Prejuízos incalculáveis

Região Central do RS levará décadas para se recuperar do El Niño

O El Niño provocou a maior inundação da história do Rio Grande do Sul e prejuízos incalculáveis ao estado. Até junho, foram cinco inundações, sendo a maior delas iniciada em 27 de abril, que perdurou quase todo o mês de maio e afetou mais de 400 municípios. No período, em algumas microrregiões, choveu mais de 1.050 milímetros, quase o previsto para o ano. A rizicultura da Região Central foi a mais atingida.

A fúria dos rios Jacuí e Taquari e seus afluentes, e das enxurradas e deslizamentos em volume e velocidade recordes, levou por diante estradas, pontes, casas, galpões, máquinas, lavouras, redes elétricas, sistemas de irrigação e, o que é mais greve, o solo de diversas propriedades.

Em seu lugar ficaram crateras ou foram depositados areia, cascalho, pedras, entulhos, galhos. A geografia foi alterada. Arroios mudaram o curso, e propriedades irrigantes perderam acesso à água. Mesmo o grão colhido e depositado nos silos e indústrias registrou perda. Em menor proporção foram atingidas as planícies costeiras interna e externa. Quase 100% das lavouras de soja em terras baixas foram atingidas.

Os problemas começaram antes da semeadura. “Inundações que atrasaram o plantio, dificultaram os manejos, cobriram lavouras e geraram até duas ressemeaduras em algumas áreas, aumentando custos e riscos. Pelo atraso no plantio, a grande inundação de maio pegou parte das lavouras dias antes da colheita, causando mais prejuízos. Também faltou luminosidade, fundamental ao desempenho da planta”, resumiu Ênio Coelho, coordenador do Instituto Rio Grandense do Arroz (Irga) na Região Central.

Os 118.107 hectares produziram menos que o esperado. Dos 50 mil que faltavam colher no fim de abril, 17.207 foram perdidos. Mas as perdas parciais ainda são computadas.

Jair Buske, diretor da Federação das Associações de Arrozeiros do Estado do Rio Grande do Sul (Federarroz) e produtor em Agudo, avaliou que será ótima notícia se for semeada 70% da área na Quarta Colônia, que reúne municípios como Dona Francisca, Faxinal do Soturno, São João do Polêsine e, pela proximidade, Restinga Sêca e Agudo. “O quadro é preocupante. Mesmo nas áreas menos atingidas será preciso recuperar estruturas da lavoura e suporte, como redes elétricas e sistemas de bombeamento, para, depois, determinar onde, quando, como e qual a área será cultivada”, sentenciou.

Nem um palmo

Kochenborger: sem apoio do governo, será difícil recuperar

Ademar Kochenborger, na Porteira 7, em Cachoeira do Sul, teve a propriedade completamente inundada por mais de uma semana pelos rios Iruí e Piquiri. Perdeu na lavoura quase um terço da plantação de arroz e toda a soja. A água cobriu a casa, alcançou até três metros nos galpões e comprometeu o arroz que havia colhido, porque invadiu os silos pelo sistema de aeração. “Não ficou um palmo, veículo, máquina ou ferramenta fora d´água na propriedade”, revelou. Três vizinhos ficaram na mesma situação. Segundo ele, sem ajuda do governo federal na equalização dos financiamentos e linhas de crédito especial para a reconstrução, muitos produtores não conseguirão plantar a próxima safra. “Faltam 90 dias para a próxima semeadura, e não temos uma só plantadeira, sistemas de irrigação, canais, nada”. Sua prioridade com a família e os empregados é colocar os mais de 100 motores da propriedade a funcionar e reconstruir alojamentos. “Ficamos sem onde dormir”.

Forte, aguerrido e bravo

Ênio Coelho: solo lunar

Um trecho do Hino do Rio Grande do Sul fala em “[…] ser forte, aguerrido e bravo”, e é esse o sentimento que leva o coordenador regional do Instituto Rio Grandense do Arroz (Irga) na Região Central, Ênio Coelho, a acreditar que os arrozeiros irão, mesmo em diferentes graus de dificuldade, reagir e semear a safra 2024/25 e dar a volta por cima. Ele reconhece, no entanto, que a redução de área na região parece inevitável, seja por questões de crédito que precisam ser resolvidas, seja pelos danos estruturais e até a perda de solo em algumas propriedades. “O agricultor só tem um jeito de pagar as contas e se recuperar: produzindo alimentos. O governo precisa ajudar”.

Jair Buske, diretor da Federação das Associações de Arrozeiros do Rio Grande do Sul (Federarroz) na Região Central, revelou que os agricultores estão dividindo as atenções entre a recuperação de suas estruturas e a busca de soluções para pagar as contas. “Mesmo prorrogadas para 15 de agosto, estamos pressionados a pagar sem ter colhido e sem produto para vender. Sem ação do governo no sentido de equalizar esta situação junto às instituições de crédito, será mais difícil a retomada. O leilão de compra de arroz importado só agrava a situação”, enfatizou.

Lembrou que, para muitos produtores, esta safra seria determinante para a recuperação dos prejuízos da temporada anterior, quando uma seca gerou perdas importantes em algumas localidades. “É esse agricultor que precisa se reconstruir e realizar nova safra em 90 dias”, observou.

Na Quarta Colônia, onde a média das lavouras fica em torno de 80 hectares, algumas propriedades chegaram a perder oito hectares por erosão, ou seja, 10% da área agricultável e centenas de milhares de metros cúbicos de solo. E o que não perdeu, teve prejudicada sua fertilidade, pois foi “lavado” pelas correntezas dos rios e recebeu deposição de areia e pedras. “Há lugares que parecem solo lunar”, disse Ênio Coelho. A questão agora é de onde trazer terra para recuperar as áreas erodidas. E quantas décadas serão necessárias para a sua recuperação?

Para Jair Buske, o foco nas áreas mais altas, onde as perdas foram menores e poucas máquinas foram atingidas, é recuperar redes elétricas e estações de bombeamento e, quando houver previsão de tempo mais estável, recuperar estruturas das lavouras. Nas áreas mais baixas, em que as perdas atingiram muito mais do que as lavouras, as estruturas e bens da propriedade, a situação é bem mais difícil para a retomada. Fora da porteira, ainda é preciso aguardar a recuperação de estradas vicinais e pontes que foram destruídas pelas inundações.

FIQUE DE OLHO
Uma das preocupações das entidades setoriais é com a legislação. Como será necessário recuperar ambientalmente as regiões à beira dos rios, os órgãos ambientais estão sendo buscados para proporcionar orientações e evitar conflitos e multas. “A intenção é fazer tudo dentro da lei e da melhor recomendação”, observou Jair Buske, diretor da Federarroz.

QUESTÃO BÁSICA
Enquanto os arrozeiros buscam resolver os problemas do lado de dentro da porteira, os municípios e o Estado reconstruírem estradas e pontes, as entidades setoriais trabalham junto ao governo federal em busca de soluções para o passivo que restará da safra e na abertura de linhas de crédito especiais para a reconstrução das estruturas produtivas. Paralelamente, tentam neutralizar os danos trazidos ao mercado com a proposta do governo de realizar leilões de compra de até um milhão de toneladas de arroz beneficiado.

Arrozeiros drenaram o RS

Arrozeiros encerraram os trabalhos cantando o Hino do Rio Grande do Sul

Dezenas de arrozeiros, empresas e entidades setoriais se uniram e colocaram suas expertises em drenagem à serviço das comunidades atingidas pelas inundações históricas. Assim, surgiu, por iniciativa de um grupo de produtores de Pelotas, o projeto Drenar-RS, que ajudou a acelerar a retirada das águas das zonas urbanas e estruturas atingidas.

Perto de 50 bombas de irrigação e 300 homens foram mobilizados para realizar a contenção e drenagem das águas em Pelotas, Porto Alegre (aeroporto, Humaitá e 4º Distrito), Novo Hamburgo e São Leopoldo, na Região Metropolitana.
O Grupo Ceolin, de Uruguaiana, por exemplo, cedeu duas unidades capazes de drenar 300 mil litros por segundo. A mobilização durou perto de 20 dias, com custeio diretamente dos produtores.

AEROPORTO
Na região do Aeroporto Internacional Salgado Filho, em Porto Alegre, que foi completamente tomado pelas águas, os arrozeiros assumiram o bombeamento das águas por recomendação do Departamento Municipal de Água e Esgoto (Dmae) de Porto Alegre e da Defesa Civil.

No auge da crise, o entendimento era de que drenar o pátio do estabelecimento aeroportuário ajudaria a acelerar a retirada de águas de toda a região próxima ao Salgado Filho, que era uma das áreas mais atingidas pelas inundações na capital gaúcha.

“Foram 11 dias intensos, sem descanso, de drenagem ininterrupta, uma ação construída por todos os voluntários e que obteve um excelente resultado”, explicou o engenheiro agrícola Lauro Soares Ribeiro, um dos coordenadores do projeto.
O Drenar-RS é formado pela Federação das Associações de Arrozeiros do Rio Grande do Sul (Federarroz) e empresas, como WR, InfoSafras, Gebras, Grupo Ceolin, Agropecuária Canoa Mirim, Expoente, Numerik, CCM, Garanto, Grupo Cavalhada, Instituto Caldeira e Idealiza.

Já nas pistas do Aeroporto Salgado Filho, a ação desenvolvida pelos representantes da orizicultura também contou com apoio da Agrimec, SLC John Deere, Sotrima Massey Fergusson, Tomasetto Engenharia, Grupo Quero-Quero e Coragon Agropecuária.

FIQUE DE OLHO

Carlinhos Wachoolz, presidente da União Central de Rizicultores (UCR), primeira entidade de produtores arrozeiros do Rio Grande do Sul, perdeu 80% da sua lavoura de arroz e 100% da lavoura de soja por causa das inundações. Agora, está ingressando na Justiça para cobrar o seguro agrícola que havia feito. A seguradora se negou a pagar pelos danos, alegando que o contrato “não cobre enchentes”, apenas acamamento por ventos fortes, o que também foi uma ocorrência em seus campos.

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