Sobra tecnologia, falta gente para dominar o monstro
A qualificação do profissional rural é um dos grandes desafios para a produção.
Os proprietários de uma lavoura com 450 hectares de arroz, na fronteira-oeste do Rio Grande do Sul, adquiriram uma nova e potente colheitadeira com GPS, computador de bordo e uma série de outras facilidades asseguradas pela mais moderna tecnologia para a safra 99/2000. A concessionária ofereceu um churrasco e ficou marcado um dia de campo para mostrar as vantagens do novo sistema e abrir a colheita na fazenda. Tudo muito bonito, não fosse um pequeno problema: nenhum funcionário ou os donos da fazenda sabiam fazer a máquina funcionar. A solução imediata foi a contratação de um mecânico da revenda, o único que sabia dominar o monstro mecânico.
O episódio pode até parecer caricato, mas na verdade desnuda uma das mais marcantes realidades do meio rural brasileiro: a mão-de-obra não está sendo qualificada no mesmo ritmo que as novas tecnologias são geradas para "facilitar a vida do produtor". Na lavoura arrozeira a situação mais comum é essa: peões semi-analfabetos, patrões sem muito capital e condições de investir na sua qualificação e sonhando em adquirir equipamentos de alta tecnologia. Os raros arrozeiros que podem comprar equipamentos de última geração só se deparam com o obstáculo quando mandam o peão subir na máquina. Aí, é um deus-nos-acuda.
"É uma situação bastante preocupante e real. Estamos chegando numa época em que até o peão precisa ser informatizado", revela o gerente regional do Irga na Depressão Central, Jaceguay Barros, que também é o vice-presidente do Conselho Federal de Engenharia, Arquitetura e Agronomia (Confea). A situação também está preocupando o Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar) no Rio Grande do Sul. O presidente da Farsul e do conselho do Senar, Carlos Sperotto, explicou que a formação de mão-de-obra rural avançou muito no Rio Grande do Sul nos últimos anos, mas ainda tem um longo caminho para chegar a uma posição ideal.
Segundo Sperotto, a tecnologia avança com passos muito rápidos e está muito a frente dos processos de qualificação da mão-de-obra. "Estamos recuperando caminho e buscando parcerias com as indústrias para garantir acesso aos trabalhadores a estas novidades", assegurou.
Senar treina, mas tem deficiências
O Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar) realiza cursos de sistematização, cultivo de arroz pré-germinado, operação e manutenção de implementos e máquinas para cultivo de arroz irrigado. Estes cursos são as principais demandas do setor, juntamente com a qualificação de operadores para secagem e armazenagem de arroz. "Não adianta colocar termometria com aparelhos computadorizados e o peão chegar na frente e não conseguir identificar o que o aparelho está mostrando", afirmou Jaceguay Barros.
O superintendente do Senar, Gilmar Tietböhl, explicou que o sistema trabalha exclusivamente sob demanda apontada pelos sindicatos e entidades rurais. "Nos apontam as carências e disponibilizamos os cursos dentro do que nos permite o orçamento", frisou. Segundo Tietböhl, a demanda reprimida é grande. "Sempre há mais necessidades de cursos do que orçamento disponível, mas estamos conseguindo atingir significativamente os pedidos", acrescentou.
A meta do Senar, agora, é estabelecer parcerias com a indústria de implementos e máquinas como forma de disponibilizar cursos com o nível tecnológico mais atualizado possível, que têm custos muito altos. "A nossa arrecadação não acompanha a exigência tecnológica do mercado e os fabricantes também têm interesse em apresentar seus produtos e que eles tenham um bom desempenho na lavoura".
FALOU & DISSE
“A baixa capacidade de absorver tecnologia vem de uma deficiência grave do ensino fundamental no meio rural nas últimas décadas. Semi-analfabetos em sua maioria, a mão-de-obra rural não tem condições de se manter atualizada. É preciso um conteúdo básico e outro, específico, voltado para o meio rural”.
Jaceguay Barros, vice-presidente do Confea.