Preços no Brasil buscam patamares do mercado externo

Lucilio Rogerio Aparecido Alves
Professor da Esalq/USP
Pesquisador responsável pelas Equipes de Grãos, Fibras e Amidos do Cepea

O ano de 2020 foi marcado por um choque de preços do arroz no Brasil, que surpreendeu agentes de mercado de modo geral. Entretanto, não foi algo específico do mercado interno, mas sim um fator observado em nível mundial. Porém, os preços no Brasil deram um salto um pouco mais expressivo, se deslocando dos parâmetros externos. Agora é preciso a busca pelo alinhamento.

O índice de preços do arroz divulgado pela FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura) teve uma valorização de 12,8% entre nov/19 e nov/20 (últimos dados disponíveis), que resulta em preços médios de jan-nov/20 8,5% maiores que os de jan-nov/19. Tomando como referência o Indicador do Arroz em Casca Esalq/Senar-RS, calculado pelo Cepea-Esalq/USP, entre nov/19 e nov/20 os preços em dólares subiram 71%, com média parcial anual 25% maior.

Além disso, no Brasil o dólar se valorizou de forma expressiva. De maio a outubro de 2020, ficou entre 31% 41% acima da média do mesmo mês de 2019 – a média de dez/20 ficou 25% maior que a de dez/19.

O fato é que, no Brasil, dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) já apontavam que os estoques de arroz no final de 2019 estavam no menor volume desde final de 2016. É possível estruturar a matriz de oferta e demanda em termos de ano civil, e não mais entre março de um ano e fevereiro do ano seguinte, tomando como referência os estoques no final de dezembro de cada ano divulgados pelo IBGE, a oferta divulgada pela Conab (Companhia Nacional de Abastecimento) e as importações e exportações da Secex (Secretaria de Comércio Exterior). Mas também será preciso calcular uma demanda derivada. Com esses cálculos, a relação estoque final/demanda apontava para o menor nível desde 2016, ou seja, já sinalizava o cenário de preços mais firmes.

A produção de arroz em casca cresceu 6,7% em 2020, devido, em especial, ao ganho de produtividade. A maior oferta elevava a disponibilidade doméstica de arroz. Além disso, os dados sobre produção física industrial e de beneficiamento no Rio Grande do Sul apontavam queda na atividade nos dois primeiros meses do ano, ou seja, havia baixa demanda.

No final do primeiro trimestre, a pandemia se acirrou no país e houve necessidade de um maior isolamento social. As famílias passaram a ficar em casa, reduzindo a dependência da alimentação fora do domicílio. Houve busca por mais alimentos e também por aqueles de fácil preparo com intenção de aumentar os estoques nas residências. A demanda por arroz e derivados de trigo sofreram um choque, em momento em que a oferta estava consolidada.

Tomando como referência os dados do IBGE, para o país, e do Irga (Instituto Rio Grandense do Arroz), para o Rio Grande do Sul (Figura 1), observa-se que, a partir de mar/20 as atividades industriais tiveram um ritmo muito maior que o registrado no mesmo período de 2019. Segundo o IBGE, o “Beneficiamento de arroz e fabricação de produtos de arroz” acumulado entre jan/20 e jun/20 ficou 10,5% acima da registrada no mesmo período do ano anterior. No RS, que além de atender a demanda doméstica possui excedentes para exportação, o Irga apontou que de jan/20 a ago/20, os “Beneficiamentos e saídas de arroz” ficaram 21,4% superiores ao registrado no mesmo período de 2019 (Figura 1).

Figura 1 – Variações acumuladas no ano de 2020 para a produção física industrial de arroz no Brasil e beneficiamento e saídas de arroz do Rio Grande do Sul.
Fonte: IBGE e IRGA.

Para segurar o ímpeto comprador, os preços subiram de forma expressiva nos meses de abril e maio de 2020. Neste período, a taxa de câmbio já apresentava média mensal superior a R$ 5,00/US$. O preço era atrativo ao comprador internacional e a receita convertida em reais também era bem superior ao mercado interno. As exportações ganharam força entre abril e agosto, acumulando 1,23 milhão de toneladas.

Os preços de exportação e de importação também subiam. Mas o enxugamento da disponibilidade interna fez com que as cotações domésticas subissem em intensidade ainda maior que o registrado no exterior. Vender no mercado doméstico se tornou mais atrativo (Figura 2).

Figura 2 – Variações acumuladas no ano de 2020 para a produção física industrial de arroz no Brasil e beneficiamento e saídas de arroz do Rio Grande do Sul.
Fonte: Cepea; Secex; Agrocast.

No acumulado de 2020, os preços do arroz em casca no Rio Grande do Sul mais do que dobraram de patamar. As variações de preços ao produtor e a dinâmica industrial estão correlacionados com as variações de preços observadas no mercado varejista. Segundo dado do IBGE, referente ao IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo), os preços do arroz subiram 76,01% no mercado varejista, na média do país, em 2020.

As elevações dos preços domésticos levaram o Governo a liberar a importação de 400 mil toneladas de arroz de fora do Mercosul, com isenção de impostos, entre os meses de setembro e dezembro de 2020. As importações também cresceram, em especial no quarto trimestre de 2020. Em dezembro, por exemplo, o total adquirido foi o terceiro maior da série histórica da Secex (iniciada em 1997), atrás apenas dos volumes importados em setembro e dezembro de 1998. Porém, entre setembro e dezembro os volumes importados de fora do Mercosul representaram 30,1% do total no período, o equivalente a 53% das 400 mil toneladas que estavam liberadas com isenção de impostos. No ano de 2020, foram importadas 1,23 milhão de toneladas e exportadas 1,82 milhão de toneladas em equivalentes arroz em casca.
É importante verificar que a expressiva dinâmica industrial observada especialmente no primeiro semestre de 2020 não conseguiu se manter ao longo do segundo semestre do ano. Conforme a Figura 1, de janeiro a novembro de 2020 o “Beneficiamento de arroz e fabricação de produtos de arroz” acumulou variação apenas 0,6% maior que a de igual período de 2019. Já o “Beneficiamentos e saídas de arroz” do Rio Grande do Sul em 2020 ficou 8% maior que o registrado em todo o ano de 2019.

O menor ritmo de demanda e os preços pagos na importação e recebidos na exportação inferiores ao recebidos nas negociações internas, pressionaram os preços domésticos, em especial desde o mês de nov/20. Agora, chega uma nova safra, que não deve ser muito diferente da registrada em 2020. Resta saber, ainda, como irá se comportar a demanda e as possibilidades de exportações.

Em 2020, o preço médio nominal do arroz no Rio Grande do Sul foi de R$ 73,38/sc de 50 kg, contra R$ 43,50/sc de 50 kg. Não será surpresa se em 2021 se observar uma média anual inclusive superior à de 2020, mas claramente abaixo das médias do último trimestre. De qualquer forma, tudo indica que haverá um ano de preços acima da média de anos anteriores, lembrando que em oito dos onze últimos anos safras o produtor não teve receita suficiente para cobrir seu custo total de produção, o que justifica também a redução de área dedicada à cultura no período.

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