Uma semente gaúcha na África

 Uma semente gaúcha na África
Natural de São João do Polêsine (RS), o agricultor Ari Fernando Foletto, 53 anos, costuma dividir seu tempo entre a casa no Recanto do Maestro, em Restinga Seca, e as propriedades em Itaqui, Rio Grande e Santa Vitória do Palmar, todos no Rio Grande do Sul, onde cultiva arroz e soja e também é pecuarista. Considerado um dos maiores produtores de arroz do Brasil, com área de 12 mil hectares cultivados em território gaúcho, onde a lavoura média fica em torno de 50 hectares, ele agora se torna um grande produtor do cereal também na África, que entrou em seu itinerário há quatro anos. A seguir, a entrevista de Planeta Arroz retratando os detalhes do empreendimento.

Planeta Arroz –
Como foi que o senhor começou a cultivar arroz?
Ari Foletto – Eu comecei a plantar ainda criança, há 45 anos atrás, quando todo o processo era manual, ajudando meu pai, Gelindo Danilo Foletto, em nossa propriedade. Em 1979, a família foi plantar em Itaqui. Mais tarde, iniciei o cultivo individualmente, naquele município, e fui crescendo.

Planeta Arroz – Quais foram os obstáculos nesse processo?
Ari Foletto – A lavoura é uma atividade de risco por causa do clima. E o arroz é um alimento estratégico da cesta básica brasileira. Assim, há muita interferência do governo no mercado. Às vezes até ajuda, mas normalmente atrapalha. Esses são dois grandes obstáculos. No meu caso, foi fundamental para crescer a minha vontade e a certeza no meu potencial para ser um grande produtor. Sempre quis fazer o melhor e buscar os maiores resultados, produtividade e qualidade no produto. Cada pessoa tem que desenvolver ao máximo o seu potencial e eu sempre tive certeza de que poderia ser um agricultor de sucesso.

Planeta Arroz –
Tanto que hoje o senhor tem uma indústria.
Ari Foletto – A Foletto Alimentos está concentrada em Itaqui, com marcas de arroz próprias e atuantes em cinco estados brasileiros. Nossas marcas são Foletto, Foletto Ouro e Dona Iza.

Planeta Arroz – O senhor também diversificou sua lavoura?
Ari Foletto – Comecei na safra 2011/12 e na temporada 2012/13 cultivei 1,2 mil hectares de soja em Itaqui e Rio Grande. Sempre procurei alternativas, como soja, para não depender do humor do mercado e também por motivos agronômicos. É preciso melhorar o solo, tirar a resistência de ervas daninhas. E também é importante ter outra fonte de receita na hora em que o arroz está com preço inferior ao desejado.

Planeta Arroz –
E qual sua estratégia de comercialização?
Ari Foletto – No primeiro semestre, tem a soja para comercializar, pois normalmente o arroz alcança melhores preços no mercado no segundo semestre. Não é uma receita estática, depende do mercado. Pretendo ampliar a área e aconselho os arrozeiros a plantarem parte da área com soja, dentro das recomendações, pois assim haverá bons preços no arroz e ganhos nas duas culturas. E as vantagens agronômicas e financeiras, pois vamos diluir custos da produção de arroz. Plantar uma leguminosa ajuda a melhorar as características físicas, químicas e biológicas do solo, quebrar ciclo de pragas, doenças e invasoras pelo uso de outros defensivos.

Planeta Arroz – Com esta receita o mercado será melhor?
Ari Foletto – Este ano, acredito que teremos uma boa comercialização e preços remuneradores. Ano passado, o arroz bateu em R$ 42,00 a saca de 50 quilos e deixou a estrada de mercado aberta para voltar. O estoque é baixo, a safra menor que o esperado, teremos a exportação. Se o governo não interferir demais, será um ano até melhor do que 2012.

Planeta Arroz – E como surgiu a possibilidade de cultivar arroz na África?
Ari Foletto – Tudo começou há quatro anos, quando fiz uma pesquisa no país de Gana, pensando em expandir os negócios. Há dois anos integro o conselho da empresa GADCO, que produz mil hectares de uma variedade de arroz aromático por ano e tem produtividade de 6 mil quilos por hectare. Participo do projeto para colaborar, mas também aprender sobre a cultura, o solo, os sistemas de produção e o mercado da África.

Planeta Arroz – E o Quênia?
Ari Foletto – A partir desta experiência, segui buscando melhores condições e encontrei na região de Tana River, no Quênia, uma área com solo, água abundante, clima e mão de obra. São 200 mil hectares banhados pelo Rio Tana. Em visita ao país, soube de uma licitação do governo buscando investidores agrícolas. Dos interessados, dois preencheram os requisitos e fui escolhido a partir da visita de representantes do governo às minhas áreas de produção.

Planeta Arroz –
E quando o senhor começa a plantar lá?
Ari Foletto – No final do primeiro semestre de 2013. Vamos cultivar 10 mil hectares de arroz aromático para exportar. Como a produtividade na região é de 5 mil quilos por hectare, vou introduzir híbridos da Bayer, importados da Índia, que podem produzir até 14 mil quilos por hectare. Há um grande potencial de crescimento produtivo na região. O sistema é irrigado, como o nosso, mas o clima é tropical, permite cultivar duas safras ao ano. Isso exigirá variedades adaptadas.

Planeta Arroz – Mas por qual razão o senhor revolveu ir para a África?
Ari Foletto – Toda uma conjuntura. Além da vontade de expandir meus negócios, eu viso lucro, que é o objetivo de todos os empreendimentos, mas também tenho por meta a produção de alimentos, que é uma vocação familiar, e a difusão das tecnologias naquela região, o que deve gerar desenvolvimento. Na África, o preço do arroz ao produtor, em dólar, é o dobro do praticado no Brasil, em torno de mil dólares por tonelada de arroz branco. E o custo de produção não passa da metade do brasileiro. O cenário é atraente.

Planeta Arroz –
Assim parece fácil…
Ari Foletto – Mas não é. Todo o alimento importado ou exportado pelos países africanos tem alta incidência de impostos, que é uma das poucas fontes de renda para os governos. A geração de renda interna é pequena. A maior parte da população trabalha apenas para se alimentar. Atualmente, há grandes investimentos na África. Entre eles, uma ligação entre o Oceano Índico e o Atlântico com autoestrada, ferrovia de bitola larga e energia elétrica para intercâmbio de mercadorias entre o Oriente e o Ocidente via o maior porto africano, que está em construção: Lamu, no Quênia.

Planeta Arroz – Isso fortalece o conceito de oportunidade…
Ari Foletto – A África é um continente formado por países em desenvolvimento, com população de 1,1 bilhão de pessoas. E crescente. É gente com vontade de trabalhar e consumir. São pacíficos, com pouca instrução, mas consumidores em potencial. Hoje a maior parte deles come apenas raízes, mas estão evoluindo rapidamente ao consumo de carboidratos. Há um grande potencial de consumo e oportunidade aos empreendedores na área agrícola e comercial deste continente, um grande importador de arroz que vai importar muito mais ainda.

Planeta Arroz – O senhor acredita na evolução de renda?
Ari Foletto – A evolução da renda que o Brasil experimentou recentemente acontecerá lá. Há um potencial de consumo reprimido, só que no Brasil eram 200 milhões de habitantes e na África serão 1,2 bilhão de pessoas a consumir diversos alimentos e produtos comerciais.

Planeta Arroz –
E há facilidade de encontrar mão de obra?
Ari Foletto – A mão de obra é farta, mas pouco qualificada para o nível de tecnologia que temos. Mas há trabalhadores acostumados com equipamentos rodoviários, construção de estradas, o que torna mais fácil qualificá-los para máquinas agrícolas. Levarei daqui pessoas para funções-chaves. Houve muitos interessados.

Planeta Arroz – Qual o seu sentimento em ser arrozeiro em dois continentes?
Ari Foletto – Me sinto realizado por ter origem em um país como o Brasil, que precisa de política agrícola mais eficiente, mas permite que eu desenvolva minha profissão, realize investimentos e gere empregos e renda com os amparos legais. Se vou investir na África é por ter encontrado os meios para crescer no Brasil, num ambiente de alta capacidade técnica produtiva e em potencial de consumo. Para os colegas produtores, recomendo que mantenham a coragem e o dinamismo que cada dia será melhor, principalmente olhando essa expectativa de que o mundo terá 9 bilhões de consumidores e a maior parte deles comerá arroz.

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