Obtendo produtos de arroz gluten free

1. INTRODUÇÃO AO TEMA
O presente artigo busca esclarecer – em base científica – dúvida recorrente sobre o cereal mais importante da alimentação humana sob os pontos de vista socioeconômico e cultural.

Consta que Monteiro Lobato (1882-1948) já dizia que “exemplo não é definição”, mas, às vezes, é pertinente para contextualizar um assunto.

Assim, entende-se que “glúten se refere à fração proteica encontrada em cereais, como trigo, cevada, aveia, triticale e centeio”. Aveia, na verdade, não possui glúten em sua composição, mas, como “cereal de inverno”, às vezes cultivado nos mesmos ambientes, época e com utilização dos mesmos recursos de mecanização e utilizando as instalações dos demais, acaba tendo “contaminação operacional”, também denominada “contaminação cruzada”. Situação análoga pode ocorrer com o arroz, que sendo cereal de verão, pode ser usado em cultivos sequenciais ou rotacionais nas mesmas áreas. Sem cuidados tecnológicos adequados, pode haver “contaminação operacional” com cereais que contenham glúten em sua composição química.

Uma interpretação, do tipo “if-then”, induz que se o citado conjunto é formado por cereais, sendo o arroz também cereal, também poderia ter a capacidade de gerar glúten. Daí pode induzir a uma conclusão equivocada!

O que, efetivamente, caracteriza um cereal com capacidade de gerar glúten é sua composição química, que trata de uma mistura de cadeias proteicas insolúveis em água, formadas por gliadinas e gluteninas.

NOTA:
O livro “Arroz de A a Z” (2017, disponível em Outras Publicações ,no site www.irga.rs.gov.br), registra o termo “glúten”, entre outros verbetes.

 

2. GLÚTEN: ENTENDA MAIS
Glúten é uma mistura complexa de proteínas (de acordo com a classificação de solubilidade de Osborne, tais proteínas integram os grupos das prolaminas e gluteninas) – formada pela fração insolúvel de farinhas dos cereais citados – resultante de misturas com água. Apesar das propriedades tecnológicas, o glúten é indesejável a quem apresenta intolerância, denominada doença celíaca, afetando pessoas que apresentam reações alérgicas ao composto.

Na prática corrente, o glúten é identificado como a parte pegajosa e elástica responsável por propriedades panificativas únicas em farinhas.

Nenhum alimento in natura contém glúten [sic], formado na elaboração de pães e massas, fundamental na geração de elasticidade e pela resistência que conferem plasticidade ao produto. Na panificação, o glúten é responsável por reter gases (gerados nos processos biológico ou químico), evitando que o produto abatume.

Segundo o Codex Alimentarius que o Brasil segue, a partir de 2008, os produtos com menos de 20 ppm (partes por milhão, que equivale a miligramas por quilograma) de glúten podem ser considerados aptos à maioria dos celíacos e receber a inscrição “não contém glúten”.

Isto significa que toda farinha que contiver 20 miligramas ou mais de glúten por quilograma, seja pela composição química do grão de onde é extraída ou por mistura com grão que contenha glúten, não poderá ser classificada como isenta de glúten.

O segundo caso, em que o glúten não é endógeno, sua presença pode ser intencional, para alterar propriedades panificativas de farinhas mistas, ou ser acidental ou não intencional, e, nessa situação, sua presença é considerada contaminação, que pode ser denominada “operacional” por ser oriunda de falhas em alguma etapa do processo, ou “cruzada”, como é muitas vezes denominada.

 

3. O ARROZ É GLUTEN FREE!


O arroz e seus derivados são livres de glúten, sem restrições de consumo por pessoas com doença celíaca ou morbidades congêneres (hipersensibilidades ao glúten). O arroz é considerado um alimento hipoalergênico.

Arroz, milho, batata, cenoura, mandioca e frutas são alimentos que não formam glúten.

Conforme citado, o arroz não tem glúten endógeno, ou seja, suas proteínas, ricas nutricionalmente, não apresentam essas propriedades. Na produção industrial, se não ocorrer mistura intencional ou acidental, farinha de arroz não contém glúten.

Se for adquirir farinha mista, o consumidor deve consultar as informações contidas no respectivo rótulo.

 

4. GLÚTEN É BOM OU É RUIM?
Os conceitos “bom” ou “ruim” não podem ser interpretados de forma simplista, em especial por se tratar de produto destinado à alimentação. O alimento deve cumprir ao menos três funções: 1. fisiológica: inclui aspectos relacionados com nutrição e saúde; 2. social: inclui aspectos relacionados com acessibilidade ao alimento, disponibilidade, economicidade, oportunidade e sustentabilidade da cadeia e da sociedade; 3. psicológica: aspectos relacionados à saciedade, à cultura gastronômica vinculada a hábitos e costumes, lembranças, sensações e comportamentos individuais frente a cada alimento.

Para que o pão ou bolo tenha a massa crescida na elaboração e continue crescida, sem abatumar na cocção e após ela, a presença do glúten na farinha é boa, pois integra o comportamento tecnológico, o qual depende das propriedades viscoelásticas das proteínas responsáveis pelo comportamento reológico da massa. Às pessoas com intolerância ao glúten, como portadores de doença celíaca, a sua presença é prejudicial à saúde, ou seja, é ruim.

 

5. COMO PODERIA OCORRER CONTAMINAÇÃO NO ARROZ
Pelas características tecnológicas envolvidas na industrialização, não é risível imaginar que, ao adquirir arroz, o consumidor encontre grãos de trigo ou outro cereal misturados no pacote. Por outro lado, pelas condições edafoclimáticas exigidas de cada cultivo e diferenças de ciclos biológicos que apresentam, não é risível que ao colher arroz o agricultor colha junto algumas plantas dos cereais de inverno.

A ocorrência de glúten por contaminação cruzada ocorre quando um item alimentar, como o arroz, é contaminado por contato direto ou indireto de item que contém glúten, como o trigo ou outro produto citado. Então, os grãos de arroz, na forma como são comercializados e consumidos, não são contamináveis pelo glúten, mas produtos de arroz fabricados a partir de farinha, moagem ou operação que envolva desintegração de grãos podem ser na ausência de procedimentos operacionais corretos e cuidadosos.

O arroz não contém glúten, a menos que seja misturado ou processado com itens que o contenham ou contaminação em equipamentos de transporte, beneficiamento ou processamento de produtos com glúten sem adequada limpeza ou higienização e segregação. Embora possível, a contaminação cruzada nas operações de limpeza, pré-limpeza e secagem é improvável, desde que seguidas as recomendações do item seis.

A contaminação de produtos à base de arroz tem maior chance de ocorrer sob processamento e desintegração dos grãos, como fabricação de farinhas, motivo pelo qual nas indústrias de farinha de arroz não é recomendável processar grãos que contenham glúten. Na prática, isso não ocorre. O princípio vale para indústrias beneficiadoras.

 

6) COMO MANTER O ARROZ SEM RISCO DE CONTAMINAÇÃO
Por pertencerem à mesma família botânica, arroz e cereais que contêm proteínas do glúten apresentam características comuns, por isso, as práticas agronômicas de produção e equipamentos usados nas respectivas cadeias são similares ou os mesmos, regulados e manejados conforme a cultura.

Em manejos que incluam sucessão ou rotação de culturas na mesma área ou unidade de produção, os agricultores precisam adotar medidas adequadas para não haver misturas, nem residuais entre o arroz e outra espécie cultivada. Isso inclui inspeções nas lavouras e limpezas rigorosas das máquinas, dos equipamentos, dos instrumentais e das instalações para se assegurar de que não ocorram plantas nem sementes ou grãos de espécies que possam conter proteínas do glúten em sua composição.

Em instalações de armazenagem, comercialização ou industrialização de sementes e grãos de arroz e cereais, como trigo, cevada, aveia, triticale e centeio, antes de operações como pré-limpeza, secagem, limpeza, seleção e movimentação de grãos ou sementes, da mesma forma que deve ocorrer no armazenamento, é fundamental realizar rigorosas inspeções e limpeza antes do uso com arroz para eliminar materiais residuais e evitar contaminação operacional.
É recomendável, antes do arroz ser armazenado, a limpeza completa das instalações e equipamentos de transporte dos grãos, como correias, elevadores ou outros equipamentos eventualmente utilizados.

 

Gilberto Wageck Amato1; Fernando Fumagalli Miranda2; Maurício de Oliveira3; Nathan Levien Vanier3; Moacir Cardoso Elias3; Vanessa Moreira Rack4

1Engenheiro Químico, Mestre, Pesquisador do Instituto Rio Grandense do Arroz (IRGA)
2Engenheiro Agrônomo, Mestre, Pesquisador do Instituto Rio Grandense do Arroz (IRGA)
3Engenheiro Agrônomo, Doutor, Professor, Laboratório de Pós-Colheita, Industrialização e Qualidade de Grãos Faculdade de Agronomia “Eliseu Maciel”, Universidade Federal de Pelotas LABGRÃOS-FAEM-UFPEL)
4Engenheira Agrônoma, Aluna do Curso de Mestrado Profissional em Ciência e Tecnologia de Alimentos, FAEM-UFPEL

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