Agregar valor faz a diferença
Arroz do litoral norte gaúcho é o primeiro produto agrícola com denominação de origem
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A certificação do arroz por origem ou procedência é, sem dúvida, uma forma de agregar valor ao produto. O cereal produzido no litoral norte do Rio Grande do Sul foi o primeiro produto agrícola do país a receber o registro de denominação de origem (DO), por apresentar características exclusivas, como alto rendimento e maior quantidade de nutrientes, devido ao clima favorável da região.
O presidente da Associação dos Produtores de Arroz do Litoral Norte Gaúcho (Aproarroz), Clóvis Terra, garante que o grão cultivado na região já seja mais valorizado do que os produzidos em outras partes do estado. “Em média, os produtores recebem 10% a mais pelo produto no mercado. O certificado de indicação geográfica (IG) atesta essa melhor qualidade. Mas, para agregar mais valor, é preciso um trabalho de conscientização junto à cadeia produtiva e, principalmente, dos consumidores”, afirma.
Segundo o dirigente, o diferencial do arroz produzido na região está intimamente ligado ao volume de grãos inteiros, mais íntegros, sem o “gesso”, como são comumente chamadas as manchas brancas dentro do grão. “Na verdade, estas manchas são ‘microbolhas’ de oxigênio, que se formam em consequência das oscilações climáticas das outras regiões produtoras. Como este grão é mais compacto, consequentemente, tem mais volume de amido. Como o amido absorve a água, quanto mais amido, maior o rendimento de panela”, descreve.
Terra, no entanto, lamenta que a certificação ainda não esteja trazendo resultados econômicos aos produtores. “Este é o ‘nó górdio’ das IGs. Como teremos que trabalhar inicialmente com baixos volumes, não somente no arroz, mas também em outros produtos, sua viabilidade industrial se torna complexa e onerosa. Por outro lado, a indústria, para investir, deseja que a IG possa ser usada como sua ‘marca’ ou algo assim. Desta forma, as coisas se tornam mais difíceis. Mas sou otimista, daqui a pouco chegaremos lá”, assegura.
Ele ressalta que ainda são necessários investimentos, não somente privados como públicos, para que as IGs deslanchem no Brasil. “Como sabemos, ainda existe uma base cultural bastante modesta, e isto só se modifica com cultura, inclusive a de consumo alimentar”, acrescenta o dirigente.
Outra forma de certificação é a indicação de procedência (IP). A IP é caracterizada por ser o nome geográfico conhecido pela produção, extração ou fabricação de determinado produto, ou pela prestação de dado serviço, de forma a possibilitar a agregação de valor quando indicada a sua origem, independente de outras características. Protege a relação entre o produto ou serviço e sua reputação, em razão de sua origem geográfica específica, condição esta que deve ser, indispensavelmente, preexistente ao pedido de registro.
PARBOILIZADO
O arroz parboilizado também se caracteriza por ser um produto de maior valor agregado. Para o pesquisador da Cientec, Gilberto Amato, uma das maiores autoridades no assunto, este é um mercado que apresenta duas visões distintas. “A visão pessimista destaca que o parboilizado representa, no Brasil e no mundo, ‘apenas a quarta parte’. A mesma participação, no Brasil, pode ser analisada como altamente positiva ao considerar-se que, há uma geração, era somente de 4% do total de arroz produzido e consumido. Boa parte desse acréscimo quantitativo pode ser atribuído a aportes na qualidade. Nesse período ocorreu um salto conceitual, com a transformação de engenhos em fábrica de alimentos”, relata.
Este novo paradigma, conforme Amato, tem como referência os critérios do Selo de Qualidade Abiap. “As inovações em processos, hoje espraiadas pelo continente, ocorreram pelo protagonismo Cientec e do grupamento técnico das principais indústrias do Sul do país. Os avanços observados na última década no viés produto têm sido conduzidos pelo Laboratório de Grãos da Universidade Federal de Pelotas (Ufpel), com dezenas de teses e dissertações indutoras de inovações”, diz Amato.
Marketing deve ser permanente
A qualidade do arroz cultivado no Rio Grande do Sul já é reconhecida internacionalmente, dado que pode ser confirmado pelo crescimento das exportações brasileiras do cereal e de novos mercados que vêm sendo conquistados a cada ano. Entretanto, este reconhecimento ainda não encontra respaldo suficiente no mercado interno para alavancar o consumo do grão.
Em termos de marketing, ter um produto de qualidade, como bem analisou o presidente da TCA Internacional, Luiz Tejon Megido, no painel “Como transformar arroz em caviar”, apresentado na Abertura da Colheita, em Mostardas, é o requisito básico mais importante, mas é fundamental saber vender o produto. “O arroz produzido nos Estados Unidos não supera o brasileiro em qualidade, mas o marketing deles é melhor”, observou o palestrante.
Há uma série de questões neste campo que, segundo os especialistas, ainda precisam ser mais bem trabalhadas. “É inegável que existe um pré-conceito muito grande em relação ao consumo. Qualquer campanha de incentivo ao consumo de arroz no Brasil deve passar inicialmente por ações com o objetivo de desmistificar questões como ‘comer arroz engorda’, ‘arroz é comida de pobre’ ou ‘arroz se come em casa’. Chegam até a falar que arroz tem colesterol”, argumenta Tiago Sarmento Barata.
De acordo com o analista, é preciso enaltecer os atributos positivos do alimento mais tradicional da sociedade brasileira. “As ações devem ser inicialmente focadas nos formadores de opinião da área da saúde e gastronomia, como médicos, nutricionistas, professores de Educação Física, chefs de cozinha, etc.”, complementa.
Na visão do consultor Rodrigo Rizzo, não basta realizar uma campanha de fomento por um determinado período. “Isso deve ser feito de forma permanente, como ocorre nos Estados Unidos. Ainda temos espaço para trabalhar melhor as nossas lavouras, minimizando as perdas e adotando as praticas de manejo recomendadas. Canalizar recursos para o sistema produtivo é importante, porém não é suficiente. É vital investirmos mais no marketing do produto”, destaca.
Para Rizzo, a utilização de ferramentas adequadas de marketing, que devem ser permanentes, gera um custo inicial, mas em médio e longo prazo estes investimentos podem ser revertidos em aumento nas vendas. “Está na hora de avançarmos mais no que diz respeito a essa questão. O consumo de arroz na forma como tradicionalmente vem ocorrendo dificilmente terá um acréscimo. Mas, se conseguirmos transmitir ao consumidor o cuidado e a forma como o cereal é produzido o arroz, ele acabará percebendo o quão importante é este alimento e os benefícios que traz para a saúde, e poderá até vir a pagar mais por este produto”, estima.
O consultor da GeAgro cita como exemplo a bem-sucedida campanha de aumento do consumo da carne suína, que em um curto espaço de tempo elevou o consumo médio do produto em praticamente 25%. “O que eles fizeram? Primeiro, foram ouvir o que o consumidor estava pensando. Depois, fizeram o dever de casa, adequando o produto ao que seu cliente desejava. Permanentemente, através do Projeto Nacional de Desenvolvimento da Suinocultura, eles seguem aprimorando as estratégias de marketing para garantir a preferência do consumidor”, diz Rizzo.
CLAREZA
O presidente da Federarroz, Henrique Dornelles, também apresenta uma abordagem interessante sobre o tema: “Hoje, possuo a clareza de que a melhor campanha de marketing que deveríamos fazer ao arroz seria ampliar a visão que se tem da lavoura irrigada, do jeito gaúcho de cultivar o grão, mostrando nossa cultura, quem é o arrozeiro e sua luta na condução da água. Valorizar nosso sistema mecanizado de cultivo, a complexidade da colheita, licenciamento ambiental, armazenagem e tecnologia da nossa indústria”, descreve.
Dornelles está convicto de que a estratégia funciona: “Nunca mais esqueci o brilho nos olhos dos integrantes de uma comitiva de estrangeiros quando apresentei o vídeo da 24ª Abertura da Colheita e expliquei como era nosso sistema de cultivo de arroz. Um deles, inclusive, solicitou-me o vídeo para apresentar em seu país. Acredito que realmente isto venda! Quem, afinal, ao ver a imagem de um cacho de uva ou mesmo um cálice de vinho, não se lembra dos parreirais da Serra gaúcha, da alegria das pessoas com cestos a colher a fruta, das refeições em família embaladas pelas canções que os imigrantes trouxeram da Itália. Pois acredito que, com o arroz, também pode ser assim”, garante o dirigente.