Por quais motivos as mudanças na China e na Índia pouco afetarão os mercados de arroz em casca no Brasil?

 Por quais motivos as mudanças na China e na Índia pouco afetarão os mercados de arroz em casca no Brasil?

(Por Cleiton Evandro dos Santos*) Nos últimos dias duas notícias movimentaram as redes sociais e grupos de whatsapp do segmento arrozeiro: uma estiagem mais forte na China e a suspensão das exportações de quebrados de arroz e criação de uma taxa de 20% sobre os embarques de arroz beneficiado e integral ao mercado internacional pela Índia, que paralisou o embarque de um milhão de toneladas de grão nos portos indianos e elevou 20 dólares as cotações naquele continente.

Imediatamente ressurgiram alguns daqueles “arautos da catástrofe”, que meses atrás previam uma quebra de 25% a 30% nas lavouras do Rio Grande do Sul, para afirmar que “agora os preços do arroz por aqui vão passar de R$ 100”. Bem, vontade de que isso seja verdade, todos nós que trabalhamos no segmento produtivo temos de sobra. Inclusive a indústria. Mas, exceto pelos quebrados, num primeiro momento não é essa a realidade.

Analisando as informações divulgadas pelas agências de notícias, governos, agentes de mercado e estatísticas destes dois países, se nota que o impacto no comércio global de arroz nos alcançará, inicialmente, sem grandes reflexos.

A retração de 6 a 7 milhões de toneladas de produção na China, que é prevista pelo governo do gigante asiático e agentes de mercado da Ásia, representa quase nada numa economia que colhe mais de 210 milhões de toneladas de arroz, em base casca, anualmente, exporta 3,6 milhões (base casca) e importa 7,5 milhões de toneladas (base casca), com destaque especial para quebrados. Essa “troca” anual é por tipos especiais de “arroz novo” para suprir doações de arroz ao seus aliados econômicos e políticos.

A China tem se tornado, nos últimos 15 anos, de um dos maiores exportadores para um dos grandes importadores mundiais, em especial de quebrados de arroz para rações animais. A redução da oferta de trigo e milho ampliou sua demanda por quebrados de arroz.

Mas, há uma diferença enorme na relação de sua política de estoques com o restante do mercado internacional. Como faz com outros grãos – e fibras – o gigante comunista mantém um volumes armazenado de 53,7% dos estoques globais de arroz, que somam 102,8 milhões de toneladas beneficiadas, ou 204,2 milhões de toneladas em base casca, o que corresponde a toda a produção brasileira em uma década.

Na China, a demanda de importação de arroz quebrado para ração animal continuou forte até agosto. Índia e Paquistão são seus principais fornecedores. Para 2022, as necessidades de importação chinesas foram reavaliadas e projetadas pela FAO em todas as categorias, e poderiam atingir cerca de 6 milhões de toneladas métricas. As exportações também poderiam subir para 2,4 Mt contra 2,24 Mt em 2021.

A restrição às exportações de quebrados pela Índia, no caso da demanda chinesa, serão facilmente supridas por Tailândia, Vietnã e Mianmar, mas com nova valorização. As compras chinesas já movimentaram os mercados da Ásia desde o ano passado e fizeram com que os quebrados (meio grão, ¼ e quirera) chegassem a empatar com o arroz 25% quebrados de origens como Índia e Paquistão e se aproximassem muito no Vietnã e Tailândia. São faixas e padrões diferentes, mas que pelo expressivo aumento do consumo dos quebrados para substituírem trigo, milho e outras fontes de nutrição de animais, apresentaram elevação.

Trocando em miúdos, a China tem arroz de sobra em seus estoques para cobrir sua demanda interna sem produzir um único grão por quase um ano. E por ser um país continental, realiza três colheitas anuais. Ou seja, seis ou sete milhões de toneladas, estimativa de quebra da nova safra chinesa, representam um pingo d´água num oceano de mais de 400 milhões de toneladas disponíveis e um consumo de 215 milhões de t.

 O FATOR ÍNDIA

O anúncio da suspensão das exportações de quebrados, e também a criação de uma taxa de exportação de 20% sobre o arroz não basmati e não parboilizado, em essência, tornarão a Índia, que é o maior exportador de arroz do mundo, numa origem menos competitiva. E isso, estima-se, refletirá no aumento da inflação e dos custos dos alimentos em toda a África, Ásia e algumas regiões da Europa. São regiões em que os quebrados são muito utilizados para rações animais ou alimentação humana (no caso da África) e o branco longo fino e o grão médio são bastante demandados para a chamada gastronomia étnica.

A decisão do governo indiano travou o embarque de um milhão de toneladas de arroz em portos do país, mas uma negociação está em andamento para que os volumes já contratados sejam embarcados sem a aplicação da sobretaxa. De qualquer maneira, durante a semana em que as novas regras estão em vigor, como já era esperado, as cotações na Ásia subiram 5%, ou cerca de 20 dólares por mil quilos.

O governo indiano anunciou que as restrições buscam manter os volumes de oferta doméstica do arroz, após pequena redução na área plantadas nesta temporada (menos de 5%). O anúncio ocorre meses depois de o governo hindu restringir exportação para o açúcar e o trigo, o que contribuiu para aumentos adicionais nos preços globais das commodities. O movimento da Índia, na verdade, não chegou a surpreender porque o mercado, especialmente dos quebrados, já trabalhava com esta expectativa há um mês pelo menos.

O mercado internacional já interpretava que o governo indiano vinha subsidiando em excesso os seus produtores e mantendo suas cotações muito baixas artificialmente. Em geral, quando um governo subsidia determinada produção, para reduzir os seus riscos, o setor perde a resiliência natural que as economias de mercado têm e se torna difícil equilibrar sua oferta e demanda quando há perturbações climáticas ou no mercado. Se fosse a Índia uma economia de mercado, seus preços não teriam ficado tão baixos artificialmente e por tanto tempo, e o país não entraria em pânico com uma pequena retração na área semeada após um ano recorde de produção.

Há três meses, os Estados Unidos, a Austrália, o Canadá, o Japão, o Paraguai, a Tailândia e o Uruguai iniciaram uma série de consultas na Organização Mundial do Comércio (OMC) sobre as políticas de distorção comercial da Índia para o arroz. O entendimento destes países é de que o ato protecionista da nação asiática está apenas manipulando e distorcendo ainda mais o mercado global de arroz, o qual a Índia controla em mais de 40% da oferta.

Nesta semana, os mercados asiáticos de arroz começaram a avaliar o que a proibição de arroz quebrado da Índia e o imposto de 20% arroz significa no cenário mais amplo. Espera-se mais clareza dos detalhes na semana que se inicia. Mas, em teoria, o imposto de 20% alinha os valores do grão indiano com os outros preços asiáticos (como Paquistão, Tailândia ou Vietnã) para o arroz branco com 5% de quebrados. A faixa média desta semana gira em torno de 400 dólares/tonelada.

Mas, com o arroz branco de grão longo dos Estados Unidos ainda custando cerca de US $ 250 por tonelada acima das principais origens asiáticas, e o Mercosul operando entre $ 120 e $ 200 acima, dificilmente as medidas afetarão diretamente ao mercado de exportação dos EUA e do Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai no curto prazo.

No contexto internacional, avalia-se que por causa dos preços artificialmente baixos da Índia, as cotações globais permaneceram estagnadas nos últimos três anos, pois as ações relacionadas à pandemia e à guerra fizeram com que as cotações de outras commodities disparassem. Como os custos de insumos para todas as culturas aumentaram nos dois últimos anos, os produtores de arroz nunca viram um aumento proporcional nos preços de mercado por causa da distorção de preços provocada pela Índia, o que provavelmente resultará em margens apertadas ou negativas para este ano-safra na América do Norte, segundo economistas da Universidade do Arkansas e do USDA.

E NO BRASIL?

Esta conjuntura internacional pouco ou nada afetará o produtor de arroz no Brasil num primeiro momento. E os mercados de arroz em casca e beneficiado terão um reflexo relativamente baixo, considerando fatores da geoeconomia. Ainda que cotações globais mais altas tendam a favorecer as exportações. A questão é que o Brasil já tem deixado de exportar arroz nos últimos três anos porque boa parte dos produtores segura a venda ou a viabilidade de atender a demanda de determinados tipos pela indústria é comprometida, e o país perde a janela de exportações. Em 2021 estima-se uma perda de oportunidade de 20 barcos (ou 500 mil toneladas em base casca) e mais 300 mil toneladas de beneficiado por falta de barcos e alta de custos de frete.

Na Ásia, em função de deter 90% da produção e do consumo mundial, o mercado se regula natural ou artificialmente, pois o nível de intervenções governamentais é altíssimo por meio da manutenção de grandes estoques e incentivos à produção e distribuição.

Diretamente no território brasileiro, espera-se por tabela um efeito de valorização e demanda sobre as exportações, cotações de clientes tradicionais em quebrados de arroz. No entanto, com preços atuais bem atraentes, empresários do ramo já estão realizando bons negócios em um segmento com mercado muito aquecido. Os preços médios estão entre R$ 370,00 e R$ 380,00 a tonelada/FOB. O Brasil exporta quebrados de arroz para pet food na Europa e, principalmente, nos Estados Unidos. Já para a África, onde estão alguns dos nossos maiores clientes, os quebrados formam a base alimentar humana em muitas nações. O Brasil exporta anualmente cerca de 400 mil toneladas de quebrados (equivalente casca) anuais. É um mercado cativo.

Estima-se que por esse efeito dominó, países como o Vietnã e Tailândia, que estão atualmente atendendo destinos africanos, do Oriente Médio e da Europa, terão uma explosão de demanda para atender países como a China. Em contrapartida, haverá uma elevação no nível de preços mundiais deste segmento comercial. E, também por isso, aumento na demanda por produto do Mercosul e dos EUA. Mas, vale lembrar. Atualmente, o arroz quebrado que estiver disponível já é demandado no Brasil para exportações e na composição dos pacotes dos tipos 1, 2, 3, 4 e AP.

LONGO FINO

A expectativa de que a restrição às exportações indianas impactem o mercado brasileiro é mais esperança de alguns segmentos do que um fato que deve se concretizar em níveis que realmente tragam mudanças importantes no cenário de preços. A existência de secas e enchentes na Ásia, que detêm 90% da produção e 88% do consumo mundial, ocorre desde os primórdios do cultivo do arroz, há milhares de anos. A diferença é que agora a informação circula instantaneamente.

Portanto, alguns pontos especiais precisam ser observados.

Em primeiro lugar, no grão Índica, longo fino de qualidade superior (higher quality) 5% de quebrados, a Índia vinha mantendo forte demanda por operar com preços muito abaixo do mercado internacional. A taxa de 20% aplicada a partir desta semana deverá equilibrar os valores com seus principais concorrentes: Tailândia, Vietnã, Mianmar e Paquistão. E estes poderão elevar também, levemente, as suas cotações.

Mas, o volume deste grão que a Índia comercializa é baixo. Sua produção se concentra quase que totalmente no comércio internacional de Índica, qualidade inferior (lower quality), cuja participação está concentrada em países da Ásia. A demanda nas Américas é rara e ocorre em países periféricos ou de baixa capacidade de compra ou de acesso ao crédito, caso de Cuba, Venezuela, Guiana e países da parte mais oriental da África, e estão concentradas no Vietnã e na Tailândia.

Vale lembrar que o Brasil importou arroz indiano entre o final de 2020 e o início de 2021 e direcionou quase tudo para ração animal por causa da baixa qualidade, forte cheiro e aspecto amarelado. Logo, os indianos disputam apenas mercados marginais e de menor preço e com seus vizinhos, e quase nada com o Brasil. Neste aspecto, pode ser uma oportunidade de o produto brasileiro encontrar novos mercados.

Num segundo momento, se Vietnã e Tailândia, segundo e terceiro maiores exportadores mundiais e que atuam nos dois níveis de comércio e padrão do Índica, voltarem sua oferta mais para o Oriente, se abrirão alguns mercados também marginais nas Américas, Europa, poucos países da África e cria-se uma opção interessante no Oriente Médio. Vale lembrar que o Iraque, Emirados Árabes, Arábia Saudita e África do Sul têm buscado mais grãos longo-finos na Tailândia, Cuba no Vietnã, e que poderiam optar, agora, por fornecedores americanos (sul e norte).

No entanto, é importante destacar que as chances do Mercosul, em especial do Brasil, se limitam por causa dos acordos e tratados comerciais dos Estados Unidos que está terminando de colher uma boa safra de arroz, têm disponibilidade, logística e fretes com preços menores. Por enquanto, os preços da América do Norte é que estão ainda mais altos, o que pode dar alguma margem ao Brasil para competir com algumas cargas.

Mas, ainda assim, é impossível dimensionar o comportamento dos preços e o impacto real das medidas hindus sobre o arroz no Brasil e o Mercosul.

Certo é que, até agora, analistas de todo o mundo consideram que para o Mercosul a expectativa está sendo superdimensionada.

Então, a resposta é não, para aqueles que imaginam que a seca na China e os novos patamares de preços do arroz longo fino mudarão o cenário das cotações no Brasil. Só por estes motivos os preços do arroz no Rio Grande do Sul não serão catapultados acima dos R$ 100,00, como já teve aqueles mesmos produtores que previam cotações em R$ 120,00 em 2021 e 2022, prevendo. E, no caso da Índia, é talvez, mas com mudanças muito concentradas nos quebrados e com ondas de choque de fraca intensidade.

E o que fará diferença, afinal?

Sem aumento do consumo no mercado interno, a solução para o Brasil passa por equilibrar a sua oferta à sua demanda. Sendo assim, a redução de área prevista para a próxima safra, o custo de produção e o clima terão papel decisivo no patamar de preços dos próximos meses e do próximo ano.

Outro fator preponderante será o comportamento do câmbio, pois a partir da estimativa de um estoque de passagem relativamente alto, as importações do Mercosul e, novamente, a perda de alguns negócios porque as tradings novamente não conseguiram comprar arroz em casca a preços capazes de dar suporte às vendas externas, mais uma vez as exportações serão fundamentais para estabelecer o equilíbrio entre oferta e demanda no mercado de arroz brasileiro.

Antes de mais nada, ao invés de esperar por catástrofes mundo a fora, o arrozeiro precisa aprender a dimensionar a sua oferta, vender quando tem demanda, ter uma boa gestão de seus custos e não plantar mais do que deve com custo superior ao que suporta. Fazer o inverso disso e depois torcer pra que um desastre natural afete as demais lavouras, não é um bom negócio. Não é assim que o setor se torna competitivo. Não é assim que se ganha dinheiro ou espaço no mercado. E isso, tem sido provado ano após ano.

*Jornalista especializado em Agronegócios, Analista de Mercado de Arroz e editor de Planeta Arroz

1 Comentário

  • Poisé, quem puder plantar mais soja, terá mais folga nas finanças, pq os altos custo do arroz, nem a R$90,00 a saca de 50kg se tornaria atrativo, visto q a soja vale o dobro, a não ser q o diesel e a uréia caia pra metade do preço q está.

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