Qual a diferença entre o parboilizado de SC e do RS?

A origem de um equívoco

A pergunta do título é recorrente e atravessa décadas.
Não obstante o assunto estar vencido, questionamentos ainda persistem.
O imbróglio tem como base a correlação entre as duas principais rotas tecnológicas praticadas no país e aos dois estados maiores produtores de arroz:
(a) Processo Malek, ou Autoclave, associado ao Rio Grande do Sul
(b) Processo Estufa, ou Macerado, vinculado a Santa Catarina

As associações desses processos a estados são impróprias e imprecisas!
Contribuem para o isso o fato de o Processo Estufa ter sido criado/inventado em SC por volta de 1950 e ali ter prosperado. Apesar de ser o local de seu início, sua presença em SC segue sendo cada vez menos significativa. Em contraponto, cresce a presença do Processo Malek.

Naquele momento inicial, o Malek já era praticado no RS: prosperava abaixo do Mampituba, testemunhado pelo surgimento de um produto que ficou famoso com a marca Malekisado. Mas o Estufa também tinha participação importante, principalmente facilitando a entrada no negócio por exigir menos investimento e ser de mais simples condução.

O Processo Malek representava a predominância de uma “tecnologia mais limpa”, condizente com os processos úmidos. É importante registrar que a parboilização é um processo hidrotérmico (água + calor), exigindo critérios de higiene praticados pela indústria de alimentos.

Um registro divisor de águas na parboilização no Brasil
O livro “Parboilização do arroz no Brasil” (1) foi o primeiro escrito no mundo após a pioneira publicação da FAO (2). Registra dados da segunda metade da década de 1980, resultado de um trabalho de pesquisa e extensão realizado pela Cientec.

A obra inicia comparando 55 rotas tecnológicas praticadas pelos quatro cantos do mundo, incluindo as duas em pauta. Relata e contextualiza o resultado de quatro anos de trabalho dos autores e seus colegas (engenheiros químicos e mecânicos, economistas, químicos e laboratoristas) levando informações sobre tecnologia de processo e econômicas.

O trabalho de campo teve início, primeiramente, no RS (e Sul de SC) e após, sob o patrocínio do então Ministério da Indústria e Comércio, foi disseminado por todo o país.
Na fase nacional foram abrangidas 134 empresas, onde SC se destacava pelo número de empresas (60% do total), com ampla participação (mais de 90%) de “maceradores”.

Já no RS operavam menos empresas, mas de maior porte, com crescente participação de “parboilizadores”. Este nome, à época, era restrito aos que operavam com autoclave. O Ministério da Agricultura fiscalizava a regulamentação vigente.
O sucesso do livro pioneiro (1) serviu de motivação a dois outros (3)(4) mais.

Um marco nos regulamentos técnicos do arroz
Em 1986, alterações marcantes, para a época, tiveram início no Brasil.
A qualificação de engenheiros no país e no exterior, junto com a capacidade empreendedora dos atores da cadeia produtiva, foi determinante para o desenvolvimento da industrialização nacional do arroz.

Surgia a Portaria nº 269/1988, trazendo prosperidade graças a seus acertos e apesar de seus equívocos!

À essa época, a maceração era dividida em dois segmentos:
(a) Maceração a frio, onde o arroz em casca era intumescido em água fria de 48 a 72 horas [sic].
Um absurdo sob a óptica de higiene alimentar! Um acinte à saúde pública! Uma “pocilga”! Uma “fábrica de toxinas” originárias de fungos e bactérias!

Um desserviço oficial, atendendo a interesses subalternos, que retardou o avanço da verdadeira parboilização e, principalmente, injuriou a saúde da população com intoxicações crônicas.
Por algumas ordens judiciais, esta rota ainda persistiu por alguns anos após a publicação da portaria que a extinguiu.

Àquele tempo circularam informações sobre incidência de alto índice de câncer constatado em determinada região catarinense e correlacionando à ingestão do macerado a frio produzido no local.

(b) Maceração a quente, onde a operação unitária de encharcamento seguia padrões compatíveis.
Por isso prevaleceu o bom senso: a 269 incorporou, com respaldo da cadeia produtiva, o produto desta rota da maceração a quente na denominação de parboilizado.

A situação atual do macerado – Processo Estufa

Aspectos gerais
– Em síntese, o termo macerado já não faz parte da terminologia oficial do Brasil. Hoje encontra-se restrito ao uso jocoso, por seus detratores, como sinônimo de produto de “segunda linha”.

– O arroz processado a frio foi (libertas quae sera tamen!) banido da legislação e do comércio. Era “o prego na bota” para a comercialização do macerado a quente.

– O arroz processado por estufa, a quente, se manteve e tende a manter-se nas sucessivas instruções normativas sucedâneas da 269, sua identificação como parboilizado.

– O Processo Estufa tem menores custos de investimento e operacional.

– O custo de manutenção também é baixo, permitindo que seja todo feito “em casa”.

– É mais econômico em pequenas escalas de produção.

– Constata-se que quando a empresa tem necessidade de crescer, a tendência é a troca Processo Malek. É desconhecido algum caso onde um parboilizador por autoclave passou para estufa.

Aspectos técnicos e operacionais
– Pelo fato de usar uma estufa rotativa, tipo secador de café, com calor suprido por queima direta de casca de arroz na parte inferior, faz simultaneamente as funções de gelatinização e de secagem primária.

– O “pecado” dessa simultaneidade é que a retirada de água compromete uma boa gelatinização.
– A transmissão de calor ocorre pelas vias de contato e condução, menos eficientes que o vapor saturado praticado na autoclave, sua concorrente.

– Inerente aos processos mais rústicos, tem pouca margem para domínio e controle das variáveis operacionais como temperatura, tempo e variação de umidade.

– Esta falta de flexibilidade na produção é crítica para variações de matérias primas.

– Pelo conjunto dos aspectos operacionais citados, tende, a logo prazo, para a caducidade tecnológica.

Aspectos comerciais
– O produto sofre restrições no comércio internacional pelo potencial de agregar cheiro de fumaça ao produto final.

– Tem, igualmente, restrições por não usar vapor, como explicitado na legislação norte-americana (steam), em critérios de trades e adotado por compradores como da União Europeia.

– Possui importantes nichos em mercados pautados por contornos diversos dos anteriores.

Publicações citadas(1)(2)(3)(4) e pertinentes ao assunto
(1) Parboilização do arroz no Brasil. Cientec, 1991.
(2) Rice parboiling. Roma, FAO, 1984.
– Arroz parboilizado; Diagnóstico da indústria no Rio Grande do Sul. Cientec, 1985.
(3) Arroz parboilizado: tecnologia limpa, produto nobre. Ed. Lenz, 2002.
(4) Parboilização do arroz. Ed. Lenz, 2005.
– Sabores e saberes do arroz. Irga, 2008; Sindarroz/SC, 2009 (3ª edição).
– Parboilização do arroz no Brasil – Fragmentos da história; cap. no livro Qualidade de arroz da pós-colheita ao consumo, Ufpel, 2012.
– Arroz en el Programa Mundial de Alimentación de las Naciones Unidas” – ONU, pg. 81-100, capítulo no livro CBS21, Blucher Proceedings, 2014.
– Arroz de A a Z: termos técnicos da industrialização do arroz (web), Cientec, 2015 (contínuo).

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