Coisa de gaúcho
Se no litoral norte o avanço do sistema pré-germinado está relacionado à migração catarinense, na depressão central do estado este modelo de produção tem características próprias, que levam em conta o rodízio de sistemas de cultivo e a rotação de culturas. “Aqui o pré-germinado é coisa de gaúcho mesmo”, enfatiza o engenheiro agrônomo José Mário Tagliapietra, da Cooperativa Mista Nova Palma (Camnpal), em Dona Francisca (RS).
A cooperativa abrange 230 produtores associados nos municípios de Dona Francisca, Agudo, Restinga Seca, Paraíso do Sul, Candelária e parte de Cachoeira do Sul. “Só em Dona Francisca são 2.350 hectares de lavoura conduzidos dentro deste sistema, mas na totalidade da região a produtividade chega a 180 sacas por hectare, a melhor média do estado”, salienta Tagliapietra.
O sistema pré-germinado foi introduzido na região na safra 1988/89, mas sem muito sucesso. “A produtividade era baixa”, diz o engenheiro agrônomo da Camnpal. “Em Formoso, no interior de Dona Francisca, se colhia 90 sacas por hectare com baixa qualidade. E os problemas eram muitos, como caramujos, algas, não se tratava a semente e ainda não havia a tecnologia da lâmina d’água contínua para não contaminar os mananciais. Com isso, muitos abandonaram o sistema porque não compensava”, relata.
Na safra 2003/04, com a entrada do sistema Clearfield, o pré-germinado acabou voltando à pauta dos produtores, mas desta vez, conforme Tagliapietra, só ficaram os agricultores que faziam a coisa certa. “Alguns afirmavam que jamais adotariam o sistema por causa do barro, mas a partir dos resultados obtidos nas últimas duas safras acabaram mordendo a língua. Hoje, a maioria das propriedades já adota o sistema, não só em função dos problemas com o arroz vermelho, mas para fazer a rotação de cultura. Outro detalhe fundamental: aqui na região 70% das sementes utilizadas são certificadas”, salienta.
Litoral norte adota há 30 anos
No Rio Grande do Sul, apesar de já existir há algum tempo em algumas áreas isoladas o sistema de cultivo com sementes pré-germinadas, foi intensificado a partir da safra 1982/83, em áreas mais tecnificadas no município de Torres, no litoral norte do estado. Mas foi somente no final da década de 1990, com a migração de produtores catarinenses para o estado, que o sistema começou a ganhar força na região. A partir de 2002 o modelo de produção catarinense assume uma identidade mais definida no litoral norte com a instalação da unidade da Cooperativa Agropecuária de Jacinto Machado (Cooperja) em Santo Antônio da Patrulha (RS), inaugurada oficialmente em 2005.
De acordo com o diretor da Cooperja, Valdi Chechetto, a cooperativa já conta com mais de 200 produtores associados na região (basicamente catarinenses), distribuídos em propriedades médias de 250 hectares, que vão de Osório a Torres. “Mas também temos associados em outros municípios gaúchos, como Restinga Seca, Pelotas, São Lourenço do Sul, Viamão e Capivari, inclusive produzindo arroz também no sistema convencional”, acrescenta. Esta estrutura, segundo ele, propicia a unidade processar 2,1 milhões de sacas de arroz (50 quilos) por safra, ou 170 mil fardos (30 quilos) por mês.
Chechetto destaca que toda a produção é industrializada na própria unidade da Cooperja, que conta ainda com 14 silos para armazenagem, cada um com capacidade para 5.100 toneladas. “Basicamente, 80% deste volume é direcionado para atender os mercados do Rio de Janeiro e das regiões Norte e Nordeste do país. Os outros 20% são para exportação”, diz.
A qualidade do arroz cultivado no litoral norte, na análise de Chechetto, está diretamente ligada ao sistema de cultivo pré-germinado adotado pelos produtores na região. “Graças ao sistema conseguimos eliminar o arroz vermelho em nossas lavouras. O custo de produção é elevado, mas dependendo da variedade – basicamente trabalhamos com materiais desenvolvidos pela Epagri e mais recentemente pelo Irga – é possível incrementar a produtividade e consequentemente a rentabilidade”, afirma o dirigente.
Rodízio de sistemas
A fórmula seguida pelos produtores da região segue à risca as boas práticas de manejo preconizadas pelo Projeto 10 do Irga. “O pessoal de SC vem à nossa região para conhecer o modo como aplicamos o sistema. Aqui se plantam duas safras com o sistema pré-germinado, na safra seguinte entramos com o Clearfield, na outra com o sistema convencional e só então retomamos o pré-germinado. Assim, a cada duas ou três safras eles fazem o sistema”, explica.
É o que faz o produtor Rogério José Pesarico, de 42 anos. Ele passou a adotar o modelo em 2010, depois das inundações provocadas pelo El Niño, que arrasaram com as lavouras da região. Atualmente cultiva 17 hectares em Dona Francisca e mais 30 hectares na divisa com o município de Agudo, sendo 29 hectares dentro do sistema pré-germinado e 18 hectares no sistema convencional. “Agora trabalho no sistema de rodízio, dois anos com o pré-germinado, dois anos com o convencional e assim por diante. Na verdade, eu já vinha obtendo altas produtividades no convencional. Na última safra colhi 10,05 toneladas por hectare, apesar dos problemas que tive com acamamento”, conta.
Disponibilidade de materiais
O avanço do pré-germinado na depressão central pode ser mensurado a partir da área ocupada pelo sistema, que já corresponde a 30% das lavouras de arroz na região. “É uma tendência que vem sendo observada nas últimas safras”, confirma Jaceguay Barros.
Um dos fatores responsáveis por este crescimento, segundo ele, é a boa disponibilidade de cultivares para este sistema. “Nos últimos dois anos o destaque tem sido a variedade Irga 425, que se adapta ao sistema. É uma cultivar nova, de pureza genética elevada, resistente à ocorrência de doenças, com qualidade do grão e elevado potencial produtivo. É uma cultivar de ciclo curto, com tempo menor de cultivo, portanto, com custo menor de irrigação. Até então tínhamos à disposição apenas as variedades desenvolvidas pela Epagri”, argumenta.
Barros: controle de invasoras
Aprendendo com os próprios erros
Além da depressão central e do litoral norte o sistema pré-germinado está presente, embora em menor proporção, em toda a região orizícola gaúcha, atingindo mais de 90 municípios. Ainda no final da década de 1980 o sistema começou a migrar para outros centros produtores de arroz, como Tapes e Camaquã, pois o problema do arroz vermelho aumentava em grande proporção.
Uma descrição interessante sobre este período pode ser obtida a partir da experiência do produtor de Tapes, Juarez Petry de Souza: “Há alguns anos, as nossas terras estavam muito inçadas e como elas são bem planas e favorecem a implantação do pré-germinado nós fazíamos o plantio direto. Mas o arroz vermelho era demais e decidi reformular o meu negócio. Juntamente com meu filho recém se formando em Agronomia implantei 1,1 mil hectares de lavoura no sistema pré-germinado, ou seja, toda a área. Quando surgiu o mutagênico, na safra 2004, nós abandonamos o sistema, achando que aquilo era a grande saída. E era realmente.
A Basf, o Irga, a Federarroz e todas as nossas entidades começaram a difundir o sistema Clearfield entre os produtores com a seguinte recomendação: planta dois anos o pré-germinado e faz a rotação de cultura ou planta variedade ou deixa descansando com pecuária. Mas não, o meu erro e o de muitos produtores foi repetir a área sucessivamente e com isso o vermelho acabou cruzando. A gente deveria ter feito como o pessoal de Agudo faz”, reconhece.