Arroz parboilizado: qualidade voltada para o mercado
Autoria: GILBERTO WAGECK AMATO
Eng. Químico, M.Sc.
Irga Centro de Excelência do Arroz.
Os primeiros passos do processo
Tem-se escrito que a parboilização do arroz teve origem há centenas de anos, registrada através de fatos e lendas. Estas têm um lugar-comum, independentemente do local onde ocorreu: sempre relacionadas a um acidente, onde o arroz teria sido molhado – pela chuva ou por ter tombado em um rio – e, para sua conservação e comercialização, foi seco às pressas. Praticava-se assim uma gelatinização incipiente. A primeira constatação positiva do processo foi a facilidade na retirada da casca, razão pela qual o tratamento hidrotérmico (encharcamento, gelatinização e secagem) passou a ser realizado conscientemente.
Faz-se necessário uma contextualização no tempo e no espaço. Os fatos situam-se muito antes da Revolução Industrial, onde o esforço humano para descascamento, geralmente praticado por mulheres, era conduzido no tradicional pilão. Geografia dos fatos iniciais: Ásia e África.
A evolução
Transpostos tempos e espaços, com fatos recorrentes, algumas histórias congêneres surgem no Brasil na metade do século passado. Os fatos encontram-se registrados nos quatro livros temáticos publicados no mundo, sendo os três mais recentes (1991, 2002 e 2005) em língua portuguesa.
Tal como ocorreu no desenvolvimento do avião, o processo de parboilização foi sendo aperfeiçoado simultaneamente em vários locais. Com o aporte de novos conhecimentos e novos materiais, chega aos tempos atuais com o conceito de “indústria de alimentos”. Ocorre o descolamento dos conceitos de “engenho”, onde o processamento “a seco” é menos exigente quanto à higiene exigida pelos processos via úmida.
Cumpre registrar que os conceitos de higiene na produção de alimentos têm fundamentação no trabalho de dois franceses: (1) Nicolas Appert (1749-1841), atendendo demanda de guerra de Napoleão, estabeleceu a base da conservação de alimentos moderna, através do enlatamento, originando o termo técnico internacionalmente consagrado no meio acadêmico como “appertização”, e (2) Louis Pasteur (1822-1895), com a “pasteurização”, trazendo à luz solução para a contaminação de alimentos por microorganismos.
O marco histórico da FAO
Dando um salto no tempo, pode-se dizer que a “certidão de nascimento” da parboilização moderna ocorreu em 1949, na Reunião de Bangkok, com o seguinte registro:
“Parboilizando: obtém-se de uma certa quantidade de arroz em casca (paddy) mais arroz polido e com menos quebrados; …permite obter um produto que se conserva muito mais tempo que o arroz comumente produzido e retém mais elementos nutritivos durante o seu processamento… Como conseqüência positiva da parboilização resulta uma grande economia de arroz e, o que é mais importante ainda, de valiosas vitaminas e de minerais”.
O Brasil acorda em 1988
Com atraso de quatro décadas em relação à posição da FAO e um século à de Pasteur, a evolução chega finalmente ao Brasil. O fato marcante foi a edição da Portaria 269/88, do Ministério da Agricultura. Com o intuito de inibir o crescimento de bactérias (termófilas), surge a exigência legal de conduzir a primeira operação unitária (encharcamento) em temperatura superior a 58ºC. Este fator, aliado a um avanço (tímido) na intensidade da gelatinização, constitui-se em importante marco para evitar alterações pelo mau odor que acompanhava o produto por três décadas, estagnando o consumo. Aliado a outros fatores concorrentes, o arroz parboilizado, nesse período, passa de cerca de 4% para 25% em relação ao total de arroz consumido.
Os bons momentos atuais
A evolução da qualidade do parboilizado produzido no país, nas últimas décadas, apresentou reflexos diretos no consumo.
Dos Estados Unidos veio o aporte de conhecimento através do processo Malek, base da rota tecnológica da autoclave.
E da Itália vem a agitação do momento, pelo processo Gariboldi (Cristallo), através do processamento completamente selado em relação ao meio externo, ao mesmo tempo em que traz como novidade a possibilidade de utilização de arroz esbramado (integral) como matéria-prima e a obtenção de arroz de cozimento rápido.
Estas tecnologias estão amplamente descritas na bibliografia nacional.
Desde 1989 um novo paradigma de qualidade surge com o Selo de Qualidade Abiap, da Associação Brasileira das Indústrias de Arroz Parboilizado, que preconiza critérios técnicos “pétreos” envolvendo as boas práticas de fabricação, com atenção à utilização de água potável, gelatinização dos grãos por autoclave, proibição de gases da combustão na secagem e comprovação de licenciamento ambiental, entre outros. A auditoria é feita pela Ufpel.
Outra mudança radical diz respeito à matéria-prima. As empresas de ponta estão obtendo importantes espaços comerciais por terem abandonado a visão do aproveitamento de matéria-prima inferior.
Tendo estes critérios como benchmark, outras instituições como Sindarroz-SC e Siamt-MT têm incentivado seus associados com importantes programas de qualidade. O resultado tem sido o constante aprimoramento na qualidade do produto, motivando a indústria nacional a novos desafios.
Na busca de agregação de valor ao arroz e aumentar o espectro de opções no mercado, começam a surgir novos saltos tecnológicos, como através da tecnologia Gariboldi, em sua terceira geração de desenvolvimento, permitindo a obtenção de arroz parboilizado de várias intensidades de cor.
Enfim, a união dos atributos nutricionais do parboilizado com iniciativas dos engenhos na busca da qualidade é um dos esforços para atingir ao mais antigo-novo objetivo: o atendimento à demanda do mercado.