Longo caminho a percorrer

 Longo caminho a percorrer

 Um dos grandes desafios da cadeia produtiva do arroz do Brasil é ampliar o consumo interno e, com isso, garantir maior equilíbrio no mercado e uma possível expansão produtiva. Com o consumo per capita do arroz em queda, segundo dados oficiais, a diversificação através do uso da farinha de arroz é um dos caminhos. Planeta Arroz conversou com uma das maiores especialistas brasileiras no assunto, Priscila Zaczuk Bassinello, para saber em que pé estão a discussão e as ações em torno do tema.

Pesquisadora da Embrapa Arroz e Feijão há 15 anos, Priscila é engenheira agrônoma formada na Esalq/USP, doutora em ciência de alimentos pela Faculdade de Ciências Farmacêuticas (USP) e atua com ênfase em qualidade culinária, nutricional, funcional e sensorial de arroz e subprodutos, propriedades do amido e aproveitamento e desenvolvimento de produtos à base de arroz e feijão para alimentação humana. Coordenadora da divisão de arroz (rice division) da AACC em 2011, também foi responsável pela área de qualidade física de arroz da Rede Internacional para Arroz de Qualidade (INQR), liderada pelo Irri, de 2011 a 2014 e colaboradora em outros projetos. É secretária executiva do Portfólio de Alimentos, Nutrição e Saúde da Embrapa desde 2013 e professora na Universidade Federal de Goiás.

Planeta Arroz – Qual o perfil de aproveitamento do arroz no Brasil e por quais razões a indústria e o consumidor não aproveitam o grão em toda sua potencialidade, como fazem outros países?

Priscila – O brasileiro come arroz principalmente nas refeições, branco ou parboilizado, cozido. Mas esse consumo chegou a um patamar que vem retroagindo. Para ampliar a demanda é preciso diversificar, e a farinha de arroz surge como primeira alternativa. É preciso registrar que o setor evoluiu no uso de subprodutos como a casca para a geração de energia, o que ajudou a eliminar um problema ambiental. A sílica resultante é aproveitada para fins industriais, da fabricação de pneus a materiais de construção, mas em escala ainda pequena. Os supermercados têm ofertado uma variedade maior de arroz embalados pela onda “gourmet”: mix de grãos, arrozes preto, vermelho e integral, miniarroz, de culinária italiana e japonesa e aromáticos, boa parte deles ainda importados. A Embrapa está lançando variedades para atender a estes nichos. Há também o óleo, farelo e bebidas, sopas e pré-cozidos, nutrição infantil e outros segmentos com demanda em menor escala.

Planeta Arroz – Mas, a farinha encontra resistências.

Priscila – Sim, por um conjunto de fatores, o que torna complexo um diagnóstico e uma ação em cadeia. A falta de informações é um deles. Há farinha de arroz nos supermercados, mas o consumidor não sabe usar e às vezes nem nas embalagens há orientação clara. A indústria tem interesse, mas teme não ter o retorno do investimento, pois faltam informações concretas sobre o mercado, a logística, o tipo de farinha desejada, a estrutura que deve ser acrescida à planta industrial, a inovação dos processos e até mesmo a relação com o varejo e o consumidor. Soma-se a isso o alto nível de exigências quanto à idoneidade do produto, que não pode ter traços de contaminação por glúten, por exemplo. A crise econômica torna maior o desafio, pois este poderia ser um nicho interessante à pequena indústria.

Planeta Arroz – Há tecnologia para dar suporte às indústrias?

Priscila – Há! Temos estudos realizados e em desenvolvimento e tecnologia internacional disponível. O desafio da pesquisa é produzir uma farinha de arroz que tenha desempenho similar ao trigo, porém sem o glúten, mas o consumo não depende só disso e sim de outros fatores: econômicos, mercadológicos e, em muito, acesso à informação pelo consumidor.

Planeta Arroz – Quem usa a farinha de arroz?

Priscila – Grupos específicos: celíacos que têm intolerância fisiológica ao glúten ou adeptos de dietas com restrição desta proteína do trigo, que também está presente na aveia, cevada e centeio. Neste caso, há um aumento considerável de consumidores, o que deve refletir no mercado.

Planeta Arroz – A falta do glúten faz diferença.

Priscila – Sim. Não dá para substituir um quilo de farinha de trigo por um do derivado de arroz na receita e esperar resultado igual. Em panificados, por exemplo, é impossível competir, pois o glúten confere características particulares de fermentação, maciez, estrutura, elasticidade e força na massa. É o glúten que deixa o pão fofinho. Mas há grande diversidade de produtos doces e salgados que podem ser preparados a partir da farinha de arroz com as devidas receitas, preparos, misturas e cuidados.

Planeta Arroz – Em termos de sabor, aroma, textura, cozimento, há vantagens?

Priscila – Sim. Nos empanados ela é superior, pois retém menos óleo, dá mais crocância e melhora e facilita o cozimento das camadas internas. Em alimentos tipo noodles, dá rápido cozimento também. Muffins e cupcakes podem ser feitos sem trigo, associando o derivado de arroz a outras farinhas, como amido de milho, mandioca, guar e xantana. Cookies e alguns tipos de biscoitos não exigem o glúten.

Planeta Arroz – São inúmeras alternativas…

Priscila – A farinha de arroz é ótima para dar liga e engrossar molhos e sopas por seu efeito espessante e para o uso em cremes e papinhas infantis. Bebidas como o leite de arroz podem ser associadas a preparados como vitaminados e achocolatados. Há empresas nacionais investindo nisso: snacks, cereais matinais, sorvetes e doce de leite de arroz são alternativas. Há uma infinidade de formulações que vão até cosméticos e fármacos, sem falar nos tradicionais pães, bolos, massas de pizza, etc…

Planeta Arroz – E por que faz bem à saúde?

Priscila – Em primeiro lugar, não tem glúten, tem sabor neutro, é de fácil digestão, rica em carboidratos complexos, uma proteína nobre, hipoalergênica, menos calórica e de alto valor energético. Há um ganho em fibras, fibras solúveis e antioxidantes. Tem particularidades como a liberação gradual do amido no organismo.

Planeta Arroz – Como a cadeia produtiva tem agido?

Priscila – A Câmara Setorial do Arroz montou um grupo de trabalho para esmiuçar o tema e apontar rumos. Temos grandes desafios, desde a área tributária até a mobilização da cadeia produtiva, agentes públicos e sociedade.

Planeta Arroz – O que o poder público poderia fazer?

Priscila – Há iniciativas como a inclusão de produtos à base de farinha de arroz na merenda escolar ou nas cestas básicas, mas é preciso associar as medidas à educação alimentar e realçar as propriedades do grão, os benefícios à saúde e as vantagens em relação aos demais e na diversificação da dieta. Colocar na cesta básica um quilo de farinha não adianta, as pessoas vão achar que podem usar no lugar do trigo e vão se frustrar com o resultado. As embalagens devem conter informações claras, receitas, o setor precisa fazer um trabalho de marketing, de formação com profissionais da área. O arroz está no topo dos alimentos imediatamente cortados em uma dieta prescrita por nutricionista. É preciso mostrar a estes profissionais que o arroz e sua farinha são aliados e apresentar os estudos e os resultados das ações sob o prisma nutricional e da saúde. Às merendeiras, aos médicos e agentes de saúde é preciso popularizar os benefícios da farinha de arroz. O nosso maior concorrente é a desinformação.

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