Orizicultura gaúcha: um breve comentário
Passado Recente, 2000 a 2020.
Entre os cultivos agrícolas do Rio Grande do Sul certamente não há outro com tanta riqueza de dados e informações, e também problemas, como o arroz irrigado. Aqui vamos fazer algumas observações, que podem não serem aceitas por todos, porém creio pertinentes frente a alguns dados oficiais sobre a cultura.
Para, de modo sucinto, fazermos um resumo dos últimos 20 anos da orizicultura gaúcha apresentamos o quadro abaixo com dados do IRGA sobre a área plantada, produtividade média do período e produção total de arroz em casca. E também a evolução da população brasileira segundo dados do IBGE.
Partindo da safra de 2000 podemos verificar que até os dias de hoje tivemos um crescimento da área de 22,9% com 1.170388 há plantados na safra 2010/2011, e depois de oito anos de certa estabilidade observamos nas duas últimas safra uma redução de 19,7%. Nos anos 2000 observamos a tendência dos produtores em ampliar a área de cultivo como forma de ampliar a produção e com isto sua renda. Neste período ocorreu uma significativa evolução da produtividade que de algo como 5,5 t/há passou para 7,5 t/há com um ganho de 2,0 t/ha. Esta evolução teve basicamente como principais fatores à introdução de cultivares com maior potencial de produtividade, um controle mais eficiente de arroz vermelho, aumento da fertilização e melhor manejo da irrigação inicial nas lavouras. Porém, na última década, 2011 a 2019, apesar do aporte de novas tecnologias, insumos e práticas de manejo a produtividade evoluiu apenas 0,5 t/ha. Esta safra de 2020 está fora da curva por condições excepcionais de clima que devem proporcionar um ganho acima da produtividade normal esperada de algo como 500 kg. Em Cachoeira do Sul foram 1350 e 500 kg/ha respectivamente.
Como resultado final observamos a elevação da produção total de 5 para 8 milhões de toneladas entre 2000 e 2010. A partir daí, verifica-se certa uma estagnação da produção total de arroz no RS em torno dos 8 a 8,5 milhões de toneladas.
Em nível de Brasil, no período 2000/2020, podemos observar, segundo dados da CONAB, que os dois períodos foram distintos. O primeiro de 2000 até 2010 quando a “oferta” e “demanda” cresceram, mantendo, por políticas internas, uma faixa de 2 mil toneladas da oferta sobre a demanda até o pico de 2010/2011 quando chegamos a 16,9 mil t de oferta e 14,3 mil toneladas de demanda respectivamente.
A partir daí houve um ciclo de retração na demanda, acompanhada por uma redução da oferta até 2019, onde verificamos que a diferença entre oferta e demanda ficou reduzida entre 500 a 600 mil toneladas.
E esta situação está diretamente relacionada a dois fatos, iniciativas privadas e públicas quanto às políticas de importações/exportações de arroz adotada a partir de 2004. Vejamos o quadro abaixo.
Até 2004 as exportações brasileiras de arroz eram insipientes, e quando ocorriam era de produto de baixa qualidade. Porém a partir de 2004 foi iniciado um trabalho para ampliar os volumes e qualidade do arroz exportado. O principal efeito destas iniciativas foram “compensar” em parte a queda da demanda interna e os volumes importados do MERCOSUL. Tanto na década de 2000 como 2010 as importações oscilaram em torno de 900 mil toneladas/ano. Já as exportações cresceram de praticamente zero a 1,2 milhões de toneladas até 2010. Desde então as exportações tem se mantido em média neste patamar de 1,2 milhões de toneladas.
E o outro fator foi à redução de área em outras regiões produtoras, e no Rio Grande do Sul pela redução no ritmo do crescimento da produtividade e mais recentemente na redução de área.
Sendo considerado, essencialmente como um produto da “Cesta Básica” do brasileiro, como se comportaram o consumo e o crescimento demográfico neste período de 2000 a 2020 segundo dados do IBGE. No período de 2000 a 2020 tivemos uma evolução da população brasileira conforme o quadro abaixo.
Os dados do IBGE nos mostram que a população brasileira cresceu 12,34 % na década de 2000, em torno de 21 milhões de pessoas, sendo que a demanda de arroz no período cresceu 2 mil ton. Já na década de 2010 tivemos 10,87% com mais 21 milhões de pessoas quanto à demanda tivemos uma redução de 2 mil toneladas no consumo.
Isto significou um crescimento de 42,0 milhões de pessoas em 20 anos, sendo que nos primeiros 10 com crescimento da demanda interna de arroz foi de 12 para 14 milhões de toneladas, nos seguintes recuou para patamares abaixo de 12 milhões nos últimos dois períodos. Um constatação eloquente da redução de consumo de arroz na principal forma em que é oferecido ao mercado. Infelizmente, para este período, não temos números sobre o comportamento da demanda de outros produtos elaborados com arroz ou que tenham arroz como um de seus ingredientes.
Comentários 1
Nos últimos 20 anos é relevante à mudança de postura da lavoura que passou a reduzir área, seja por descapitalização ou por adoção do cultivo de soja em rotação na várzea. A redução de áreas de cultivos em outras regiões do Brasil foi compensada pelo expressivo aumento de produtividade no Estado do período 2000 a 2010.
As exportações foram o mais significativo acontecimento para a manutenção das lavouras de arroz no Estado. Ao ultrapassar as importações que se mantiveram relativamente estáveis até hoje, as exportações “enxugaram” o mercado e ajudaram a equilibrar a oferta/demanda. Importações estas que sempre tiveram mais influência sobre os preços internos do que a oferta propriamente dita.
Em 20 anos a lavoura de arroz mudou muito tecnologicamente, constatamos que estas mudanças foram mais eficientes no período 2000 a 2010 com significativa evolução da produtividade com incremento médio de 200 kg/ano, porém no período seguinte este crescimento foi de apenas 50 kg/ano. O fator que mais impulsiona a produtividade continua sendo o lançamento de cultivares com melhores características agronômicas, principalmente potenciais de produção e qualidade de grão.
O arroz na forma em que é ofertado no mercado brasileiro está com forte tendência de queda de demanda, principalmente nos últimos 10 anos. Tendência que é mais preocupante quando observamos que a demanda atual é a mesma de 20 anos atrás sendo que neste mesmo período a população brasileira cresceu 24,5%.
Entre tantas outras variáveis e as pontuais ocorrências climáticas ou ações governamentais, nos parece que tanto produtores, representados por suas entidades, quanto o governo em suas instâncias continuam tratando a política orizícola no curto prazo e episodicamente. Não houve um plano consistente de diretrizes básicas de médio e longo prazo visando mudar a tendência de demanda.
Futuro Próximo, 2021 a 2040.
Como Gaúchos somos a parcela da população brasileira que mais cultua suas tradições, e isto muito nos orgulha. Porém a lavoura de arroz, que é parte importante da cultura gaúcha, hoje apresenta os mesmos problemas de sustentabilidade de décadas atrás, mesmo com todas as grandes realizações já alcançadas.
Muitos fatores podem ser relacionados para o que ocorre na orizicultura, porém há uma lei que nos parece à razão principal de tudo, é a Lei de Mercado que é regida pelos fundamentos da “oferta/procura”. A princípio, o raciocínio seria ponderar sobre os volumes ofertados e a demanda existente. Neste contexto a solução seria relativamente simples, reduzir a oferta ou aumentar a demanda.
A redução de oferta significa encolher uma cadeia já estabelecida, o que vai contra a evolução de qualquer negócio. Resta então o aumento da demanda com a consequente valorização do produto.
Neste ponto temos que olhar mais atentamente o mercado e considerar o que há muito tempo é do conhecimento de todos. O perfil de consumo alimentar mudou e está mudando. Os “velhos” consumidores de arroz na panela estão sendo substituídos por novas gerações que estão chegando com novos hábitos de consumo. Está é uma tendência global que acompanha todo esforço para o aumento de qualidade de vida e dentro desta diretriz uma mudança nos padrões e perfil de consumo.
E o arroz dentro deste contexto? Como produto essencialmente da “cesta básica” tem o apoio e o controle do governo em nome da segurança alimentar, particularmente em razão da parcela da população de mais baixa renda. Realidade que deve perdurar por muito tempo ainda e sustentar um consumo de arroz na forma mais ofertada atualmente. Porém os próprios dados oficiais demonstram que neste segmento o consumo é decrescente.
Porém já de algum tempo que olhamos outras formas de demandas tais como alimentos de consumo rápido (snacks), “comer na rua” (fast foods), indústrias de bebidas alimentares, cosméticos, perfumaria e outros, apenas como “nichos”. É possível que, conhecendo tendências, e apoiados em pesquisa e desenvolvimento, estes hoje nichos, e novos mercados possam ser um caminho para gerar demandas efetivas crescentes e mais rentáveis. Também já é parte de programas de pesquisa o desenvolvimento de cultivares de arroz com maior valor alimentar e consequente maior valor e demanda.
Quanto aos produtores é importante observar que grande parte daqueles cuja situação é mais estável estão trabalhando com base no tripé “pecuária/arroz/soja”. O que proporciona uma melhor efetividade dos colaboradores e infraestrutura de produção.
Por demais conhecido, o fator “arrendamento” é item importante na composição dos custos e requer a atenção dos produtores quando aos valores possíveis quando pensam nas margens mínimas para sobrevivência e crescimento de suas lavouras.
Nestes últimos 20 anos outra mudança importante no meio rural foi o estabelecimento de uma legislação e estruturas público/privadas voltadas para a questão ambiental. No primeiro momento, e em parte do setor até os dias de hoje, visto como mais entrave que agregou mais custos à orizicultura. Desconsiderando os exageros e problemas ocorridos, hoje a questão ambiental é um importante fator de imagem. É importante para a cadeia orizícola ser vista como uma aliada ao meio ambiente, adotando novas práticas e buscando solução de alguns problemas de modo técnico e político, não apenas com atitudes vistas como conservadoras.
De modo objetivo, não desconsiderando o peso de outros fatores, a cadeia orizícola tem para os próximos 20 anos perspectivas de crescimento sustentável, desde que seu foco esteja voltado para:
– Desenvolver as atividades agropecuárias de seu empreendimento mediante uma gestão econômico/financeira mais qualificada.
– Adotar a diversificação da atividade com a pecuária e cultivo de soja de modo a ampliar a estabilidade de seus empreendimentos.
– Adoção de tecnologias que além do aspecto técnico, proporcionem efetivos ganhos financeiros e ambientais.
– Buscar a ampliação das exportações de modo a compensar as importações e a regulação da oferta frente à demanda.
– Organizar um projeto amplo, de médio e longo prazo, entre os elos da cadeia produtiva, para o desenvolvimento de novos produtos de valor agregado, além dos já existentes, que possam criar volumes significativos de demanda.