Uma hora é arroz de boutique e outra hora é arroz de graça!

(Por Nelson Mucenic)

– E aí, Baitaca, cumé qui têmo?
– Senta aí, Mixaria, vô te contá uma.
– Tô fazendo uns prano de sustentabilidade na minha granja.
– Só agora? Eu desde guri só faço isso e agora com muié e treis filho mais ainda. E graças a Deus a lavoura me dá sustentabilidade.
– Não é isso, Mixaria. É aqueles negócio de não sortá gás e outras coisas na lavoura…
– Prá isso é só tomá chá de bordo. É uma maravia!
– Tu não tá entendenu… o povo já tá falando de vendê esse arroz pra gente chique, com pouco remédio, com pouca água e outras coisa, é pra ser quase um arroz de butique… 10 dóla o kilo, tchê!
– Tá bem, Baitaca. Eu vô ali e já vorto…
– Esse Baitaca tem cada idéia. Decerto vai vendê arroz no xópi… depois só vai faltá pintá as unha e andar de gravata e salto alto na lavoura.
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O mercado entrou em polvorosa mais uma vez, algo que acontece de tempos em tempos e é nesse tempo que o povo “assunta” e os assuntos tomam os mais diversos rumos. É cada assunto que dá o que falar. E o que pensar. Mas isso é bom porque os curiosos tratam de buscar conhecimento e de difundir as informações de modo que se tende a corrigir e ajustar as ideias, o processo de produção e as estratégias de comercialização. E isso acontece desde que se use um bom filtro para ficar com o que interessa, com o que se pode aproveitar.

O fato é que a Índia mais uma vez foi a protagonista da história. Com o atraso das chuvas das monções, o governo hindu prontamente tomou providências para evitar o aumento dos preços internos. Isso porque, no mais das vezes, o mercado de trigo interno também se vê afetado quando o arroz dispara. A razão para conter o preço do arroz reside no fato de promover não só segurança alimentar, mas a segurança pública interna porque, em um país de famintos, como diz o ditado, farinha pouca, meu pirão primeiro. A lei da selva é inclemente, quem pode mais chora menos.

O governo hindu, assim como os países da Ásia, sabe disso e sabe também que cada saco de arroz é um voto. Sim, os políticos são todos iguais e os de lá apenas se vestem com outras roupas. O atual Primeiro-Ministro hindu, que tem por primeiro objetivo se reeleger em 2024, pensa estender por mais seis meses o seu plano de fornecimento gratuito de grãos em geral para fazer chegar comida a 800 milhões de cidadãos indianos. O número é esse, não há engano na digitação. A Índia abriga quase 30% da população miserável do mundo. E esse cenário não tende a mudar, sabe-se lá até quando.

Por essa razão se pode entender por que o arroz jamais poderá ser tratado e comercializado como commodity. Desse modo, as oscilações dos preços vão continuar a depender em grande parte das monções e dos humores dos governos asiáticos. A favor do Brasil, embora a lavoura gaúcha também tenha sentido reveses nesse aspecto, conta o fato de que mais da metade da reserva dos aquíferos mundiais estão abaixo do nível normal e parece que continuam a reduzir. E não, ao que parece, não é decorrência da “sortura” de gases ou de mudanças climáticas, mas simplesmente uma questão de maior uso e de retardo no ciclo de reposição.

De qualquer modo, água não faltará, até porque a tecnologia de dessalinização é conhecida e viável. De um jeito ou de outro, a roda continuará girando e o resultado vai sempre depender de produtividade, de fluxo de caixa e de estratégia de comercialização. Sim, de qualidade também, mas nosso arroz não é artigo de luxo e nem gourmet, é apenas pra “encher o bucho”, como se diz pelas ruas e becos da milenar cultura asiática.

1 Comentário

  • Cabe acrescentar aqui que a contribuição da lavoura de arroz irrigado do Sul do Brasil é ínfima, em termos globais, na produção de metano e no incremento da já gasta teoria do efeito estufa. A adoção do processo de produção atual, como indica e recomenda a pesquisa divulgada pelo IRGA, coloca a participação da lavoura gaúcha na casa do centésimo de um ponto percentual. Considerando-se o balanço que tem que ser feito pela captura de CO2, o valor se torna desprezível, é nada. E isto é o que precisa ser enfatizado e divulgado à sociedade como contraponto ao ambientalismo.

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