Novo estilo, nova alimentação
Mudança do estilo de vida
dos brasileiros influenciou
na dieta e no ganho de peso
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Na avaliação da nutricionista do Instituto Rio Grandense do Arroz (Irga), Cleusa Amaral, um dos ingredientes que levaram a população brasileira a aumentar de peso é o seu novo estilo de vida. “Atualmente as pessoas não têm tempo para se cuidar e um dos aspectos mais afetados é a alimentação, seguida da falta de atividade física. O aumento de consumo de alimentos industrializados, altamente calóricos, como os fast-foods, contribui para esses indicadores. O hábito alimentar moderno se baseia no consumo prático e artificial, onde são incluídos alimentos industrializados com sabor que engana o cérebro e, além de tudo, são práticos, justificado pela falta de tempo em ir para a cozinha”, observa.
A percepção da cadeia produtiva do arroz em relação à mudança nos hábitos alimentares do consumidor não é recente. Desde 1996 as pesquisas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) já apontavam redução no consumo de arroz e feijão. O tema, no entanto, ganhou visibilidade a partir da pesquisa de orçamentos familiares (POF) 2008/09 divulgada em dezembro de 2010 pelo IBGE, que avaliava a queda do consumo de arroz no domicílio em comparação ao aumento de produtos como carnes, lácteos, frutas e refrigerantes.
Embora o levantamento não evidenciasse que os brasileiros estavam comendo menos arroz (simplesmente estavam comendo menos arroz em casa), indicava claramente que a elevação da renda proporcionava às pessoas consumir alimentos mais caros. Isso, somado a outros fatores, fez com que a combinação arroz e feijão fosse gradativamente perdendo espaço para uma gama enorme de alimentos de preparo facilitado e até para os fast-foods.
Além da concorrência com outros alimentos, o arroz (assim como o feijão) erroneamente passou a ser considerado “um dos vilões da balança” e uma das causas para o aumento da obesidade. Entretanto, na visão dos especialistas, o ganho de peso ocorre quando o número de calorias consumidas excede a quantidade usada como combustível para as atividades e metabolismo.
Virtualmente, o arroz engorda assim como qualquer alimento se consumido em quantidades que causam à pessoa exceder seu nível de manutenção de consumo de calorias. “Na verdade, o arroz não é mais provável de causar ganho de peso do que outros alimentos se ingerido em porções adequadas como parte de uma dieta balanceada, saudável e nutritiva”, afirma o engenheiro químico e pesquisador da Fundação de Ciência e Tecnologia (Cientec), Gilberto Wageck Amato.
FUGA
A nutricionista do Irga, Cleusa Amaral, reconhece que a maioria das pessoas foge do feijão com arroz quando iniciam uma dieta para emagrecer, mas garante que não existe motivo para tirá-los do cardápio: “Quando você ingere mais calorias do que você gasta durante as atividades diárias ganha peso. É preciso comer a quantidade certa, como qualquer outro alimento. Um dos mitos que se propagam ainda nos dias de hoje é que a combinação de arroz e feijão engorda. O fato é que a combinação desses cereais não engorda e sim fornece aminoácidos essenciais, além de ser livre de glúten”, compara.
Ela explica que o glúten (proteína encontrada no trigo, aveia, cevada, centeio e no malte) é usado para dar consistência, elasticidade e leveza à massa dos alimentos, em geral, bolos, bolachas, pães e pizzas. “Mas para as pessoas portadoras de doença celíaca, por exemplo, o arroz é 100% recomendável, sem causar os transtornos alimentares de produtos que contenham glúten”, esclarece.
A escalada da obesidade
Priscila: obesidade no país é associada à mudança dos hábitos alimentares
O Brasil passa por uma impressionante transformação ao longo das últimas quatro décadas. Desde 1974, quando o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) fez a primeira pesquisa familiar que registrou peso e altura dos entrevistados, a população tornou-se mais alta. O déficit de altura entre crianças declinou da faixa dos 30% para menos de 10%. No mesmo período, o brasileiro ganhou peso.
Atualmente, o déficit de peso atinge menos de 5% da população, o que sem dúvida é um indicador social positivo e relevante. Mas o excesso, ou sobrepeso, como preferem dizer os médicos, e a obesidade explodiram e o país corre o risco de ultrapassar os Estados Unidos, líder do ranking mundial.
Para a pesquisadora da área de ciência de alimentos – qualidade de grãos, da Embrapa Arroz e Feijão, de Santo Antônio do Goiás (GO), Priscila Zaczuk Bassinello, o crescimento da obesidade reflete diretamente a mudança nos hábitos alimentares dos brasileiros. “As pessoas têm menos tempo, estão mais exigentes e querem diversificar sua alimentação. Tem também a questão do aumento do poder aquisitivo, que é relativa, mas, basicamente, as pessoas hoje têm mais acesso a produtos e alimentos que antes não tinham, que só os ricos podiam consumir. Neste contexto, o arroz e o feijão, por serem alimentos do dia a dia, acabam perdendo a preferência”, analisa.
O médico cardiologista gaúcho Fernando Lucchese chama a atenção para um dado interessante quando se avalia a questão da obesidade no contexto histórico em que estes dois alimentos estão inseridos: “O arroz e o feijão representaram um papel importante no combate à desnutrição e, consequentemente, no desenvolvimento do país. O censo de 1990 apontava para um índice de 30% de desnutridos e 15% de obesos. O censo de 2000 já mostra o contrário: 15% de desnutridos e 30% de obesos”, compara.
Apesar disso, o Brasil foi considerado, segundo a Organização Panamericana da Saúde, o primeiro país do mundo a apresentar medidas concretas para a regulamentação de propagandas de alimentos. A nutricionista do Irga, Cleusa Amaral, entende que o maior desafio está em mudar hábitos alimentares antigos. “É preciso estar consciente de que esta atitude é fundamental para promoção da saúde e prevenção de doenças. E para isso é importante estabelecer hábitos alimentares saudáveis para atingir como prioridade a prevenção do ganho de peso. Incluir o consumo alimentar e a atividade física no âmbito de comportamentos para uma vida saudável é talvez a mais importante tarefa de promoção da saúde”, pondera.
ESFORÇO
A pesquisadora da Embrapa Arroz e Feijão, Priscila Zaczuk, avalia que para reverter este quadro é preciso haver um trabalho de conscientização junto à população e um esforço conjunto envolvendo governo, pesquisa, nutricionistas, médicos e profissionais da saúde. “Temos trabalhado bastante esta pauta junto aos ministérios do Desenvolvimento, do Planejamento e da Saúde. Existem algumas iniciativas por parte de governo, algumas são pontuais, outras não. A questão da merenda escolar, por exemplo, temos vários trabalhos nas escolas. Este é um tema que o RS tem explorado bem. Os pais aprendem a importância sobre como tornar o prato mais colorido, o que engloba o arroz e o feijão, e as crianças desde cedo vão tomando consciência da importância de uma alimentação saudável”, descreve.
Este processo de mudança e conscientização, na análise de Fernando Lucchese, também implica em um esforço individual por parte das pessoas e não se restringe apenas à alimentação. Para o cardiologista, é preciso, sobretudo, mudar o estilo de vida: “Isso envolve a adoção de uma dieta mais saudável, mas também a prática de exercícios, a condução da atividade profissional de forma mais prazerosa, uma vida familiar mais feliz e o controle do estresse. É importante encontrar um ponto de equilíbrio entre todos esses fatores”, pondera.
Acesso de risco
A escala da obesidade no Brasil, segundo o cardiologista gaúcho Fernando Lucchese, se torna mais progressiva a partir do momento em que a população passa a ter mais acesso a alimentos ricos em carboidratos mais simples, como glicose, açúcar e farinhas brancas muito refinadas, em lugar de carboidratos mais complexos, que estão no arroz, no pão, na batata, nas massas e nas fibras. “Os carboidratos simples são digeridos e absorvidos rapidamente, produzindo um aumento súbito da taxa de glicose no sangue (glicemia). Os carboidratos complexos, por outro lado, são digeridos e absorvidos lentamente, ocasionando aumento pequeno e gradual da glicemia”, argumenta.
Lucchese ressalta que os carboidratos simples são mais facilmente quebrados no processo digestivo e, assim, fornecem energia imediata. São encontrados em frutas e sucos, mas dificultam a perda de peso, pois, como são digeridos rapidamente pelo organismo, eles fazem com que os níveis de açúcar no sangue aumentem rapidamente, ocorrendo, assim, a liberação da insulina, que consegue colocar os carboidratos para dentro das células de gordura e músculos. A liberação de insulina previne que o corpo utilize a gordura armazenada por causa do excesso de açúcar presente no sangue, dificultando a perda de gordura.
Conforme o cardiologista, o arroz, quanto mais industrializado, mais pesa no lado dos carboidratos. Já o integral, o parboilizado e as massas integrais apresentam índice glicêmico mais baixo. “O arroz integral, por exemplo, possui mais nutrientes, minerais e um pouco menos de carboidratos que o arroz branco ou polido, que perde nutrientes no seu processamento. Seus benefícios estão relacionados com a diminuição do aparecimento de doenças como câncer, diabetes, cardiopatias e obesidade”, destaca.
O consumo em excesso de alimentos que contenham gordura saturada, como carnes vermelhas e brancas (principalmente gordura da carne e pele das aves), leite e derivados integrais (manteiga, creme de leite, iogurte e nata) e azeite de dendê, também é, na avaliação de Lucchese, outro fator agravante para o aumento da obesidade. Entretanto, ele considera que o risco maior está no consumo de alimentos ricos em gordura trans, que não é sintetizada pelo organismo e está presente nos salgadinhos, consumidos em larga escala no país, especialmente entre as crianças.
É consenso entre os especialistas que a obesidade está longe de ser somente um problema estético, podendo ser associada a doenças cardíacas, pressão alta, infarto, câncer de mama e de cólon, diabetes tipo 2 e sobrepeso na coluna vertebral. “Isso mostra porque o número de cirurgias de redução de estômago cresceu muito nos últimos anos, de acordo com a Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica”, aponta Lucchese.
Epidemia global
A obesidade cresceu a ponto de se tornar uma epidemia global. Entre as principais razões para o excesso de peso estão o sedentarismo e a manutenção de hábitos alimentares pouco saudáveis, como a ingestão de lanches rápidos (fast-food). Estudos recentes apontam que ao redor do ano 2022 cerca de 113 milhões de cidadãos estadunidenses serão classificados de obesos e mais de 81 milhões como acima do peso.
Com os Estados Unidos imbatíveis na liderança da lista, e o Brasil em segundo lugar, o estudo revela que as oito nações com maior número de obesos somam juntas 167 milhões de pessoas. A expectativa é que esse número cresça, em 2022, para 213 milhões. Depois dos Estados Unidos e do Brasil, completam a lista, pela ordem, Canadá, Japão, Grã-Bretanha, Itália, Espanha e França. Os obesos brasileiros deverão em 2022 superar a soma de 64 milhões, quase o triplo do seu número nos dias de hoje.
SOBREPESO
(Em % da população)
Mundo Brasil
35% 50,8%
OBESOS
(Em % da população)
Mundo Brasil
11% 17%
Fonte: Vigitel