Renda não é crime

 Renda não é crime

Economista, pós-graduado em Agronegócios, o presidente da Federação das Associações de Arrozeiros do RS (Federarroz), Renato Caiaffo da Rocha, é, sem dúvida, a principal liderança do setor produtivo. Natural de Rio Pardo (RS), Rocha consolidou sua vida relacionada ao setor arrozeiro em Dom Pedrito (RS), onde está radicado há 25 anos. Nesta entrevista para a revista Planeta Arroz, o dirigente analisa o momento do setor e as perspectivas para a próxima safra, e reforça: “A atividade orizícola precisa ser remunerada”.

Planeta Arroz – Como o senhor avalia o atual momento da orizicultura e o impacto das medidas do governo na comercialização do grão?

Renato Rocha – Estamos com os preços estáveis. Isso se deve à elevação do dólar, aos mecanismos de comercialização e à questão da repactuação das dívidas dos produtores. Embora o processo não tenha fluído 100%, muita coisa já foi diluída em termos de oferta do grão. Caso contrário, teríamos uma oferta excessiva no mercado para atender esses compromissos que foram repactuados. Também é preciso fazer a leitura do consumo, que se mantém estável em torno de 1,1 milhão de toneladas por mês em todo o Brasil. Nos sete últimos meses, temos quase 8 milhões de toneladas consumidas de um total de 13,7 milhões de toneladas. Com isso, temos sobrando no mercado pouco mais de 5 milhões de toneladas, parte está na mão dos produtores e parte com o governo, através dos mecanismos, em armazéns credenciados. Em outras palavras, não tem tanto arroz assim que possa pressionar os preços para mais baixo.

Planeta Arroz – De que maneira o câmbio afeta as importações e exportações?

Renato Rocha – As importações estão freadas, em torno de 492 mil toneladas, se comparadas com as exportações. A leve alta do dólar também favorece o escoamento do produto para fora do país. Já são 1,1 milhão de toneladas exportadas, ou seja, uma média de 160 toneladas por mês. Acredito que vamos atingir quase 2 milhões de toneladas.

Planeta Arroz – Qual a expectativa de plantio para a safra 2011/12 no RS?

Renato Rocha – A Federarroz prevê redução de área de 10% a 15%. Primeiramente, em função do déficit hídrico na região da Campanha e na Fronteira Oeste. E tem a questão econômica: há produtores que não fecharam as contas da atual safra  e outros não obterão 100% do financiamento da nova safra. Isso reduzirá o uso de tecnologia na lavoura. Há também a migração da área do arroz para atividades que tenham maior previsão de receita, casos da soja, do milho e da pecuária. Tem produtores que vão plantar só a metade da sua área com arroz e a outra metade com soja.

Planeta Arroz – O produtor está fazendo uma reestruturação do seu negócio?

Renato Rocha – Exatamente. Está reduzindo custos em tudo o que pode, renegocia arrendamento, assistência técnica; não investe. É o esforço necessário para continuar na atividade, pois não há como deixá-la de um dia para o outro. Há compromissos com os agentes financeiros, investimentos realizados, colaboradores, a estrutura montada ao longo de uma vida. É difícil. Então ele tem que permanecer na atividade, fazer a gestão da lavoura e do negócio para atravessar esse momento de dificuldade.

Planeta Arroz – Nesse cenário, que produção é esperada na safra 2011/12?

Renato Rocha – Nossa projeção é cautelosa. A climatologia indica a volta do fenômeno La Niña e previsão de estiagem. 50% da lavoura que é plantada com água de rios, de arroios e lagoas poderá ter problemas se a estiagem for forte. A estimativa é que se cultive 1 milhão de hectares, com produtividade entre 6,5 e 7 mil quilos por hectare. Isso projeta uma safra de 6,5 milhões a 7 milhões de toneladas no RS. Somados ao resto do Brasil e aos estoques,  garante o abastecimento nacional.

Planeta Arroz – Na comercialização, a Federarroz prevê as mesmas dificuldades?

Renato Rocha – Dependerá das ações do setor. Não podemos nos dar ao luxo de ficarmos sentados esperando que as coisas aconteçam.  Na 8ª Abertura do Plantio, solicitamos ao secretário de Política Agrícola, Caio Rocha, R$ 1,76 bilhão em mecanismos de comercialização – AGF, EGF, Opções, PEP e Pepro – para dar suporte à próxima safra. É de fundamental importância que tenhamos na Abertura da Colheita, em fevereiro de 2012, em Restinga Seca, ou antes, estes recursos à disposição para que não aconteça o mesmo que nesta safra.

Em termos de preços, há outras variáveis que vão determinar o valor de mercado, como a produção do Brasil e do Mercosul. Quanto maior o volume, maior o excedente. A consequência disso é a depressão nos preços. Tem ainda a questão cambial e seu impacto nas importações e exportações. No momento, a situação é tranquila, porque há uma exportação fantástica. Acho que passaremos de oitavo no ranking mundial de exportadores para sexto ou quinto.

Planeta Arroz – Como o mercado mundial pode impactar na relação preço-oferta?

Renato Rocha – O mercado internacional pode ajudar ou atrapalhar. Se estiver com preços altos, na faixa de US$ 650,00 a US$ 700,00 acima, nos tornamos mais competitivos e escoamos mais arroz. Se houver incentivo do governo, melhor ainda, mas com preços mundiais baixos será mais difícil. O governo terá que apoiar a exportação para compensar as importações do Mercosul.  Estes cenários futuros determinarão preço. Se houver uma intervenção governamental no ano que vem, como o ministro da Agricultura, Mendes Ribeiro Filho, sinaliza, se equacionarmos problemas de falta de armazenagem, ajustarmos mecanismos como AGF, PEP e Pepro, podemos manter preços próximos do preço mínimo, talvez acima em alguns momentos.

Planeta Arroz – O Mercosul tende a aumentar sua produção. Como isso influenciará o mercado nacional?

Renato Rocha – O Mercosul é uma realidade. Uruguai, Paraguai e Argentina aumentam a produção a cada ano. É por isso que a Federarroz trabalha usos alternativos para o arroz, como ração animal, etanol, mais consumo. Lideramos essa cruzada. Mas com o mercado mundial aquecido, o Mercosul pode direcionar seu arroz para terceiros países.

Planeta Arroz – Que medidas poderiam reduzir o ingresso de arroz do Mercosul?

Renato Rocha – Além do estudo pedido pelo ministro Mendes Ribeiro Filho sobre medidas de equilíbrio às importações, há dois fatos novos. Temos uma ação judicial que começou com a Federarroz e o Sindicato Rural de Bagé, em 2005, na qual pedimos a realização de exames de laboratório no arroz importado, beneficiado ou em casca, oriundo do Mercosul. Esses países usam produtos não registrados e legalizados no Brasil, inclusive alguns banidos do nosso mercado. Na prática, esse arroz acaba entrando sem que haja uma amostragem fitossanitária efetiva. Ganhamos esta ação, recentemente, em terceira instância. Agora, quem está à frente é o Ministério Público Federal. Há uma sentença em vigor que estabelece que a União faça o exame fitossanitário no arroz importado. Isso vai restringir as importações, não pela questão econômica, mas pela questão da saúde pública e do meio ambiente.

Outra novidade é a Lei 12.427, do então deputado estadual Jerônimo Goergen, que estabelece exames fitossanitários no Rio Grande do Sul para o arroz importado, assim como outros produtos agrícolas, como cebola, cevada, trigo, alho e vinho. A lei está em vigência e não é cumprida, por isso provocamos o Ministério Público gaúcho, e está sendo exigido o cumprimento da lei. O Estado terá que fazer os exames de laboratório, por amostragem, nas fronteiras e verificar se há resíduos de agroquímicos no arroz.

Planeta Arroz – Nesta safra, mesmo com o apoio do governo, o preço não chegou ao mínimo de R$ 25,80. O que fazer para que não se repita na safra 2011/12?

Renato Rocha – O problema está na sistemática e estrutura dos mecanismos de comercialização. Os atuais mecanismos foram criados em 1966, com a política de garantia de preço mínimo, e a maioria dos mecanismos que estão aí à disposição do mercado e dos produtores. São vários problemas, como, por exemplo, o AGF, que tinha recursos em fevereiro e o produtor levou de 60 a 70 dias para acessar por causa da burocracia, da falta de armazéns credenciados. Então, é preciso rever e ajustar esses mecanismos e identificar,  em cada um, quais são os entraves para que funcionem a pleno e atinjam os objetivos para os quais foram criados. Por que o mercado demorou em reagir às medidas do governo? Porque identificamos vários problemas e tivemos que trabalhar muito, politicamente, para corrigi-los. Fizemos dezenas de reuniões com a Conab, Mapa, o governador do Estado; fomos à Câmara Federal, Casa Civil, Banco do Brasil, Ministério da Fazenda; efetuamos um trabalho hercúleo para resolver isso, e nem tudo foi resolvido. Há muitas pendências ainda.

Planeta Arroz – A Federarroz também identificou problemas com o PEP?

Renato Rocha – O problema com o PEP é que o produtor não acessa integralmente o prêmio para receber o preço mínimo. Na prática, só beneficia aqueles que estão perto do porto. A Campanha e a Fronteira Oeste não têm acesso porque estão longe e seus custos são maiores. Então, precisamos pegar os mecanismos de comercialização e ajustar para que funcionem. Isso tem que ser feito antes da próxima safra, quando estes mecanismos precisam ser usados. Pedimos isso ao governo federal. Queremos, com o governo, analisar as sistemáticas, ajustar e corrigir o que for necessário para que cumpram sua função e para que o produtor receba ao menos o preço mínimo garantido pela lei.

Planeta Arroz – O que contribuiu para o endividamento dos produtores?

Renato Rocha – São vários aspectos que agravam o endividamento. O principal é a falta de rentabilidade, que ano após ano aumenta um passivo. Quem planta não sabe por quanto vai vender a produção no ano que vem. Não há uma referência, uma garantia que assegure que o valor recebido será superior ao custo de produção. Em qualquer atividade agrícola isso deveria ser garantido. Não é crime ter renda, ter lucro. O problema é a ausência de uma política que assegure esse direito.

Tem anos em que o produtor perde com o clima, como na safra 2010/11, ou com o preço, em 2011/12. Isso é prejuízo. Mas há casos de arrozeiros que não têm acesso ao crédito rural e usam recursos do mercado, mais caros. Não temos um programa voltado à armazenagem, especialmente ao arrendatário. Está provado que quem armazena seu produto consegue vendê-lo ganhando de 10% a 15% a mais do que quem armazena numa empresa particular. Sem ter onde armazenar, o rizicultor se torna refém da empresa que o financia e recebe o seu arroz. Tem ainda as assimetrias.

O Mercosul coloca arroz no Brasil mais barato porque tem custos baixos, incentivos e uma carga tributária que é um terço da nossa. O nosso custo de produção elevado, principalmente por impostos e juros, impede a concorrência com a importação, que em muitos estados brasileiros não paga impostos, enquanto o arroz gaúcho e catarinense paga. Assim, precisamos de incentivo para exportar e compensações para concorrer com o produto importado. Sem falar no custo dos insumos, no Custo Brasil, na carga tributária. Hoje, um terço do arroz que está nos supermercados é imposto, é taxa, e agrava a situação de endividamento do produtor.

Planeta Arroz – O que nos traz de volta à questão da renda…

Renato Rocha – Exatamente. A estrutura da cadeia produtiva abrange 18 mil produtores. São 9 mil lavouras, 200 indústrias e apenas três redes de varejo mandam no mercado. O mesmo ocorre com as empresas de insumos. Trata-se de uma estrutura oligopolista que o produtor enfrenta para comprar componentes para formar sua lavoura e para vender seu produto. As empresas se concentram para evitar a concorrência e, assim, ditam preços. Dos combustíveis, a Petrobras dita o preço. O nosso óleo diesel é mais caro, os insumos também. As empresas sobem os preços dos insumos ao seu bel prazer e, às vezes, o dólar nem subiu. É a lei de mercado estabelecida no Brasil no momento.

A formação dos custos de produção passa pelo enfrentamento destas estruturas que ditam o preço, e o produtor tem que ir a reboque. A situação é tão grave que contabilizamos, nos últimos 22 anos, 15 safras que fecharam no vermelho. Praticamente em 70% das safras colhidas nas duas últimas décadas o agricultor teve prejuízos. Isso gera desequilíbrio nas margens da cadeia. Neste ano, o preço baixou 40% para o produtor, mas para o consumidor não baixou quase nada. Então, alguém ficou com a renda do produtor. É evidente que, além do endividamento, da concorrência do Mercosul, da carga tributária, estamos trabalhando sem renda.

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