Daire Coutinho: “o produtor precisa ter cautela e os pés no chão neste momento”

 Daire Coutinho: “o produtor precisa ter cautela e os pés no chão neste momento”

Daire Coutinho: presidente da Câmara Setorial do Arroz e agricultor

(Por Cleiton Evandro dos Santos, AgroDados/Planeta Arroz) Produtor de arroz em Camaquã, e líder setorial, Daire Coutinho está concluindo a sua colheita com um olho na lavoura e outro em Brasília (DF) onde desempenha a importante e estratégica função de presidente da Câmara Setorial do Arroz, órgão de aconselhamento e interlocução da cadeia produtiva criado pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA). No Grupo de Trabalho das Câmara Setoriais, que se reuniu diretamente com a ministra Tereza Cristina para apresentar as demandas de cada segmento do agronegócio nacional, Coutinho abordou não apenas aspectos relacionados à orizicultura, mas a necessidade das políticas públicas também se voltarem à redução dos fatores que formam o custo de produção da agropecuária brasileira. Segundo ele, a elevação do desembolso com insumos, entre eles energia, combustíveis e defensivos alcançam um patamar que beira, em alguns lugares, metade do valor de mercado da terra, o que é um absurdo.

Planeta Arroz – Na condição de presidente da Câmara Setorial do Arroz, como o senhor está acompanhando o andamento da safra 2021/22?

Daire Coutinho – Bem, eu não tenho como dissociar a minha condição de produtor da função que eu exerço na Câmara Setorial, uma é influenciada pela outra, então preciso me posicionar como tal.

Planeta Arroz – Perfeitamente, e quais as suas impressões sobre esta temporada, em especial no Rio Grande do Sul?

Daire Coutinho – Olha, eu tenho algumas considerações que considero que devem ser expostas e são necessárias neste momento tão conturbado para a orizicultura, em especial a gaúcha. Estamos com pouco mais de 50% da área colhida, tivemos chuvas que afetaram o andamento esta semana, mas ainda não temos uma visão mais consolidada em relação ao volume de produção nem no Estado, que representa mais de 70% da safra anual brasileira de arroz, nem no país. Temos uma situação de perdas e problemas de qualidade em parte das colheitas já realizadas por causa da estiagem localizada, mas numa ampla área, que se apresenta bem significativa, entre 30 mil e 40 mil hectares abandonados, isso são quase 5% da área.

Planeta Arroz – Mas, além das áreas abandonadas houve outros prejuízos?

Daire Coutinho – Sim, sabemos que há outras áreas em que a irrigação foi prejudicada por falta de água, em especial nos arroios de pequena vazão, onde muitos secaram. E isso afeta a produtividade. Tanto como produtor quanto como presidente da Câmara a minha visão sobre isso é bem clara, acredito que os números, totais, devem ser efetivamente levantados e analisados, mas de forma alguma especulados como um fator de interferência nos mercados.

Planeta Arroz – A falta de informações mais precisas acaba gerando expectativas diversas…

Daire Coutinho – Sim. Mas, o mercado é soberano. O que se está demonstrando em termos de comercialização e essa atitude de firmeza dos preços do mercado estão muito ligados a isso. Tanto produtor quanto indústria sabem o que está acontecendo: dificuldades em qualidade de grãos de uma parte da safra em função altas temperaturas, outras áreas perdidas, agora tivemos granizo em algumas áreas pontuais, ainda ligada e estes fatores climáticos e às altas temperaturas tivemos a formação de temporais e isso tudo vai interferindo no andamento e no resultado da colheita.

Planeta Arroz – Quando o senhor acredita que será possível mensurar melhor a safra?

Daire Coutinho – Creio que dentro de mais uns 15 dias teremos este cenário bem mais claro, será possível mensurar melhor as perdas seja pela redução da produtividade ou pelas áreas abandonadas.

Planeta Arroz – E, na sua opinião, como isso interfere na comercialização?

Daire Coutinho – Essa conjuntura de safra, com a certeza de perdas de áreas e a tendência de uma produtividade menor no Estado, fazem projetar um ano de comercialização mais ajustada. A oferta estará mais apertada em relação à demanda e também as margens entre custos e preços de mercado. Mas, esse é o retrato que temos do momento e indica uma tendência. O mercado do arroz está cada vez mais complexo e há muitas variáveis que podem interferir. É preciso ter cautela.

Planeta Arroz – Diante deste cenário, que posição o senhor aconselharia ao produtor em termos de comercialização?

Daire Coutinho – Acima de tudo, cautela. Ofertar de acordo com suas necessidades e acompanhar o mercado até que ele se torne mais claro.

Planeta Arroz – Ao mesmo tempo os custos de produção chegaram a um nível muito preocupante…

Daire Coutinho – É fato! Eu vejo com muita preocupação o aumento dos custos de produção do arroz, pois é algo que se torna cada vez mais um componente que traz uma grande interrogação para a próxima temporada. Acredito que a próxima lavoura a ser formada estará contaminada por esta realidade de preços mais altos para os insumos, talvez até alguma dificuldade de aquisição por falta de matéria-prima. Então, isso também remete o produtor a pensar muito bem sobre esse cenário antes da tomada de decisão do próximo plantio.

Planeta Arroz – Porque é preciso manter as margens…
Daire Coutinho – Sim, o agricultor não pode vender hoje o arroz que está na sua mão a um preço que não vai conseguir repor este volume aos silos novamente no próximo ano. Estamos prestes a alcançar, em algumas regiões, custos de R$ 15 mil a R$ 16 mil por hectare. Isso é um absurdo.
Planeta Arroz – É um custo muito alto mesmo…

Daire Coutinho – Poucas vezes eu percebi, ao longo história da lavoura de arroz, uma situação como a atual, que em alguns lugares já chega a 50% do valor da terra em custo de produção. É muito preocupante. Este é um cenário que tenho buscado mostrar ao Ministério da Agricultura, nas nossas reuniões, principalmente em razão das dificuldades cada vez maiores para implantar a próxima lavoura, seja pela necessidade muito maior de recursos disponíveis e viáveis, seja pela dificuldade de acesso a alguns insumos.

Planeta Arroz – Há mesmo risco de faltar insumos?
Daire Coutinho – É uma situação que está em pauta e, juntamente com o salto dos custos de produção, em especial dos insumos, tem sido alvo de muitas conversas tanto no Grupo Técnico e onde discutimos a conjuntura com a ministra e os técnicos e presidentes das diversas câmaras, quanto nas reuniões setoriais. E isso nos remete de volta à questão do comportamento do mercado este ano. A gente sabe que oferta e demanda serão mais ajustada no Brasil e no Mercosul, sabemos das limitações que a estiagem trouxe ao Mercosul (em especial à Argentina e Paraguai).

Planeta Arroz – Esse comportamento do mercado pode reduzir ainda mais a área de arroz?

Daire Coutinho – É bem provável, em função dos preços e da evolução do manejo da soja em áreas de arroz, que haverá nova migração de área. É a tendência que percebemos falando com outros agricultores. A soja está demonstrando uma rentabilidade e uma situação de liquidez que o arroz não tem. É uma cultura mais estável economicamente do que o arroz.

Planeta Arroz – Mas, o cultivo da soja exige conhecimento e investimentos…

Daire Coutinho – Sim. Mas, conversando com os produtores das diversas regiões, mas especialmente aqui da Planície Costeira Interna, o que se percebe é que os grandes investimentos que serão realizados este ano, e nos próximos, são equipamentos para a irrigação de soja. A tecnologia se desenvolveu e a condição econômica também conta muito. Diferentemente de 10, 15 anos atrás, uma parte dos produtores agora tem opção ao arroz nas terras baixas e a soja encaixou bem, econômica e agronomicamente falando. O Rio Grande do Sul cultivou cerca de 400 mil hectares de soja em terras baixas na temporada atual.

Planeta Arroz – Diante deste cenário, a que conclusões podemos chegar?

Daire Coutinho – Na minha opinião, toda essa conjuntura nos traz a duas conclusões. Em termos de comercialização, o produtor precisa ter cautela e observar muito bem as tendências e o comportamento do mercado nacional e internacional. Digo isso em função de todas as dificuldades que estamos vivendo, seja a relação oferta x demanda, câmbio, exportação, importação, oportunidades e limitações que se apresentam. Em relação aos custos e à disponibilidade de insumos para a implantação da próxima lavoura, o agricultor precisa ter os pés no chão, ter consciência de que a próxima safra será bem mais cara do que a atual e que estes custos exorbitantes fugiram completamente à realidade. E os preços de comercialização não estão acompanhando os mesmos patamares de elevação que os custos. O resultado final da safra 2021/22 será menor do que a temporada passada, mas ainda está indefinido em quanto. E a área para 2022/23 será menor do que a atual, seja por causa do clima, da migração de milhares de hectares para a soja e o milho ou por conta desta nova realidade de custos.

 

4 Comentários

  • Muito bem, só não deixem faltar arroz na indústria, pois se faltar, muitos produtores podem já se prepararem para fechar as porteiras de suas fazendas, por que vai vir arroz de fora de um jeito ou de outro, quem é esperto sabe disso.
    Abraço a todos.

  • Tá preucupado seu Paulo? Não ce preucupado a indústria busca nós Hermanos. Ce tiver para todos .

  • Arroz de fora? De que lugar? O que tinha na Argentina, Uruguai e Paraguai já está quase rapado! Da Guiana não dá pra 10 dias de consumo! Do Vietnã e da Tailândia o frete está caríssimo… Se a industria ofertar entre R$ 85/95 não faltará arroz… Mas estão pagando R$ 73 na fronteira-oeste dai é complicado! Dai não fecha com o custo Irga de R$ 91… Avisei que isso iria acontecer… Na fronteira-oeste a colheita está quase no fim. Como disse o Daire muita gente vai migrar prá soja e milho! Não porque querem, mas para saírem do vermelho! Finalmente os grandões estão se rendendo a mais pura realidade… Juros dos bancos giram a 15% ao ano para EGFs e Custeios… Não se tem previsões para recursos controlados em função do endividamento! Mas, enfim, a crise é mundial. A produção de arroz a nível mundial diminuiu e os riscos impostos em função da segurança alimentar estão na mesa! Essa guerra só veio para quebrar parte das economias emergentes!

  • Sr. Flavio, estamos começando a nos entender, arroz de boa qualidade entre 85,00 à 95,00 não acho que esta fora e também concordo, o que eu nunca concordei foi com a especulação de querer vender arroz em casca R$ 120,00 como foi durante a pandemia, esse mercado de arroz em casca a 120 ainda não existe, quisera que um dia ele chegue.
    Abraços.

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