Clima quente

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Lavoura: mesmo a cultura irrigada corre riscos com o aquecimento global

Lavouras são mais vulneráveis ao aquecimento do planeta .

As mudanças climáticas previstas para as próximas décadas como resultado do aquecimento global poderão colocar em risco a produção agrícola no Brasil. Essa é a previsão de um estudo feito por pesquisadores da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) e da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas). De acordo com o trabalho, o aumento das temperaturas pode provocar perdas nas safras de grãos no valor de R$ 7,4 bilhões já em 2020 – quebra que pode saltar para R$ 14 bilhões em 2070 – e alterar profundamente a geografia da produção agrícola no Brasil.

“O Brasil precisa acelerar o desenvolvimento de variedades de grãos tolerantes a temperaturas elevadas”, alerta o engenheiro agrícola Eduardo Assad, da Embrapa Informática Agropecuária, que coordenou o estudo ao lado de Hilton Silveira Pinto, do Centro de Pesquisas Meteorológicas e Climáticas Aplicadas à Agricultura (Cepagri) da Unicamp. De acordo com Assad, o país deveria investir aproximadamente R$ 900 milhões anualmente em melhora-mento genético para impedir estas perdas.

A dupla avaliou os cenários futuros para nove culturas (arroz, algodão, café, girassol, cana-de-açúcar, feijão, mandioca, milho e soja) diante do aumento de temperatura previsto pelo Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC). As projeções apontam que, com exceção da cana e da mandioca, todas as culturas sofrerão uma diminuição da área favorável ao plantio.

O arroz só não vai sofrer um impacto maior porque atualmente seu nível de produtividade vem crescendo bastante. Por conta disso, estima-se que deve ser possível, mesmo com os danos provocados pelas mudanças climáticas, manter a produção estável nos níveis de hoje e concentrada nas regiões Centro-oeste, Sul e Sudeste.

O trabalho desenvolvido pelos pesquisadores da Embrapa e da Unicamp está disponível no site www.climaeagricultura.org.br/arroz.html.

Vulnerabilidade preocupa setor arrozeiro

Os cultivos de arroz são os mais vulneráveis ao aquecimento global. Estudos realizados em todo o mundo indicam que o aumento nos níveis de dióxido de carbono pode, inici- almente, aumentar o crescimento das plantas, mas o benefício é provisório. O aumento de temperatura vai tornar estéreis as espiguetas do arroz – as hastes delgadas que contêm as flores da planta – e os rendimentos do grão despencarão.

Os dois locais mais severamente afetados pela mudança no clima serão Ásia e África Sub-sahariana. Apro- ximadamente 90% do arroz do mundo é plantado e consumido na Ásia (onde vivem 70% dos pobres do mundo) e a África Sub-sahariana tem o cres- cimento mais rápido de consumidores do mundo. Os sistemas agrícolas mais vulneráveis são as planícies pluviais, que formam quase 80% da área total do arroz na África.

O coordenador do Consórcio de Arroz e Mudanças Climáticas no Instituto Internacional para Pesquisa de Arroz (Irri), nas Filipinas, Reiner Wassman (foto), diz que as estratégias do Irri devem incluir melhoramento de arroz para que a planta consiga sobreviver às mudanças no clima. Ele quer ver plantas tolerantes a maiores temperaturas e/ou inundação, que floresçam de manhã antes da elevação de temperatura (que ocorre durante o dia) e que transpirem (percam água através da evaporação nas folhas) mais eficientemente para refrigerar o ar em torno delas.

O resultado de uma das últimas pesquisas do Irri é a variedade Sub 1 de arroz, que sobrevive submersa por 17 dias. Conforme Reiner, a variedade pode conter genes importantes de tolerância à inundação. Na África, o Centro para Arroz da África (Warda) está focado em suas variedades Nerica (novo arroz para a África). Elas combinam traços do arroz africano oryza glaberrima – como tolerância à seca e à doença local – com os rendimentos elevados do oryza sativa asiático.

Efeito estufa

O Brasil não está entre os responsáveis históricos pelo efeito estufa. Por conta disso, não tem metas obrigatórias de redução de emissões (pelo menos nessa primeira etapa de validade do Protocolo de Quioto, que vai até 2012). Ainda assim, é um dos países em desenvolvimento com destaque negativo no ranking dos maiores emissores atuais de CO2 (inclusive em emissões per capita). Os números do Brasil representam de 3% a 4% das emissões globais.

Ao contrário da China e da Índia, a composição das emissões brasileiras é invertida em relação às globais. Enquanto mundialmente 80% das emissões de CO2 decorrem da queima de combustíveis fósseis (carvão, petróleo) e os outros 20% advêm dos usos inadequados da terra (sobretudo o desmatamento e queima das florestas tropicais), no Brasil, segundo o inventário de emissões de 1994, 75% das emissões resultam do desmatamento (principalmente na Amazônia) e outros usos inadequados.

ENTREVISTA

Embora o Rio Grande do Sul já esteja sendo influenciado pelo aquecimento global, a lavoura de arroz não foi afetada negativamente. Em entrevista para a Planeta Arroz, o pesquisador em agrometeorologia Silvio Steinmetz, da Embrapa Clima Temperado, em Pelotas (RS), explica que, graças aos esforços de pesquisa, estão sendo gerados cultivares voltados à obtenção de altas produtividades.

Planeta Arroz – Qual o impacto do aquecimento global na lavoura de arroz no Brasil, sobretudo no Rio Grande do Sul, que concentra 60% da produção nacional?


Silvio Steinmetz
– "No Rio Grande do Sul as possíveis consequências do aquecimento global podem ser classificadas como positivas e negativas. Dentre as positivas destaca- se a diminuição do risco de frio durante o período reprodutivo (préfloração e floração), hoje considerado um problema crítico para essa cultura. Estudos conduzidos na Embrapa Clima Temperado e outras instituições indicam que, principalmente a partir da década de 1950, tem havido um aumento da temperatura mínima do ar (temperaturas noturnas mais altas), diminuindo, consequentemente, o risco de frio. Outro aspecto positivo é que com o aumento dos níveis de CO2 na atmosfera haveria uma tendência de aumento na produtividade devido à influência desse gás no processo de fotossíntese.
Por outro lado, temperaturas noturnas mais altas aumentam o processo de respiração das plantas, diminuindo, consequentemente, a produtividade. Estudos conduzidos com modelos de simulação na Ásia indicam que para cada aumento de 1°C na temperatura mínima do ar haveria uma redução de 10% na produtividade do arroz. Outro fator que pode afetar a produtividade da cultura é a ocorrência de altas temperaturas, maiores que 35ºC, na fase de floração, causando a esterilidade das espiguetas".
A fronteira oeste é atualmente, e provavelmente também seja no futuro, a região mais problemática nesse sentido.

Planeta Arroz – Qual o cenário para os próximos anos em relação a essa cultura?

Silvio Steinmetz
– "Até o momento, apesar do Rio Grande do Sul já estar sendo influenciado pelo aquecimento global, como indicado anteriormente, a lavoura de arroz não foi afetada negativamente. Pelo contrário, nos últimos anos tem-se obtido níveis recordes de produtividade (acima de 7 toneladas/ hectare-1 ) graças aos esforços dos produtores, das instituições de pesquisa e de extensão rural, que têm gerado cultivares e recomendado técnicas de manejo para obter essas altas produtividades. Em termos de futuro, acredita- se que haja condições de continuar gerando cultivares e técnicas de manejo capazes de cont inuar produzindo bem, mesmo com o aquecimento global. Uma das razões para essa afirmativa é que no processo de geração e adaptação de novas cultivares, por exemplo, os materiais são selecionados, ao longo dos anos, nas condições climáticas existentes. Além disso, o processo de aquecimento global é relativamente lento, permitindo selecionar os genótipos mais apropriados para essa condição.
De qualquer maneira, as instituições de pesquisa precisam gerar conhecimentos e tecnologias que permitam amenizar os impactos das mudanças climáticas futuras na produção de arroz irrigado não apenas no Rio Grande do Sul, mas também em outras regiões produtoras do Brasil e do mundo". (Ver quadro)

Mitigação e adaptação

Medidas sugeridas pela pesquisa para mitigar os efeitos das mudanças climáticas na cultura do arroz irrigado:

1. Desenvolver cultivares apropriadas para a nova realidade (maiores níveis de CO2 na atmosfera; maiores índices de respiração devido às temperaturas noturnas mais altas; menor risco de frio; diminuição do ciclo das cultivares, em particular da fase vegetativa, em decorrência de temperaturas mais elevadas);

2. Aumentar a tolerância das cultivares para a esterilidade de espiguetas devido às altas temperaturas;

3. Adequar o zoneamento agroclimático por épocas de semeadura (zoneamento agrícola), considerando-se séries mais recentes de dados climáticos;

4. Adequar as épocas de semeadura para escapar das altas temperaturas durante a floração;

5. Ampliação do período de cultivo nas regiões atualmente com problemas de frio, viabilizando duas culturas ao ano ou, ao menos, a soca;

6. Desenvolver um novo tipo de planta capaz de produzir mais, mesmo num ambiente mais quente que o atual. Estudos nesse sentido já estão em andamento no Instituto Internacional de Pesquisa de Arroz (Irri), nas Filipinas, e consistem em transformar o tipo atual de planta (C3 ) num tipo C4.

Planeta Arroz – Por outro lado, de que maneira as lavouras de arroz irrigado, no caso do Rio Grande do Sul, influenciam nas mudanças climáticas?

Silvio Steinmetz – "Um aspecto importante é que a cultura do arroz irrigado por inundação produz o gás metano (CH4 ), que é um dos mais importantes na geração do efeito estufa. Estudos devem ser feitos no sentido de quantificar a emissão desse gás em lavouras de arroz e, ao mesmo tempo, de buscar alternativas no sentido de diminuir esse impacto. Deve-se ressaltar que, em termos globais, a geração de CH4 nas lavouras do Rio Grande do Sul (cerca de 1 milhão de hectares) é insignificante (0,67%) quando comparado aos 150 milhões de hectares de arroz irrigado no mundo, sendo que cerca de 90% dessa área encontra-se na Ásia".

Planeta Arroz – O parágrafo abaixo descreve a situação da cultura na Ásia e na África, mas no caso do Brasil é diferente, não? Por quê?

Silvio Steinmetz – "Pelo fato de concentrar a maior área de produção e de consumo de arroz do mundo, a Ásia é uma região que pode sofrer as consequências do aquecimento global, como destacado anteriormente. Entretanto, como no caso do Rio Grande do Sul, acredita- se que as instituições de pesquisa daquele continente terão condições de desenvolver cultivares e técnicas de manejo da cultura que permitam aos produtores manter os níveis atuais de produtividade ou mesmo aumentá-los, apesar das mudanças climáticas previstas".

 >>> Maiores informações sobre o tema “Mudanças climáticas e arroz irrigado” podem ser encontrados na página da Embrapa Clima Temperado/Laboratório de Agrometeorologia (www.cpact.embrapa.br/agromet).

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