Francisco Schardong: “o arroz ainda é movido por paixão”
(Por Cleiton Evandro dos Santos, AgroDados/Planeta Arroz) A colheita de arroz no Rio Grande do Sul está alcançando pouco mais de 50% da área semeada esta semana, segundo dados do Irga, e os números seguem acima dos 8 mil quilos por hectare, porém com a projeção de uma perda total de quase 50 mil hectares dos 957 mil semeados. A redução da oferta prevista para esta temporada, seja pelo enxugamento dos estoques nos dois últimos anos, durante a pandemia, quanto pelas perdas produtivas, o comportamento cambial que retirou a competitividade brasileira no mercado externo e o altíssimo custo de produção estão entre as principais preocupações externadas pelo presidente da Comissão do Arroz da Federação da Agricultura e Pecuária do Rio Grande do Sul (Farsul), Francisco Lineu Schardong, nesta entrevista à Planeta Arroz.
Planeta Arroz: Presidente, como o senhor está vendo este cenário de safra e de conjuntura de mercado para a orizicultura?
Schardong: Olha, eu acredito que os números mostrados até agora estão de acordo com o que aconteceu este ano. A estiagem efetivamente provocou perdas e a tecnologia, o conhecimento e a coragem dos agricultores fez diferença muito positiva naquelas áreas em que houve água. Dentro da conjuntura que se apresentou ao rizicultor em termos de clima, disponibilidade de água, custos e tecnologias, dá até para considerar que o resultado, na média, é bom diante da calamidade em algumas áreas de sequeiro. Frente a tantos percalços, se o arroz não fosse uma cultura tão forte e responsiva ao clima e à tecnologia, e o produtor tão preparado, poderia ter sido uma tragédia.
Planeta Arroz: E o mercado?
Schardong: No aspecto econômico, estamos vendo um início de temporada muito parecido com 2020. A diferença é que naquela temporada havia estoques mais altos, agora estes volumes diminuíram, seja pelo tamanho da colheita ou pelo esforço de exportação dos últimos anos para equalizar a oferta. A definição desta metade da safra que ainda falta colher vai deixar o cenário mais claro, mas algumas coisas nos preocupam muito, como essa explosão do custo de produção e os gargalos de logística para alguns insumos.
Planeta Arroz: Diante deste cenário, o que é recomendável para o produtor?
Schardong: – Que na hora de fazer o acerto para vender e transformar o arroz em dinheiro e trocar os ativos – arroz por insumos, por exemplo – o agricultor faça uma boa pesquisa, se informe bem e realize uma negociação que lhe seja vantajosa. Mas, não deixe faltar produto na indústria. Isso pode ser prejudicial porque acaba favorecendo a importação. O mercado no momento está em evolução, os preços subindo, isso traz esperança. Mas, são dois lados da balança. É preciso ficar de olho nos custos, no câmbio, nos volumes de safra e na relação entre preços e custos. Eu espero no curto prazo que a indústria do arroz mostre mais demanda e saia um pouco de sua área de conforto para comprar matéria-prima e que isso sustente o preço por mais tempo.
Planeta Arroz: Mas, o câmbio também não está favorecendo.
Schardong: Preocupa que as exportações possam ser afetadas e o cenário lá pra frente um pouco mais complicado com essa oferta retida e alguma importação pressionando as cotações aqui dentro mais para o final do ano. Mas, ainda há algum tempo para exportar. O arrozeiro aprendeu que isso é importante. Mas, o produtor também não pode ser condenado por estar procurando o melhor preço. Ele precisa encontrar uma condição de negócios que lhe permita vender para cobrir o alto custo da safra atual e ainda fazer frente ao desembolso que será ainda maior na próxima safra. A sua moeda é o arroz.
Planeta Arroz: A previsão é de maior custo ainda…
Schardong: Para a próxima safra, não temos dúvida disso. De novo os custos de produção vão quebrar os paradigmas e projeções. Se já estava ruim por causa dos preços do transporte, da pandemia e de limitações de alguns exportadores, com essa guerra na Europa as coisas pioraram. O agricultor fica de mãos amarradas, pois não sabe quanto vai colher, por qual preço vai vender e muito menos quanto vai pagar pelos insumos na próxima temporada.
Planeta Arroz: E sem as exportações fica mais difícil…
Schardong: Fica, porque o Brasil, em especial o Rio Grande do Sul, com grande esforço do setor e das entidades conseguiu inserção no mercado internacional e tornou-se um dos grandes exportadores globais. Até 10, 12 anos atrás éramos grandes importadores. Nosso arroz é de alta qualidade e a venda ao mercado externo trouxe maior equilíbrio à balança comercial e aos preços internos. Exportar é importante para adequar os preços internos.
Planeta Arroz: Se os custos subirem tanto quanto é previsto, o Brasil não exportar e ocorrer uma queda nos preços no segundo semestre, haverá um evidente um desestímulo ao setor?
Schardong: Eu acredito que a realidade para a próxima safra será uma diminuição de área de arroz no Rio Grande do Sul. Não me surpreenderá se forem plantados menos de 850 mil hectares. Em primeiro lugar por essa relação muito apertada entre custo x preço de comercialização do arroz em casca, a margem é muito estreita. Em segundo lugar porque a soja e o milho, que estão indo muito bem em terras baixas, têm preços consolidados. Fora isso, se seguirmos com limitação de água para a irrigação, o produtor não vai arriscar-se nestas áreas que foram perdidas este ano. O arroz, a continuar nesta condição de rentabilidade inferior aos outros grãos, vai ter que buscar o equilíbrio nas cotações. E isso tende a ser feito enxugando a oferta.
Planeta Arroz: O senhor acredita que áreas de arroz serão substituídas por soja?
Schardong: Isso não é mais uma tendência, mas a realidade. A área de soja em terras de arroz vem crescendo bastante e o Irga mostra isso. Essa pressão vai continuar por uma simples questão matemática: o custo da soja é menor e o retorno é maior do que o do arroz. E a demanda de água também é menor nas áreas irrigadas.
Planeta Arroz: E existe uma saída, um caminho para o produtor perseguir para buscar renda?
Schardong: Cada propriedade e cada região têm sua própria realidade. Além de ter detalhadamente o custo e uma boa gestão, o produtor precisa estar bem informado. Além disso, a Farsul, com apoio das instituições de pesquisa, tem incentivado a adoção do programa Duas Safras, que objetiva elevar os números de produção de grãos no inverno. Ao mesmo tempo incentiva o uso de milho e soja em sulcos e irrigados, no verão. É o jeito de intensificar a produção e buscar melhores resultados produtivos, econômicos e agronômicos.
Planeta Arroz: O arroz foi a única das grandes culturas globais que apresentou redução de preços nos mercados interno e externo ao longo de 2021/22. A qual motivo o senhor credita esse comportamento?
Schardong: A soja, o milho e o trigo são cultivos mais técnicos, produzidos com a razão, com previsibilidade dos preços, enquanto no arroz é movido pela paixão. Mas, até a paixão, em algum momento, precisa ouvir a razão.
Planeta Arroz: E não há possibilidade de aumentar o consumo?
Schardong: Exceto no momento em que o governo intervém com auxílios sociais e no forte da pandemia, não é o que se percebe. O arroz é um alimento que está em descompasso entre o que custa para produzir e o valor de venda pelo agricultor. É preciso encontrar o equilíbrio, e isso exigirá ajustes.
5 Comentários
Muito boa e esclarecedora essa entrevista! Finalmente vi algo realista e espero que o pessoal siga o que o Schardong respondeu. Acrescentaria apenas o FATOR ELEIÇÕES!!! Como nesse país reina a imprevisibilidade total é de uma hora para outro o câmbio disparar teremos riscos das exportações dispararem! Arroz importado então seria inviável… Com relação aos preços a curto prazo estamos observando uma queda em função da liquidação das CPRs… Se a industria derrubar muito os preços agora haverá certamente a retração posterior! Milho, soja e trigo é o que mais recomendaria!!! O Brasil nem sempre foi importador. Isso só aconteceu pelas disparidades de custos o que reduz os preços dos hermanos… óleo diesel subiu 25%, energia elétrica vai disparar depois das eleições, adubo, uréia e herbicidas nem preciso comentar! Se não tivermos preços entre R$ 85 e 95 ninguém se sustenta. Não é “achismo” meu… É fato, é realidade e teremos muito o que refletir!
Essa safra já passou e o preço vai andar por esses patamares que estão , e só temos esses preços que pelo menos cobrirão o custo porque tivemos essa quebra de 1 milhão de toneladas se não seria um desastre e hoje venderiamos a 60 reais , agora já virei a página e fui cotar os insumos pra próxima safra e cotei MAP a quase 7 mil a vista , e ureia e cloreto próximos de 6 mil , mais o aumento dos defensivos , diesel , energia e peças a lavoura ficou totalmente inviável, já se sabe quanto vai gastar e não temos a mínima ideia quanto vamos vender , é só fazer uma relação de troca de troca de insumos por grão de soja ,milho e arroz e já constataremos que o arroz só plantará quem tem paixão mesmo. Teremos poucas lavouras viáveis dentro do Estado, algumas que tem água de barragem e 100% de área própria, eu vou de soja e o arroz escolherei a dedo alguma área descansada pra plantar sem adubo. E se a coisa piorar não planto 1 hectare pois não tenho tanta paixão assim.
Muito claro e objetivo posicionamento do Sr Schardong, a Orizicultura foi movida durante anos por uma “paixão cega” e infelizmente esse foi o motivo de levar grande numero de produtores ao descompasso econômico causando para alguns descontinuação do negócio e para outros uma dependência de crédito extra oficial. O orizicultor precisa buscar informações alinhadas com sua necessidade, durante anos teve sua cognição influenciada por outros elos da cadeia produtiva que obviamente buscam melhores resultados para seu negócio. Há alguns anos atrás o abandono da orizicultura era impossível para o produtor de terras baixas, hoje bem colocado pelo Sr Schardong, temos a Soja e o Milho trazendo resultados financeiros bem melhores comparados ao Arroz com um desembolso menor. E falando de informação é preciso tratar a necessidade de equalizar a oferta de arroz ” SE O RGS SEMEAR AREA SUPERIOR A 850.000ha EM 2022, NA SAFRA EM 2023, O SACO DE 50KG DE ARROZ CASCA SERA COMERCIALIZADO NA CASA DOS R$ 60,00″
Bem colocado as opiniões pelos colegas eu estou decidindo para mim arroz 30% O resto soja
Muito boas as respostas do Sr. Schardong e melhor ainda os comentários, pois esta totalmente alinhado com o meu pensamento como indústria, é preciso haver o equilíbrio, arroz em casca entre 85 a 95, também acredito ser um preço viável para comercialização. Muito bem colocado pelo Sr. Schardong que os produtores precisam de gestão e não paixão, o que eu sempre falei aqui, dito por alguns que aqui comentam que a indústria é a vilã de tudo, pois bem, esta aí transcrito pelo Sr. Schardong que se não tiver gestão, quebra mesmo e depois não adianta colocar a culpa na indústria. Bem colocado também pelo Sr. Schardong, “não deixem faltar arroz para indústria” vai favorecer as importações, e isso eu já cansei de falar, arroz para indústria não falta, se o produtor sentar no saco e não vender, de algum lugar vai vir e o ferro vai ser maior ainda para os produtores, em resumo, esta de parabéns o Sr. Schardong pela bela entrevista e sábias palavras. Também de parabéns o Sr. Flavio que reconheceu que trabalhar com gestão é melhor do que trabalhar com paixão, gestão dá resultado, a paixão tem que procurar culpados!!! Um bom resto de semana a todos!!!