Onde estamos nós, cientistas do arroz do Brasil?

 Onde estamos nós, cientistas do arroz do Brasil?

Orlando Peixoto de Morais: trabalho no campo

 O Brasil, considerado por muitos o celeiro alimentar do futuro, colhe sua safra de grãos 2016/17 com o recorde de 227,9 milhões de toneladas. O arroz, com mais de 12 milhões de toneladas, foi o terceiro maior colaborador para tal número, mas representa apenas 10% do total da soja e foi quase nove vezes menor que a safra de milho. As projeções de crescimento das culturas sempre destacam soja e milho, enquanto o arroz raramente é visto em expansão ou demanda interna que estimule mudanças nessa tendência. O mercado global há anos não é estimulado por crescimento significativo, apesar da reiterada percepção de que o arroz terá a demanda ampliada em futuro próximo.

Neste cenário, o que temos de desafios, além do tradicional aumento de produtividade com o consequente aumento de rentabilidade da cultura? Muitos atores do setor produtivo diriam que existem problemas como a brusone, o manejo das plantas daninhas e as aplicações de fertilizantes. Por outro lado, poucos diriam que a emissão de gases de efeito estufa e a contaminação das águas são temas-chave.

O ponto de partida deste artigo é chamar a atenção para aspectos que pouco aparecem nas agendas de discussões sobre o arroz no futuro. A pesquisa com esse grão cada dia vem sofrendo perdas irreparáveis. Olhando algumas décadas para trás percebemos a perda de instituições parceiras que ocupavam grande espaço na pesquisa nacional, que o número de pessoas trabalhando na área hoje é, no máximo, igual ao que tínhamos no final do século passado, os recursos financeiros são cada vez menores e o tempo dos pesquisadores está dividido entre pesquisar e cumprir com burocracias que os atuais sistemas das instituições impõem. Soma-se a isso algo que considero mais lamentável: a relação e/ou integração cada vez menor entre as poucas instituições de pesquisa do arroz. Fora de nossas fronteiras não é diferente e instituições outrora provedoras de tecnologia hoje buscam parcerias para sobreviver no cenário mundial.

Por outro lado, o cada vez mais admirável desenvolvimento das ciências da vida traz desafios que exigem dobrado trabalho em equipe, combinação e envolvimento de grande número de áreas do conhecimento. Está em decadência o tempo em que o melhorista, sozinho, ia ao campo e produzia as melhores variedades.

Onde estamos nós, cientistas do arroz no Brasil? O que é a tecnologia de edição gênica e como pode nos ajudar com os problemas na produção? Drones flutuam sobre nossas lavouras! Que pesquisas fazemos para potencializar seu uso na orizicultura? Quais benefícios a nanotecnologia traz para os arrozeiros? Como as instituições se preparam para estes e outros temas? Quantas vezes nos reunimos em 2016 para discutir uma agenda comum, novas ferramentas e melhorias para apoiar a cadeia produtiva? Como estão os sistemas de produção e o que temos gerado para torná-los mais sustentáveis? Quanto estamos interagindo para aproveitarmos melhor todo esse arsenal de possibilidades e os limitados recursos?

Poderia seguir expondo perguntas para as quais não temos boas respostas, mas acho que essas chamam a atenção para a necessidade de mudanças. Temos inevitável urgência de pensarmos e trabalharmos como uma “equipe de arroz do Brasil”.

Após 15 anos fora do país observando como trabalham outros países, ao retornar para a pesquisa do arroz não posso dizer que tenho satisfação e expectativa de que seremos os supridores de arroz do mundo e que nossa ciência avança nessa direção, pelo contrário, sinto grande desconforto ao ver que podemos mas não fazemos e nossas instituições ainda são independentes, priorizando temas diferentes e descoordenados, que a pesquisa segue com poucos recursos e esses são aplicados para apoiar iniciativas não necessariamente integrativas. Até quando seguiremos nessa direção? O que tem que acontecer para entendermos que unidos podemos mais do que separados? E os nossos arrozeiros, até quando seguirão nos apoiando e esperando que sejamos capazes de melhorar suas vidas?

Este ano teremos o 10º Congresso Brasileiro de Arroz Irrigado, no Rio Grande do Sul. O título do evento menciona intensificação sustentável e começa com palestra sobre edição gênica. As sessões e os dias seguintes navegam por temas relevantes ao arroz irrigado. Lendo a agenda, pergunto o que vai mudar ou quais ganhos teremos para a orizicultura após tão importante evento? Onde e quando vamos discutir pontos que limitam o nosso crescimento e não necessariamente são de pesquisa, mencionados anteriormente?

Leitores, talvez o bastão esteja em suas mãos! A pressão popular, que muda governos e faz abrir inquéritos sobre descasos com o país, quem sabe, mudará para melhor o futuro da cadeia do arroz no Brasil!

Dedico este artigo ao amigo Orlando Peixoto de Morais (na foto, fazendo o que mais gostava: avaliar e selecionar arroz no campo), com quem inúmeras vezes conversei sobre esses temas. Sua mente brilhante sempre foi um estímulo para que nós, pesquisadores, buscássemos ser melhores e trabalhássemos em equipe.

ELCIO PERPÉTUO GUIMARÃES

PHD EM GENÉTICA E MELHORAMENTO DE PLANTAS
EMBRAPA ARROZ E FEIJÃO

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