Direto ao ponto

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Mara Grohs: sistema de cultivo alcança só 1% no RS

Plantio direto: desafio
pela sustentabilidade
da lavoura de arroz
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Forçada a reduzir custos e otimizar operações e controles, a lavoura arrozeira gaúcha ensaia um novo salto tecnológico para tornar-se mais eficiente e sustentável e com menor desembolso, adaptando-se ao conceito de plantio direto, com menor revolvimento do solo, já aplicado em outros ambientes. Se o sistema nunca avançou nas áreas de arroz é porque implica em mudanças importantes e não tão fáceis de aplicar.

Mas, o aumento do interesse pelos rizicultores e um esforço de pesquisa devem resultar no avanço deste modelo de cultivo. Um dos polos difusores desta tecnologia, também pela forte demanda na região, é a estação do Instituto Rio Grandense do Arroz na Região Central, na Barragem do Capané, em Cachoeira do Sul (RS), sob coordenação dos engenheiros agrônomos Pedro Trevisan Hamann e Mara Grohs.

No dia de campo regional, em 25 de janeiro, que reuniu 1,1 mil pessoas, o tema foi apresentado em uma das estações e chamou muita atenção. “Depois do dia de campo verificamos um aumento significativo das áreas colhidas no seco, também beneficiadas pelas características do clima nesta temporada”, revela Mara Grohs. Segundo ela, ao longo das décadas, algumas tentativas para implantar esse sistema já foram feitas sem sucesso. “Do contrário, não teríamos irrisório 1% de adoção em todo o estado”, frisa.

Os empecilhos esbarram nas dificuldades em se realizar a colheita no seco, evitando os “rastros” da colhedora, e também por uma questão cultural, onde o produtor está acostumado a deixar o solo quase como uma “farinha”. Questões culturais a parte, a maior dificuldade em ser contornada é a colheita no seco, visto que é comum a ocorrência de chuvas durante esse processo, em especial nas áreas em que a colheita acontece a partir da segunda quinzena de março.

“Nem todos os solos têm capacidade de suportar o trânsito das máquinas sem necessidade de correções. A ideia é que se houver a possibilidade de colher no seco em 30% da área, haverá a economia de óleo diesel e de tempo em todo o sistema”, acrescenta a pesquisadora. Analogia se faz à soja em terras baixas: será que essa cultura serve para todas as áreas da propriedade? É óbvio que não.

Jair Buske, produtor em Agudo, é um dos entusiastas do sistema. “Tenho adotado a rotação de sistemas e de cultivos como forma de buscar a sustentabilidade das minhas lavouras e o plantio direto é o meu objetivo para ao menos parte dela. Além de reduzir custos, há a conservação do solo e de suas características físicas e químicas, que traz retorno ao longo do tempo”, frisa. Ele reconhece que o método exige dedicação para superar obstáculos e hábitos tradicionais.

Outro produtor que atua há 20 anos no modelo é Fernando Hoerbe, de Cachoeira do Sul. Ele considera que o método de cultivo tem mais vantagens do que desvantagens, é ambientalmente mais equilibrado do que alguns outros sistemas, favorece o cultivo na época mais adequada e permite a rotação de culturas. O plantio direto reduz o uso de máquinas e equipamentos no preparo do solo, reduzindo, com isso, os riscos de compactação e a construção de taipas para a retenção da água.

Ivo Mello, coordenador do Irga na Fronteira Oeste, trabalha há décadas com o conceito e o considera diferencial para a cultura e um caminho que será trilhado paulatinamente.

FIQUE DE OLHO
A colheita no seco é um procedimento que depende da tomada de decisão do produtor, pois o primeiro passo é a ausência de água na lavoura. As recomendações técnicas da Sociedade Sul Brasileira de Arroz Irrigado (Sosbai) citam, de forma geral, que a partir de 15 dias do florescimento das plantas a irrigação pode ser suprimida, isto é, pode-se deixar de irrigar a lavoura. O Irga tem voltado esforços para quantificar em quais situações é possível adiantar esse processo.

Desafio é manejar a palhada
Uma das dificuldades encontradas na adoção do manejo com plantio direto é a decomposição da palhada. “Uma enorme quantidade de palha entrará no sistema em um período do ano com alta umidade e baixas temperaturas, condições desfavoráveis para a atividade microbiana. Considerando um índice de colheita de 0,5, ao colhermos a média do estado, 7.908 quilos por hectare, teremos 7.908 quilos por hectare de palha, material de baixíssima qualidade em função da alta relação de carbono e nitrogênio”, explica Mara Grohs, do Irga.

“Isso significa dizer que em algum momento faltará nitrogênio no solo para os microrganismos e eles não irão mais consumir a palha. Acontece porque 90% de todo o nitrogênio e potássio presentes na palhada serão liberados até 40 dias após a colheita, o queinfluenciará diretamente o processo de decomposição”, acrescenta a engenheira agrônoma.

Se a decomposição do material remanescente na lavoura é obstáculo, é preciso encontrar uma fórmula para vencê-la. Uma medida bastante eficiente para estimular a decomposição desse material é a dessecação da resteva, que substitui a ação das geadas. “Os últimos invernos não foram tão rigorosos e a dessecação é uma ótima oportunidade de eliminar plantas que irão sementar”, explica Mara Grohs. Ela considera que a chave para o sucesso da operação é o momento e a dose de aplicação do dessecante. As plantas devem ter área foliar suficiente para a translocação do produto, necessitando de período de rebrote, que não ocorrerá com menos de 15 dias após a colheita.

Estudos da Estação Regional do Irga de Cachoeira do Sul mostram que mantida a palha sobre a superfície do solo, sem dessecação, 70% dela ainda estará lá na semeadura da nova safra, enquanto que dessecada reduzirá para 55% do volume. “Ao usar um mecanismo que a deite e aumente o contato com o solo, favorecendo a decomposição microbiana, a quantidade é reduzida para 40%”, assegura.

MEIO AMBIENTE
Além da redução do custo, o plantio direto em terras baixas traz benefícios ao meio ambiente. O arroz irrigado é fonte de emissão de metano. Não é o principal, mas um dos que se pode modificar os padrões de emissão com mudança do manejo. Trabalho realizado com o grupo de pesquisa em arroz irrigado (Gpai) da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) determinou que o plantio direto reduz em até 67% a emissão dos gases de efeito estufa (GEE).

Soma-se a isso o fato de que o sistema de preparo convencional, que utiliza gradagens sucessivas, contribui para a degradação da matéria orgânica. Resultado disso é o aumento consecutivo de solos classificados com teor de matéria orgânica menor que 2,5%, em especial na Depressão Central, onde as áreas são menores e mais intensamente cultivadas.

 

Arroz semeado sobre palha de arroz apenas dessecada e… sobre palhada dessecada e deitada com uso de implemento para aumentar o contato com o solo

Sistema ajuda no controle de plantas daninhas
A alta infestação por arroz vermelho é uma das grandes preocupações da orizicultura do Sul do Brasil. O pesquisador de plantas daninhas do Irga, Paulo Massoni, explica que a manutenção da palha na superfície das lavouras pode evitar o aumento da presença da planta daninha no banco de sementes, além de estimular um aumento de 50% na quebra da dormência.

Também é importante destacar que, neste modelo, muitas sementes daninhas se tornarão inviáveis, em função da amplitude térmica que se acentua na superfície do solo, ao ataque de pássaros e fungos oportunistas. Como parâmetro de comparação, quando o produtor adota o preparo convencional, com a utilização da grade de apenas 22% do material presente no banco de sementes, quebra a dormência, além de que há a entrada de novas sementes no perfil do solo.

Mesmo com alguns benefícios, para o controle de arroz vermelho o plantio direto não é a opção mais indicada. No preparo com o rolo-faca, onde há a incorporação da palha a uma profundidade de dois a cinco centímetros com a presença de água, a quebra de dormência e a inviabilização das sementes são mais influenciadas pela localização dentro do perfil do solo, passível de amplitude térmica e trocas gasosas. O efeito da água parece ter uma grande influência sobre os mecanismos de quebra de dormência. Mesmo assim, o plantio direto tem uma contribuição enorme dentro do combate às plantas daninhas visto que não há a incorporação de novas sementes dentro do perfil do solo. 

 

Detalhe do posicionamento das sementes no rolo-faca (três centímetros) comparado à quebra de dormência no plantio direto quando as mesmas ficam sobre a superfície / PAULO MASSONI

Época de semeadura é favorecida no plantio direto
A época de semeadura é o principal fator que determina a produtividade do arroz irrigado. Para ilustrar esse fato há o exemplo da cultivar Irga 424 RI. A redução de produtividade entre essa cultivar semeada em 15 de outubro e 15 novembro chega a 30% (68 quilos por hectare/dia). O fator que influencia diretamente na semeadura dentro da época preferencial, além das questões climáticas, é o preparo antecipado, no qual, muitas vezes, o produtor utiliza o período de semeadura como época de preparo do solo, segundo a pesquisadora Mara Grohs, engenheira agrônoma do Irga na Estação Regional do Arroz de Cachoeira do Sul.

Em função disso, a adoção de um sistema de plantio direto incidirá diretamente na época de semeadura. Apesar da presença da palha, esse solo mantém a estrutura, permitindo piso em primeiro lugar onde há a presença de palha. Porém, isso não significa que haverá piso para realizar essa semeadura, pois a palha mantém o solo com uma condição mais elevada de umidade.

Além disso, há uma maior predisposição para o apodrecimento das sementes, sendo indispensável a utilização de tratamento do material genético e também um cuidado especial com densidade de semeadura.

Em termos de produtividade, o que tem sido visto é uma equivalência entre sistemas. Há trabalhos que indicam a redução na produtividade do plantio direto nos primeiros anos de adoção por questões ligadas ao estabelecimento da lavoura, como redução de estande inicial e deficiências de nitrogênio. O preparo antecipado do solo, independentemente do mecanismo utilizado, encerra um círculo vicioso: quem semeia tarde, por consequência, colherá tarde, dificultando a adoção de tecnologias como o plantio direto, que dependem, fundamentalmente, da condição do solo.

Em um momento em que o produtor orizícola necessita reinventar-se para se manter na atividade, iniciativas feito essa são exemplos de como se pode utilizar a tecnologia a favor do aumento de produtividade, redução dos custos e cuidados com o meio ambiente. E isso pode fazer a diferença.

QUESTÃO BÁSICA
Segundo o Irga, o custo médio para a produção de arroz no Rio Grande do Sul está estimado em 150,78 sacas de 50 quilos por hectare. Considerando que a produtividade média da safra 2016/17 foi de 7.908 quilos por hectare (158 sacas), muitos rizicultores não conseguiram pagar as contas e obter renda. E essa situação se prolonga há anos. Desta maneira, o jeito é enxugar ao máximo os fatores que compõem esse custo. “Ao olharmos os itens que mais oneram a produção de arroz vemos o custo com agroquímicos (9,56%), reforma e manutenção de máquinas (9,11%) e adubação (8,73%). Dentre todos eles há poucas opções a serem modificadas. Desta forma, talvez o caminho mais fácil em curto prazo seja a redução do consumo de combustível, que totaliza 7,48% do custo total, adotando esse modelo de cultivo”, explica Mara Grohs.

Experiência que abre caminhos
A adoção do sistema de plantio direto em arroz irrigado já é adotada em algumas propriedades do Rio Grande do Sul. No entanto, a necessidade de reduzir os custos de produção e buscar a sustentabilidade ambiental e a preservação do solo, além de facilitar o ingresso no cultivo de soja na várzea e – ademais da rotação – a integração com a pecuária, passou a ser fator determinante para que o sistema ganhasse mais atenção de produtores e pesquisadores. Um conjunto de experiências de sucesso em diversas propriedades se associa às pesquisas desenvolvidas pelos organismos científicos e de extensão rural. É um caminho que paulatinamente começa a ser trilhado pela lavoura gaúcha.

O engenheiro agrônomo Luís Alberto Gomez Pantigoso é gestor técnico da Granja São João, em Jaguarão, na qual 23% da área é cultivada com arroz em plantio direto. Dos 780 hectares da cultura, 180 são manejados dentro deste sistema. A área, plantada com Irga 424 RI, foi colhida no final de março em solo seco e parte deve dar origem ao plantio na palhada para a temporada 2018/19.

A redução de custos é uma das principais razões que pautaram a decisão da propriedade em ingressar no sistema. Segundo Pantigoso, um preparo de solo que envolve desmanche de taipas, duas passadas de grade, duas passadas de plaina, mão de obra, diesel e confecção de novas taipas envolve um custo médio de 25 sacos de arroz. “Boa parte disso pode ser eliminada com a semeadura direta na palha”, assegura. Lembra, porém, que a dimensão da área está muito associada ao clima. Em anos muito chuvosos nem sempre é possível colher no seco, mas, em geral, a propriedade busca realizar o plantio direto em 180 a 200 hectares. 

 

 

Pantigoso: operação cobre quase 25% da área de arroz

Germinação no plantio direto e corte nos custos 

 Duas décadas colhendo no seco    

FOTO: DANIEL HOERBE

O engenheiro agrônomo e agropecuarista no distrito do Capané, em Cachoeira do Sul, Fernando Hoerbe, é um dos pioneiros do plantio direto em arroz irrigado na Região Central. Começou em 1994. Atualmente cultiva 350 hectares em área própria com o filho e também engenheiro agrônomo Daniel Hoerbe e considera que tomou a decisão mais correta.

Elenca diversas vantagens do método: possibilidade de redução do custo de preparo do solo, plantar na janela mais indicada para alta produtividade da lavoura, melhor controle de invasoras e manutenção de solo estruturado para rodar de trator nos tratos culturais antes da entrada da água. A colheita é mais fácil, com menor consumo de diesel. O formato de semeadura e o processo que o envolve foi adotado em 1994 com o advento da taipa de base larga. E a pecuária entra em sistema de integração.

Hoje o plantio direto é adotado em 100% da área em rotação com soja, que passou a integrar o sistema há oito safras com o surgimento de tecnologias de manejo mais sólidas e cultivares mais adaptadas. O custo da preparação do hectare chega a reduzir 60%.

“A perfeita distribuição da palha durante a colheita é o alicerce para a redução do custo do preparo do solo”, explica Fernando Hoerbe. “Além do mais, usamos o melhor dos herbicidas: a boca do boi e suas patas, que ajudam na incorporação da palha”, destaca.

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