Custo da energia quase triplicou na lavoura de arroz

 Custo da energia quase triplicou na lavoura de arroz

Administrador de empresas, pós-graduado em administração rural e agropecuarista em Alegrete e Quaraí, GUSTAVO FLORES DA CUNHA THOMPSON FLORES, 43 anos, é um dos grandes especialistas em temas ligados ao consumo, geração e distribuição de energia elétrica para irrigação das lavouras e atendimento das propriedades rurais gaúchas. Diretor financeiro da Federação das Associações de Arrozeiros do Rio Grande do Sul (Federarroz), ele também é representante da Federação da Agricultura e Pecuária do Rio Grande do Sul (Farsul) no conselho de consumidores da RGE, distribuidora de energia que atende boa parte das regiões arrozeiras do estado.

Planeta Arroz – O senhor é um produtor de arroz, soja, milho e pecuária na Fronteira-Oeste, exatamente onde nos últimos anos tem ocorrido muitos problemas com a distribuição de energia elétrica, e ao mesmo tempo se tornou um representante da classe rural no conselho de consumidores da RGE. Qual é, atualmente, o grau de dependência da lavoura arrozeira e qual o perfil dessa demanda?

Thompson Flores – A lavoura de arroz é extremamente dependente da energia elétrica, pois as estações de bombeamento, em sua ampla maioria, são movidas por esta fonte de energia. Atualmente, na área de concessão da RGE são mais de 2.500 irrigantes. No Rio Grande do Sul há duas grandes concessionárias – CEEE e RGE (fusão da AES Sul (RGE Sul) e RGE) – e as cooperativas de eletrificação, que somadas chegam a aproximadamente 4 mil consumidores irrigantes. Nos tempos da AES Sul, 10% da energia contratada (distribuída) era para uso dos irrigantes.

Planeta Arroz –Há uma política de preços e serviços diferenciada para os irrigantes?

Thompson Flores – O irrigante possui o benefício do horário reservado, que proporciona 70% de desconto na tarifa verde de irrigação para utilização das 21h30min até as 6h. Em alguns estados do Nordeste, este desconto chega a 90%. Também há substituição no ICMS.

Planeta Arroz – A energia elétrica é um dos componentes importantes do custo de produção na orizicultura. O senhor sabe quanto ela representa e quanto a falta de eficiência do serviço pode acarretar em custos ou prejuízos na lavoura de arroz irrigado?

Thompson Flores –A energia é imprescindível para o andamento das operações e desenvolvimento da lavoura. Um dia sem energia nos levantes necessita de vários dias até “emendar” a lâmina de água necessária para o desenvolvimento das plantas novamente. Um período sem irrigação pode comprometer toda a lavoura e toda a safra.

Planeta Arroz – Nos últimos anos aumentaram as queixas sobre problemas na distribuição, como falta de energia e de manutenção das redes em momentos críticos da irrigação, e, principalmente, sobre os custos. O que está acontecendo e como o arrozeiro está lidando com isso?

Thompson Flores – Sim, houve problemas que levaram à mobilização setorial e no conselho. A partir disso houve investimentos nestes últimos tempos no sentido de melhorar as redes de distribuição, porém ainda falta investir mais no reforço do cabeamento, novas subestações e alimentadores para equilíbrio do sistema elétrico de distribuição. Com relação aos anos anteriores, atualmente temos uma rede melhor. No entanto, sabemos que ainda muito longe do ideal.

Planeta Arroz –Há uma queixa geral dos produtores sobre o aumento dos custos de energia elétrica enquanto o arroz sequer atingiu o patamar médio do custo de produção no Rio Grande do Sul. Como isso está interferindo na lavoura?

Thompson Flores – Por regra, os aumentos de energia se dão pelas revisões tarifárias a cada cinco anos e pelos reajustes tarifários anuais. No ano de 2019 tivemos aumento de 1,72%, em 19 de junho. O problema é que desde 2012 houve aumentos muito significativos, que neste período somam 270%. Nestes últimos anos este custo foi o que mais subiu e hoje é um dos mais pesados no cômputo total da lavoura irrigada, representando aproximadamente 8% sobre a planilha final de custos do arroz, enquanto em 2012 representava 3%. Claro que estes números variam conforme a lavoura. A situação conjuntural da orizicultura é muito difícil, com problemas para equilibrar custo de produção e preço do produto final e renda. Assim, não há como absorver nenhum aumento de custo produtivo. Desta forma, o produtor acaba restringindo algum insumo em prol de outro e muitas vezes fecha as contas no vermelho para concluir a safra. O avanço do preço da energia não é a única, mas tem sido uma das variáveis que aumenta o custo final da lavoura. Com o custo alto e o preço baixo há o problema da renda.

Planeta Arroz – Há um diagnóstico dos problemas e quanto seria necessário investir nas regiões arrozeiras para reduzir ou eliminar os mais comuns? Quais as regiões com maiores dificuldades nessa área?

Thompson Flores –Temos problemas estruturais que precisam ser corrigidos, mas atualmente o maior problema frente a concessionária RGE (CPFL) é a falta de acesso e comunicação por parte deles com os usuários e tomadores. A burocracia e os canais de atendimento oferecidos dificultam muito o acesso adequado aos clientes. Embora o conselho de consumidores venha cobrando ações, a concessionária não se mostra disposta a solucionar os problemas como deveria. E, as agências reguladoras, como Agergs e Aneel, são muito complacentes, não agindo na velocidade que os consumidores precisam.

Planeta Arroz – Há várias notícias de interesse das empresas do ramo da energia em aumentar o valor das tarifas novamente por motivos que vão desde um suposto investimento e modernização das redes e sistemas até o impacto do clima – como no sistema das bandeiras – sobre a geração de energia. É verdade ou são boatos? Como a lavoura está reagindo a isso e o que podemos esperar do futuro desta relação?

Thompson Flores – Os aumentos se dão através das revisões tarifárias, onde são somados os investimentos e melhorias feitas no período de cinco anos para serem corrigidos na tarifa. O conselho de consumidores e as entidades representativas, como Federarroz, Farsul, Federasul, Fiergs, Famurs e Fracab, estão sempre alertas para que este reajuste seja justo e coerente.

Planeta Arroz – Como a lavoura está acompanhando a proposta de tributação da produção de energia solar, que até agora parecia ser um caminho alternativo importante para o produtor rural?

Thompson Flores – A produção própria de energia baixa o custo significativamente. Hoje o Brasil tem uma planta instalada geradora de energia de 70 GW e consome 62 GW. Se a economia tiver uma pequena reação, esbarraremos na falta de energia. Não incentivar a geração distribuída (GD) é um retrocesso. Mas quanto a ela, os problemas são as regras, elas não são claras e o empreendedor deste tipo de projeto sempre fica vulnerável às alterações que acontecem no meio do caminho, não podendo prevenir-se. Acaba correndo o risco de perder parte do seu investimento ou até inviabilizá-lo.

Planeta Arroz – No papel de conselheiro da RGE, que metas e demandas o senhor tem levado ao debate e em defesa do setor?

Thompson Flores – São muitas… Entendo que o papel principal do conselheiro é fazer a interlocução com a concessionária, seja para cobrar, seja para alertar e informar. A RGE, quando comprou a AES Sul, acho que não tinha ideia do sistema de irrigação de arroz utilizado na metade sul do “fim do sul do Brasil”. E para a CPFL, atual dona da RGE, mais difícil ainda entender este sistema que utilizamos aqui. Já tivemos diversas reuniões com diretores da empresa para apresentação deste modelo, também levamos demandas de todos os segmentos rurais. O conselho promove reuniões e workshop em várias cidades para esclarecimentos de consumidores e da empresa. Contribuímos em todas as audiências públicas pertinentes, inserindo textos que tragam melhorias aos consumidores.

Planeta Arroz – Houve até um alerta sobre a cobrança de bandeiras sobre o horário reservado…

Thompson Flores – Sim. Através de uma demanda da Federarroz, a classe rural do conselho teve êxito colaborando em uma audiência pública e apresentando um trabalho justificando a retirada da cobrança das bandeiras tarifárias do horário reservado. Também continuamos cobrando a demora na liberação de ligações e o problema dos erros de faturamento e de cobranças indevidas (Res. 414/2010, Art. 113).

Planeta Arroz – O senhor acredita que os serviços devem melhorar?

Thompson Flores – Sim. Mas como eu disse, numa velocidade inferior ao que esperamos e ainda bem longe do ideal.

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