Tropeço no arroz
Governo Lula mistura estações e insinua melar formação de preços num momento-chave para o agronegócio nacional.
Um do mais importantes interesses estratégicos do Brasil é a liberalização do mercado global de alimentos. A queda de subsídios e barreiras à exportação, práticas concentradas nos países ricos, propiciaria benefícios aos países com maior potencial agrícola, clube em que o Brasil se destaca.
Decorre desse raciocínio um corolário óbvio: o governo brasileiro deveria ser o último a lançar mão de medidas que distorcem o comércio de alimentos. Subsídios e barreiras à importação ou à exportação só se justificam em casos de extrema necessidade. Não é o que ocorre com o arroz, tema do novo factóide oriundo do Ministério da Agricultura.
A pasta do ministro Reinhold Stephanes anunciou que, para garantir o abastecimento doméstico, estão suspensas as exportações do estoque público de arroz. O detalhe é que o estoque estatal, que representa cerca de 10% do consumo anual do país, existe para suprir o mercado interno; as vendas externas estão a cargo do setor privado.
A intenção do governo era apenas midiática. Com o anúncio estapafúrdio, pretendeu pressionar os rizicultores. Falou-se num acordo de auto-regulação, em que os produtores se comprometeriam a dar prioridade ao mercado interno. Ficou no ar a ameaça oficial de taxar exportações -como têm feito alguns países em meio à crescente pressão política interna desencadeada pela inflação da comida.
Diante da má repercussão, Stephanes baixou o tom ontem e disse que o governo não tem a intenção de adotar medidas restritivas às exportações de arroz. O saldo da invectiva que patrocinou, no entanto, é muito ruim.
O Brasil produz quase todo o arroz que consome e exporta menos de 5% do que colhe. A safra que está acabando de ser colhida deve crescer, estima a Companhia Nacional de Abastecimento, 5,6% em relação à do ano passado. Ainda assim, o Brasil produz 10% menos arroz hoje do que na safra 2003/2004. Ou seja, é possível aumentar a produção, desde que o preço seja estimulante.
Parece incrível que o Ministério da Agricultura tenha pensado em interferir na formação de preços justamente agora. O Brasil tem excelentes condições de ampliar seu papel de fornecedor mundial de arroz -e de outros produtos do campo- sem sacrificar o mercado interno. A crise global de alimentos traz alguma inflação, mas traz sobretudo oportunidades à economia brasileira. É preciso aproveitá-las.