Cientistas correm para salvar o arroz-rei japonês das mudanças climáticas

 Cientistas correm para salvar o arroz-rei japonês das mudanças climáticas

(Por River Davis e Hisako Ueno, The New York Times) Cientistas no Japão estão explorando o DNA e correndo contra o tempo para tentar salvar o famoso arroz Koshihikari, o rei dos arrozes, dos efeitos devastadores das mudanças climáticas ao torná-lo mais resistente ao calor, após dois verões escaldantes devastarem as safras desta variedade no país.

Em um centro de pesquisa em Niigata, coração montanhoso da produção de arroz do Japão, uma equipe de cientistas identificou um padrão no DNA do arroz que torna certas variedades da planta resistentes ao calor. Os pesquisadores estão agora embarcando em uma missão urgente para, via cruzamento, inserir essa assinatura genética no Koshihikari, o arroz japonês que tem liderado as vendas nos supermercados do país por mais de 40 anos.

O arroz Koshihikari tem sido, há gerações, o orgulho de Niigata, no coração da região produtora de arroz do Japão Foto: Noriko Hayashi/NYT

No ano passado, suas lavouras em todo o Japão registraram perdas  recordes pelo verão mais quente já registrado. Comparado aos outros arrozes, esta cultivar tem uma tolerância particularmente baixa à temperatura extrema, e as temperaturas escaldantes tornaram seus grãos opacos e quebradiços.

Este fenômeno foi um duro golpe para os agricultores em Niigata, onde o cereal deste tipo é o maior produto agrícola da economia. No ano passado, menos de 5% do grão colhido na região foi classificado com a qualidade mais alta que permite ser vendido por um preço mais elevado — cerca de US$ 6 ou US$ 7 (R$ 35 ou R$ 40) a mais para cada saco de 60 quilos. Na última década, cerca de 80% ou mais do arroz Koshihikari local foi classificado como de primeira qualidade.

O cultivar japonês é apenas uma pequena parte de uma indústria agrícola global que está sendo desestabilizada pelas temperaturas crescentes. Desde produtores de uva em Bordeaux até colhedores de cacau na África, os agricultores foram forçados a alterar práticas que estavam em vigor por gerações.

O calor também está afetando a produção de arroz em outros polos de cultivo na Ásia, como Vietnã e Tailândia. “A história é, em última análise, muito maior que o Japão,” disse Charles Hart, um analista sênior de commodities na BMI, uma unidade da firma de pesquisa Fitch Solutions. “O arroz é muito intensivo em água, e em um contexto de temperaturas aumentando gradualmente e períodos mais frequentes de calor intenso, o arroz resistente ao calor precisa ser a direção a seguir pela pesquisa”, disse Hart.

 


Shingo Kuwabara em um campo de arroz Shinnosuke em sua fazenda. “O arroz Shinnosuke não é danificado pela chuva e pelo calor em comparação com o arroz Koshihikari”, disse ele Foto: Noriko Hayashi/NYT

No Japão, onde o governo usa tarifas para limitar as importações de arroz, a má colheita da variedade contribuiu para uma ampla escassez do cereal este ano. Prateleiras vazias em supermercados desencadearam pânico e levaram a apelos aos oficiais japoneses para liberarem as reservas estratégicas do país. Pesquisadores agrícolas no Japão dizem que a chave para cultivar um novo tipo de Koshihikari resistente ao calor pode residir no DNA de outros arrozes, incluindo o Shinnosuke.

No Instituto de Pesquisa Agrícola de Niigata, cientistas identificaram uma sequência de DNA que eles dizem poder dar ao Koshihikari a capacidade de resistir ao calor extremo. Mas, o processo de introduzir a sequência especial de DNA no arroz é trabalhoso.

Região de Uonuma, no sul de Niigata, onde são produzidos alguns dos melhores Koshihikari do Japão Foto: Noriko Hayashi/NYT

Cientistas no centro de pesquisa dizem que leva de 10 a 15 anos para criar um novo tipo de arroz do início ao fim. Com a velocidade na qual as temperaturas têm mudado nos últimos anos em mente, a equipe está se esforçando para terminar o processo em, no máximo, uma década.

Em vastos terrenos agrícolas atrás dos prédios principais do instituto, pesquisadores estão cultivando híbridos cruzados de Koshihikari e outros arrozes resistentes ao calor. Esses híbridos então serão cruzados novamente com o “rei dos arrozes”. Esse processo será repetido até que obtenham um grão com as mesmas características apreciadas pelos japoneses em todos os aspectos, mas com a vantagem de suportar altas temperaturas. Qualquer nova variedade “deve ser tão deliciosa quanto o Koshihikari sempre foi,” disse Khobayashi, o especialista técnico. “Caso contrário, os agricultores não vão querer cultivá-lo.”

Grãos de espécies resistentes ao calor serão colocados no laboratório de testes de qualidade do centro de pesquisa, onde máquinas verificarão suas características agronômicas e gastronômicas, aderência, umidade, formato e brilho, entre outros. Um painel de especialistas testará o aroma e o sabor dos arrozes cozidos pelo complexo de mais de 50 panelas especiais de cocção de arroz da unidade científica.

A colheita ruim de Koshihikari no ano passado contribuiu para a escassez generalizada de arroz no Japão durante o verão Foto: Noriko Hayashi/NYT

Eventualmente, um Koshihikari resistente ao calor será selecionado e suas sementes distribuídas aos agricultores em Niigata. Já neste ano, pesquisadores do Instituto de Pesquisa Agrícola examinaram dezenas de milhares de amostras de arroz híbrido em busca da sequência de DNA correspondente aos valores buscados.

Takeshi Shiraya, pesquisador-chefe do instituto, realiza testes usando uma máquina que produz imagens do DNA do arroz que parecem códigos de barras: duas bandas claras indicam que o arroz tem a característica desejada e pode ser plantado nos campos de teste do lado de fora. Acima da máquina de Shiraya, alguém de sua equipe havia colocado um pequeno santuário de madeira dedicado às colheitas abundantes de grãos. Ele disse que o gesto foi significativo.

“Nosso trabalho aqui é 99% esforço”, disse Shiraya. O último 1%, ele disse, “fica por conta dos deuses.”

Deixe um comentário

Postagens relacionadas

Receba nossa newsletter