Cadê o Irga que estava aqui?

 Cadê o Irga que estava aqui?

Servidores protestam com tarja preta nos uniformes

Questões econômicas, políticas e de gestão inquietam o instituto
e refletem no setor

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 O uso sistemático, pelo governo estadual, dos valores depositados por indústrias e arrozeiros gaúchos a título de pagamento da taxa de contribuição para o desenvolvimento da agricultura (CDO) no caixa único do Estado está refletindo na lavoura de arroz do Rio Grande do Sul da pior forma possível. E quem paga – cerca de R$ 0,60 por saca – é o produtor, que se vê mais prejudicado pelo contingenciamento da maior parte do valor arrecadado. Os servidores vêm protestando contra baixos salários, falta de condições de trabalho e a evasão dos pesquisadores.

Desde 2009, o Instituto Rio Grandense do Arroz (Irga), para onde deveriam ser canalizados os recursos da CDO, perdeu a hegemonia do mercado de sementes no estado. Em 2016/17 recuperou a liderança, mas vê suas principais cultivares serem “rebaixadas” pela indústria sob a alegação de falta de qualidade do grão.

Neste período, a lavoura de arroz vive um dos seus maiores desafios com a brusone, doença fúngica que ataca em larga escala, aumento de custos de produção, surgimento de plantas resistentes a herbicidas, demanda por tecnologias de rotação de culturas em várzea e, na atual e na última temporada, dificuldades de inserção no mercado externo.

“O Irga é vital para a orizicultura gaúcha e a segurança alimentar brasileira, daí a razão de buscarmos soluções eficientes para seus problemas, como a regularização dos repasses dos recursos e a valorização dos pesquisadores”, destaca Henrique Dornelles, presidente da Federação das Associações de Arrozeiros do Rio Grande do Sul (Federarroz-RS). Além da perda direta em tecnologia que deixa de ser gerada, por falta de dinheiro o instituto tem demorado muito para pagar as indenizações às áreas atingidas por granizo.

Criada há quase 50 anos, a taxa é a principal fonte de receita da autarquia, mas é retida para atender prioridades do Estado, em séria crise financeira. Em 2015, por exemplo, o instituto não recebeu nenhum centavo e enfrentou R$ 38,5 milhões em despesas com R$ 8 milhões de receitas. Para Francisco Schardong, diretor da Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul), mesmo diante das dificuldades, o Estado deveria ter a consideração de prever ao menos parte da receita ao Irga. “Estamos perdendo a base da competitividade de nossa lavoura, a pesquisa e a transferência de tecnologia pela interrupção de projetos importantes”.
A Secretaria Estadual da Fazenda (Sefaz) fez acordo para repassar ao instituto R$ 60 milhões este ano, dois terços dos R$ 90 milhões que gera a CDO. As parcelas foram divididas em R$ 15 milhões em março e R$ 5 milhões mensais a partir de abril. A parcela de março teria atrasado. Se cumpridas, serão um desafogo.


Muito além da CDO

Outra perda importante gerada pela crise financeira que atinge o Instituto Rio Grandense do Arroz (Irga) com a apropriação dos valores da CDO pelo Estado é a de pessoal. Dezenas de pesquisadores e funcionários concursados não esquentaram banco na empresa pública, seguindo o caminho de companhias privadas ou concursos públicos por melhores remunerações e condições de trabalho.

A perda é maior do que a de um simples funcionário. É perdido o tempo de treinamento, qualificação, o conhecimento gerado e o tempo de execução dos projetos, todos importantes para a cadeia produtiva. Um movimento reivindicatório foi criado pelo Sindicato dos Servidores do Irga e resultou em uma operação-padrão com a suspensão do anúncio dos dados de acompanhamento da colheita.

Para tentar resolver as perdas de pessoal, o descontentamento dos servidores e os custos que os funcionários têm com uso de celular, veículos e computadores próprios, conselheiros, diretoria e Federarroz buscaram convencer o governador a conceder uma gratificação de 50% sobre os salários. Entretanto, diante do atual quadro econômico do Estado, parcelamento de salários de servidores e renegociação de dívidas com a União, José Ivo Sartori não considerou o momento adequado.

Também levou em conta que o aumento poderia incluir dirigentes e servidores mais antigos, ampliando o abismo entre os salários. A posição gerou críticas de conselheiros, produtores e servidores e o governador não gostou do fato de a diretoria do Irga não defendê-lo, pois, ainda que indicados pelos arrozeiros, ocupam cargos políticos.

Isso desencadeou uma movimentação nos bastidores partidários para a indicação de um novo presidente com trânsito na política e que tenha boas relações na orizicultura. Sartori designou o vice-governador José Paulo Cairoli, que não tem poder de decisão, para receber uma comissão do conselho, que tenta dissuadir os servidores da mobilização e preservar os dirigentes. Apesar disso, a indicação do atual presidente, Guinter Frantz, começa a ter vozes dissonantes. Dirigentes, servidores e conselheiros consideram que o isolamento e a falta de trânsito do atual presidente no Palácio Piratini prejudicam a gestão da autarquia.

É comum a comparação de que muitos dos ex-presidentes entravam na sala do governador, no Palácio Piratini, sem ser anunciados e o atual presidente do Irga leva chá de banco até do secretário da Agricultura.

Frantz: chá de banco e dissonância

Assembleia
O Sindicato dos Servidores do Irga (SindisIrga) realizou assembleia geral no dia 28 de março, em Porto Alegre, para elencar uma pauta de reivindicações e encaminhar suas estratégias de mobilização em busca de melhores salários e condições de trabalho. Cerca de 170 trabalhadores compareceram. Os servidores querem a adoção imediata da gratificação de 50% nos vencimentos do quadro efetivo, além de uma recuperação real dos salários, que, segundo eles, estão congelados desde 2011. A regulamentação de um plano de carreira também é meta, juntamente com um novo modelo de vale-refeição e imediata nomeação para cargos vagos. No final de abril, nova assembleia estava agendada.

No início de abril, porém, uma comissão do conselho deliberativo, que tem se reunido com o vice-governador José Paulo Cairoli, solicitou o abrandamento do movimento no instituto argumentando que uma reivindicação mais enérgica poderá derrubar a diretoria indicada pela cadeia produtiva e assentar políticos na direção da instituição. Enquanto isso, os técnicos suspenderam o uso de bens e equipamentos próprios a serviço da autarquia (telefone, computadores, veículos), a emissão dos boletins informativos – vácuo suprido pela Emater-RS – e protocolos de pesquisas encomendados por terceiros e mantiveram o uso de uma tarja preta nas mangas das camisas. A diretoria apoiou parte das reivindicações e emitiu uma carta detalhando e justificando cada uma das posições.

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