN 06 [sic].

Buscando cumprir a função de propulsionar a inovação e o desenvolvimento tecnológico, a regulamentação encontra-se com um dilema: se branda, concentra falsamente toda a produção em “tipo 1”, resultando no distanciamento entre a qualidade legal e aquela praticada nas negociações de compra-venda; se drástica e excessivamente exigente, resulta em produtos disponibilizados nas prateleiras rotulados como sendo de baixa qualidade, depreciando preços. Em ambos os casos descolam da qualidade intrínseca, verdadeira, aquela percebida pelo consumidor. Outra consequência importante é a desmotivação entre todos e cada um dos elos da cadeia produtiva na busca do aperfeiçoamento, por deixar de dar retorno ao investimento. 

A bem da verdade, a dificuldade dos responsáveis pela decisão em encontrar a justa medida deve ser reconhecida. 

Tão importante quanto definições salomônicas é o papel de uma rígida fiscalização, sem a qual pode ser perpetuada a injustiça para com os cumpridores das regras. A Câmara Setorial Nacional da Cadeia Produtiva do Arroz tem insistido e registrado este ponto reiteradamente.

O antimarketing da legislação nacional 

O arroz é um alimento nobre, destacando-se entre os cereais pelo alto valor biológico de sua proteína e pelo baixo índice glicêmico devido à formação complexa de seus carboidratos. Paradoxalmente, a legislação em muitos pontos contribui contra estes aspectos de qualidade, ao destacar o “ruim” ao invés de enaltecer atributos positivos. Exemplos: 

(1) É enaltecido o grão quebrado em detrimento da virtude do grão inteiro. Como é sabido, o consumidor consegue melhor rendimento de panela se os grãos forem inteiros. E o valor alimentício de um grão inteiro é superior a duas metades de grão [sic]. O fato está presente na sabedoria dos maiores produtores e consumidores mundiais, os chineses: consideram os grãos inteiros como “vivos” e os partidos como “mortos”. 

Para isso, os lavoureiros, pelo mundo afora, desenvolvem esforços para disponibilizar produtos com maior rendimento em inteiros. E os engenhos investem em equipamentos para minimizar o surgimento de grãos partidos e para separá-los através de recursos técnicos dispendiosos. 

(2) Nos subgrupos parboilizado polido e parboilizado integral, onde a virtude é a gelatinização, ao invés da legislação enaltecer o atributo positivo – grão gelatinizado – destaca o negativo, tendo como referencial o não-gelatinizado. Mais ainda, ao estabelecer intensidade de gelatinização inferior à metade do grão enaltecem o defeito de processo em detrimento da virtude. 

As novas proposições governamentais têm ainda uma dívida com a sociedade, pois cabe lembrar que pesquisas identificam o aumento de vitaminas, sais minerais, proteína, fibras (ver figura) e outros em função da intensidade de gelatinização. 

Outra dívida pendente para com o consumidor diz respeito à proposta aprovada pela cadeia produtiva do arroz em 2002, quando se tratava do Regulamento Técnico do Arroz no Mercosul. Trata-se da separação dos defeitos do arroz segundo seu risco à saúde humana. À época, uma proposta da UFPel tratava de separá-los em metabólicos e não-metabólicos. Esta promissória ainda está pendente. Espera-se que não seja lançada na rubrica Lucros e Perdas.

Afinal, para que lado a bússola aponta em 2011? 

O prognóstico difícil fica por conta de anunciadas reações de segmentos da cadeia em desacordo com as regras mutantes. A velha-nova IN 06 de 2009, que substituirá em março a nova-velha IN 12 de 2010, deve ficar restrita às negociações do governo.
Enquanto o quadro aparenta ser inequacionável, pelo natural conflito de interesses, o conhecimento segue avançando. É o caso dos subgrupos do parboilizado. Pode-se ousar, atribuindo ao conjunto de pesquisas da UFPel sobre a correlação entre a intensidade de gelatinização e sua resposta nos aspectos nutricionais e de alimentação funcional como sendo o principal salto desde que a FAO, em Bangkok (1949), preconizava vantagens sociais e econômicas, hoje sintetizadas como “segurança alimentar”.
Em todos os segmentos a cadeia produtiva nacional está preparada para os novos acréscimos de qualidade e o consumidor esperando por isso.
Espera-se que mais luz chegue aos responsáveis pela política alimentar e pelo estabelecimento de regras de qualidade compatíveis com os tempos atuais.

“Licht, mehr licht!” (Luz, mais luz!)
Johann Wolfgang von Goethe (1749-1832)
Poeta e cientista alemão

 

2 Comentários

  • Hoje foi um dia muito importante para todos nós. Conseguimos unir aqui em Uruguaiana a maior organização do nosso Movimento. Estiveram presentes na nossa Assembléia todos os representantes de classes da cidade : Sindicato dos Transportes Autonomos, Sindicato dos Trabalhadores Rurais, dos trabalhadores do Comécio, CDL, Câmara dos Vereadores, Poder Executivo representado pelo Secretário da Industria e Comércio, Sindicato dos trabalhadores do Transporte Internacional, Presidente da OAB. Enfim, toda a cidade de Uruguaiana e Fronteira Oeste CLAMANDO por JUSTIÇA.

    NÃO ESTAMOS SOLITÁRIOS NA LUTA, A LUTA NÃO É SÓ NOSSA, É DA SOCIEDADE CIVIL DA FRONTEIRA OESTE, A LUTA É DE TODO RIO GRANDE DO SUL E DE SANTA CATARINA. TÍNHAMOS CERTEZA QUE NOSSA GENTE, FORJADA DURANTE DÉCADAS, NA DURA VIDA DO CAMPO,
    COM ESPÍRITO SOLIDÁRIO,
    NÃO IRIA SE OMITIR NESTE DFICIL MOMENTO !

  • MUITO BOM ESTE ARTIGO. SUTIL MAIS QUEM CONHECE O MERCADO DE VERDADE SABE DO QUE ELE ESTA FALANDO .

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