Tendências e desafios da Integração Lavoura e Pecuária
Apesar de ser um assunto que vem ganhando maior destaque nos últimos anos, a Integração Lavoura e Pecuária em terras baixas não é um movimento recente. Pelo contrário, remete aos primórdios da orizicultura no Estado do Rio Grande do Sul. Antes do início do cultivo do arroz, já havia uma vastidão de campos da metade sul do Estado com criação de bovinos e ovinos. E o cereal foi, aos poucos, ocupando as áreas mais baixas e próximas dos mananciais. Exatamente aquelas com maior abundância de alimento para os animais, pela maior umidade natural. Assim, começaram a integrar-se essas duas importantes atividades econômicas do Estado.
Até os dias de hoje, é difícil encontrar uma área de soca de arroz sem a presença de animais em pastejo, pelo menos por algumas semanas após a colheita.
Já no campo da pesquisa sobre a Integração Lavoura e Pecuária no Rio Grande do Sul, pode-se elencar o ano de 1966, como um marco inicial. Neste ano, ocorreu a primeira tentativa de formatar uma investigação de porte, em ação realizada entre representantes do Instituto Rio Grandense do Arroz (Irga), Departamento de Produção Animal (antigo DPA) e pesquisadores da Universidade de Wisconsin, dentro do escopo do convênio MEC/USAID.
Na ocasião, chegou-se a tentar implantar pastagens de inverno nos campos da Estação Experimental do Arroz (EEA/Irga), em Cachoerinha (RS), sem sucesso. Ademais, o momento da lavoura de arroz era outro, e não havia um apelo tão grande, como há hoje, pela diversificação em terras baixas como medida de sobrevivência do produtor.
Foi realmente nos últimos 10 anos que a ILP em terras baixas ganhou maior expressão. Muito por causa de um contexto de margens cada vez mais apertadas para o orizicultor, que se obrigou a migrar com força para o cultivo da soja. A adaptação “da várzea à soja”, especialmente no que tange aos esforços em drenagem, abriu um novo horizonte para a pecuária, já que facilitou a implantação de pastagens de inverno e verão em maior quantidade e qualidade neste ambiente.
Somou-se a isso, a implantação de projetos de pesquisa e difusão (Fazenda Corticeiras, em Cristal; Subestação Fronteira Oeste do Irga, em Uruguaiana; Centro Tecnológico Integrar/Agrinova, em Capivari do Sul, entre outros), com a participação de importantes instituições da Metade Sul do Estado, como Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), Irga, Embrapa Clima Temperado e Universidade Federal de Pelotas (UFPel).
Nestes trabalhos, e nas propriedades rurais que seguem os conceitos atuais de manejo, fica cada vez mais evidente a quebra de um antigo paradigma nessa relação secular do arroz com a pecuária: a de que o animal “atrapalha” a lavoura. Especialmente em função da famigerada “lenda do casco”, que remete à eventual compactação causada pelo pisoteio.
Pelo contrário, o animal cada vez mais deixa de ser o vilão, passando a ser o herói do sistema de produção, desde que seguidas algumas premissas básicas e muito simples, especialmente em relação ao manejo da oferta de forragem. Somado à correta adubação dos pastos, o animal passa a ser um “operário” da lavoura, acelerando processos benéficos, como a ciclagem de nutrientes e melhoria da estrutura do solo (pelo estímulo a maior produção de raízes).
A baixa exportação de nutrientes na carcaça animal faz com que boa parte do fertilizante aplicado no pasto fique no sistema, o que gera aumento nos níveis de fertilidade do solo, potencializando o resultado produtivo tanto da lavoura, quanto da pecuária, o que, naturalmente, reduz os custos de produção.
Estamos vivenciando nesses últimos anos, portanto, uma migração de um modelo de produção baseado na agricultura de insumos, para a agricultura de processos.
Tendências e desafios
A tendência é de que haja, pelo produtor, um entendimento cada vez maior dos efeitos sinérgicos que podem haver nessa relação pecuária, arroz e soja nas terras baixas. E isso refletirá também, na relação arrendador x arrendatário, que hoje, na maioria dos casos, é uma relação perde-perde, com o arrendatário entregando uma área de soca cheia de rastros e mal drenada para o dono da terra, que por sua vez não investe praticamente nada na área, devolvendo-a ao arrozeiro em más condições, muito próximo da época ideal de semeadura do cereal.
Com o tempo, crescerão as parcerias no modelo ganha-ganha, onde o arrozeiro passará a trabalhar para si e para o sistema, assim como o pecuarista. E ambos se beneficiarão.
Além disso, a maior complexidade no gerenciamento de sistemas de produção diversificados, vai demandar uma forma mais moderna de tocar o negócio. E aí está a missão da nova geração, que deve ficar muito mais atenta aos números num contexto de margens cada vez mais apertadas, e a novas tecnologias, em especial as geotecnologias para o manejo da água no campo.
Outra tendência que enxergo é o modo como o mercado passará enxergar o produtor das terras baixas, muito mais preocupado em adotar práticas conservacionistas, como o plantio direto, (o que gera menor erosão e economia no uso de água, por exemplo) associado à Integração Lavoura e Pecuária.
A menor necessidade de uso de defensivos, característica desses sistemas de produção, associado a uma menor emissão de gases de efeito estufa por unidade de carne ou grão produzida, resultará em produtos mais “limpos”. Pelo menos na visão de um mercado consumidor cada vez mais atento ao modo de produção do alimento. Seja este consumidor brasileiro, ou estrangeiro.