Chuvas no RS: MST estima perda de 10 mil toneladas de arroz

 Chuvas no RS: MST estima perda de 10 mil toneladas de arroz

(Por Carolina Mainardes, PR) As primeiras estimativas do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) do prejuízo causado pelas chuvas nos assentamentos do Rio Grande do Sul apontam para perdas de 100% da produção de arroz que estava no campo. O montante pode chegar a 10 mil toneladas de arroz – orgânico e em transição para o agroecológico -, o que representa quase 50% do que estava previsto para a safra 2023/24. “Não tem como recuperar, o que não colheu, morreu”, lamenta Salete Carollo, integrante das direções nacional e estadual do MST.

O movimento é considerado o maior produtor de arroz orgânico do Brasil e da América Latina. Segundo Salete, do total de 2.800 hectares de arroz agroecológico plantados no Estado gaúcho na safra atual, em torno de 755 hectares foram perdidos, o que representa 26,9%. Além disso, foram perdidos 765 hectares da produção do arroz em transição. Somando os dois tipos de arroz cultivados no Rio Grande do Sul, as perdas totalizam 1.520 hectares.

O prejuízo gira em torno de R$ 9,8 milhões para os agricultores assentados, considerando somente as perdas com o arroz, produzido e comercializado coletivamente. Seis municípios da Região Metropolitana de Porto Alegre foram os mais atingidos.

Hortas embaixo d’água

O agricultor Diego Severo, do Assentamento Filhos de Sepé, em Viamão (RS), que representa um grupo de três produtores no sistema coletivo, concluiu a colheita da plantação de 35 hectares de arroz orgânico dois dias antes da chuva começar. Apesar da redução de 40%, em média, na produtividade por causa do plantio fora da janela, ele ainda comemora que não teve perdas com as enchentes das últimas semanas: “a área foi toda coberta pela água”.

Imagens de satélite mostram como ficou o assentamento Filhos de Sepé, em Viamão (RS) — Foto: MST / Divulgação

As perdas também são significativas nas hortas dos assentamentos, outra atividade produtiva de relevância entre os agricultores do movimento. Segundo dados do MST, somente na Região Metropolitana de Porto Alegre – uma das mais atingidas pelas enchentes – são 200 famílias envolvidas na produção de hortaliças e frutas.

Dessas, 130 famílias têm a produção orgânica. A atividade engloba em torno de 300 hectares e a estimativa do movimento é que 85% das 200 famílias – em torno de 170 famílias – tenham perdido toda a produção. Considerando os produtos principais de produção nas hortas, o prejuízo calculado é de R$ 35 milhões.

“As hortas ficaram embaixo d’água e as estufas foram totalmente destruídas. É uma perda imensa, que atinge diretamente o agricultor camponês”, frisa Salete.

Além das feiras agroecológicas, muitos hortifrutigranjeiros têm contratos governamentais de repasse de produtos, como o programa de merenda escolar. Ela explica que, em média, cada família possui 2 hectares de produção de hortaliças, baraços, raízes e frutas. As folhosas só voltarão a produzir depois de 45 a 60 dias após a retomada da produção e os demais cultivos (beterraba, cenoura, aipim, batata doce, morangas, abóboras etc.)apenas na primavera, com produção prevista para 2025.

Assentamento Integração Gaúcha, em Eldorado do Sul (RS), foi um dos mais atingidos pela enchente — Foto: MST / Divulgação

A agricultora Márcia Riva cultivava cogumelos em Eldorado do Sul, no assentamento Integração Gaúcha, um dos mais atingidos pela enchente. Ela é feirante e conta que foi acolhida na casa de uma família de clientes da feira ecológica, sem expectativa de quando poderá deixar o local e retomar a produção. “Para a gente voltar para o nosso território, precisamos ter uma casa, o que não temos agora”, frisa.

Da produção de cogumelos, cujo cultivo ocorre em ciclos, ela estima que terá um prejuízo de R$ 40 mil com o lote que perdeu. Além disso, Márcia atua na padaria de alimentos orgânicos do movimento, que também fica em Eldorado Sul e registrou grandes perdas.

Ela comenta que a água destruiu toda a produção do assentamento, inundou casas e cobriu maquinários. “Foi perda total da produção e das casas, são mais de 70 famílias desabrigadas, que só saíram com a roupa do corpo”, adverte. Ainda assim, ela comenta que algumas ações já estão sendo realizadas, no sentido de buscar donativos e ajuda financeira para retomar as hortas e estufas. “Temos várias frentes de trabalho em andamento, com grupos setorizados, e boa interlocução com clientes e parceiros, para começar a reconstruir nosso trabalho que é o berço da agroecologia”, ressalta.

“É impactante, a água chegou a 2,20 metros de altura dentro do prédio”, relata Marinês Riva, integrante da administração da cooperativa. A entidade acredita que os prejuízos passarão de R$ 1 milhão. Os estragos ainda serão avaliados, mas a constatação preliminar é que a maior parte dos equipamentos tenha sido danificada, entre eles amassadeira, boleadeira, sovadeira, batedeira, fatiador, geladeiras, freezers, fornos e o estoque de alimentos que estava no depósito.

“Não sei quando poderemos repor tudo. Já estamos negociando os boletos do que ainda nem terminamos de pagar”, conta Marinês. A produção da padaria, antes do alagamento, era de 500 pães e bolos integrais por semana. Em torno de 20 famílias de agricultores do Assentamento Integração Gaúcha dependem da renda obtida com a comercialização dos produtos, que abasteciam feiras agroecológicas, lojas de produtos orgânicos e naturais.

Parte da produção também era direcionada para merenda escolar. Além disso, Marinês ressalta que a Cooperativa dos Trabalhadores Assentados da Região de Porto Alegre (Cootap) prevê uma dívida de R$ 8,5 milhões, tendo em vista adiantamentos para compra de adubos, insumos, equipamentos e máquinas, que seriam pagos pelos associados com a produção da safra. Ela observa que, no total, o orçamento para reconstrução dos assentamentos, incluindo infraestrutura com casas, área de plantio e estradas pode chegar a R$ 1 bilhão.

Contabilizando as perdas

César Fernando Schiavon Aldrighi, presidente do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), comenta que o órgão já trabalha para levantar informações mais precisas sobre a situação dos assentamentos atingidos pelas chuvas no Rio Grande do Sul.

“O Estado tem aproximadamente 12.300 famílias assentadas e em torno de 10% delas estão na região metropolitana. Sem dúvida, essas foram as famílias mais afetadas”, afirma. César explica que foi constituído um grupo de trabalho com o objetivo de diagnosticar a situação. Entre o material utilizado pelo grupo estão imagens de satélite que revelam a situação antes e depois das chuvas, com vários assentamentos praticamente cobertos pela água. As imagens de satélite fazem parte da plataforma Brasil Mais, da Polícia Federal. O órgão também utiliza a base de dados geoespacial do Incra.

“Será uma tarefa difícil, porque a água ainda está subindo e em algumas regiões ainda está chovendo muito”, enfatiza. O presidente conta que a sede do Incra no Estado, que fica no Centro Histórico de Porto Alegre, foi inundada e, além disso, boa parte das rodovias ainda está interditada, o que dificulta aos funcionários do órgão irem a campo.

Até o momento, o Incra levantou que 420 famílias de agricultores assentados foram gravemente atingidas. A maioria delas está nos abrigos e teve as terras totalmente cobertas pela água. César confirma que os produtores de arroz em áreas irrigadas e de hortaliças foram os mais afetados. “É muito difícil dimensionar os prejuízos nos aspectos econômico, ambiental e emocional dessas pessoas”, considera.

Frente a isso, o presidente do Incra admite que a solução será, depois que a água baixar, viabilizar uma área em terreno mais alto, sem risco de inundação, para realocação dessas famílias: “elas não querem voltar para as regiões atingidas, uma vez que perderam tudo e terão que se reestruturar emocionalmente”.

O projeto de reestruturação produtiva para os assentados da reforma agrária envolve prorrogação de prazos para pagamento de linhas de crédito, instalação das famílias e estrutura para a retomada da produção de alimentos. Para isso, a pauta do Incra inclui, de acordo com o presidente, diálogo constante com a superintendência do órgão em Porto Alegre, assim como com o Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar do Brasil e a Casa Civil. Ele acha prematuro falar em valores neste momento em que o diagnóstico ainda está sendo iniciado.

Também está nas mãos do Incra a identificação dos territórios quilombolas atingidos pelas chuvas. O Rio Grande do Sul conta com 140 dessas áreas, que concentram em torno de 6 mil famílias. “Em todas essas frentes, estamos à disposição para dialogar, coletar e apresentar informações e buscar planos com créditos complementares à medida que as perdas forem sendo identificadas”, resume.

 

Deixe um comentário

Postagens relacionadas

Receba nossa newsletter