A lavoura arrozeira caminha para a diversificação

 A lavoura arrozeira caminha para a diversificação

Natural de Porto Alegre, Juarez Petry de Souza é médico veterinário, produtor de arroz há mais de três décadas e presidente do Sindicato Rural de Tapes (RS). Reconhecido por sua participação ativa em todas as questões relacionadas à classe arrozeira, Petry é também um homem de posições firmes quanto à importância econômica e social da lavoura orizícola para o país, como fica evidente nesta entrevista exclusiva concedida à revista Planeta Arroz. Segundo ele, está mais do que na hora do produtor passar a entender a necessidade de trabalhar o “fora da porteira” com a mesma competência com que conduz a lavoura.

Planeta Arroz – O senhor é médico veterinário, mas optou pela atividade de produtor de arroz. Como se deu essa transição?
Juarez Petry – Me formei em Veterinária pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel) em 1973. Exerci a profissão até 1977. Por uma contingência familiar acabei me transferindo para Tapes (RS). O plano era implantar uma central de inseminação artificial, mas por sugestão de um primo iniciei uma lavoura de arroz em 1977, com 27 anos, paralelamente à profissão de veterinário. Mas finalmente acabei optando pela produção de arroz.

Planeta Arroz – E como está estruturada a sua lavoura hoje?
Juarez Petry – Sou um pequeno proprietário e cultivo arroz juntamente com meus filhos, um é veterinário e o outro é agrônomo. Somos arrendatários de 80% da área que cultivamos. Até a safra anterior plantávamos em média 1.100 hectares. Nesta safra, porém, em função do arroz apresentar pouca lucratividade e sobretudo pelo cruzamento com o arroz mutagênico, por culpa nossa, que não mudamos o sistema a cada dois anos, optamos também por plantar soja. Hoje plantamos 450 hectares de arroz e 700 hectares de soja.

Planeta Arroz – O senhor já havia plantado soja anteriormente?
Juarez Petry – Sim. Na década de 1970. Eu estava iniciando na cultura do arroz e plantei soja de 1979 a 1981, mas só em uma safra tive bom resultado. Depois, a cultura passou a ser inviável em função do custo de produção elevado. Agora retomamos a soja, mas não em função dos preços, que chegaram a R$ 55,00 no ano passado, e sim para limparmos a terra. Um dos fatores que estão determinando a migração de arrozeiros para a soja não é só o preço do arroz, mas limpar a terra.

Planeta Arroz – O senhor sempre foi participativo nas questões que envolvem a classe. Que análise é possível fazer da atual conjuntura?
Juarez Petry – No Sindicato Rural de Tapes temos uma pasta que nós chamamos de pasta preta. É onde guardamos os registros das mobilizações e as pautas de reivindicações do setor nos últimos 20 anos. Na minha visão, o grande problema da lavoura continua sendo o custo de produção. O nosso custo é maior que no Mercosul. Ao mesmo tempo, esta dinâmica de mercado permite a entrada de produtos como arroz, cebola, trigo, que nós consideramos moeda podre de troca, ou seja: vem de lá para cá mesmo que a gente não precise, como é o caso do arroz. Até alguns anos não éramos autossuficientes na produção do cereal, hoje somos. Quem se beneficia com o Mercosul é o setor industrial, que atua nas áreas têxteis e de calçados, por exemplo. A indústria nacional se beneficia porque vende para o Mercosul e da mesma maneira alguma coisa eles têm que vender ao Brasil. No caso do arroz há um agravante que é o excedente de produto no mercado interno, que achata os preços. Sob este aspecto podemos desenvolver novas alternativas de usos, como ração animal e etanol, mas o nosso problema permanece sendo custo de produção.

Planeta Arroz – A solução depende de ações do governo?
Juarez Petry – O que precisamos – e o governo faz de conta que não entende, apesar dos esforços das entidades representativas – é a equalização de custos e tributos com o Mercosul. Não podemos continuar produzindo com máquinas que aqui têm um preço e no Mercosul outro, menor. Com os insumos e agroquímicos é a mesma coisa. É uma luta desigual. O governo pode fazer PEP, Pepro ou como dizem os catarinenses, ‘‘essa sopa de letras”. São mecanismos que amenizam, mas não resolvem o problema.

Planeta Arroz – É possível avaliar o impacto dessa conjuntura na vida dos produtores?
Juarez Petry – Na safra passada os custeios e investimentos foram prorrogados para o final dos contratos. Pagamos 20% e prorrogamos 80%. Então, neste ano de 2012 vamos pagar os custeios dessa safra e mais 20% da outra. Isso é impossível, não tem matemática financeira que vá fazer caber 20% a mais, p0rincipalmente diante da perspectiva de redução da área plantada. O que eu tenho recolhido nas conversas com produtores é que houve menos aplicação de tecnologia em função da crise. Assim teremos redução de área e de produtividade. A tendência é ter menos produto no mercado.

Planeta Arroz – A Conab estima a produção nacional em 11,5 milhões de toneladas. Isso pode elevar os preços?
Juarez Petry – Em tese sim. Só que na hora em que o preço quiser reagir existe um cartel, um grupo de grandes empresas, capitalizadas, que têm acesso ao mercado de arroz do Mercosul e internacional, que oferecem pelo menor preço. A Lei 10.925, aprovada em 2004, possibilita que o varejo, no caso as grandes redes de supermercado, mande suas embalagens para Argentina e Uruguai para que o arroz seja trazido de lá, isento de PIS/Cofins, em navios e não mais via RS. Isso também é um fator determinante para o endividamento dos produtores, que vem de muitos anos. A prorrogação nos custeios também vai impactar esta safra. Então a situação é a seguinte: quem tinha gordura queimou, quem tinha carne está comendo a carne e quem está só com o osso, infelizmente, não vai ter como suportar.

Planeta Arroz – Os catarinenses estão na mesma situação?
Juarez Petry – Em SC a situação pode até ser pior. São médios e pequenos produtores. Alguns estão medianamente capitalizados. Mas a maioria produz quase dentro de um sistema integrado, que depende da indústria até para crédito. A lavoura em SC não diminui porque são as empresas que incentivam o produtor a pegar recursos dela e plantar. Ele pega o recurso, planta e entrega o arroz na empresa que o financiou. Só que na hora de liquidar, a empresa paga o preço que quer e na hora que quiser, geralmente quando está mais baixo. É quase um regime de escravidão. No RS temos um grande percentual da lavoura que é financiado pela indústria arrozeira.

Planeta Arroz – Como o senhor avalia a intervenção do governo na safra anterior?
Juarez Petry – Na minha avaliação houve omissão do governo, que alocou em torno de R$ 1 bilhão para a lavoura. Chegam a dizer que foram destinados R$ 1 mil por hectare plantado no RS. Isso não é mentira, é verdade. Só que os recursos chegaram tarde, burocratizados, depois que o preço estava em R$ 19,00, R$ 20,00. Em fevereiro de 2011, no Palácio Piratini, o então ministro da Agricultura, Wagner Rossi, anunciou R$ 303 milhões que seriam suficientes para fazer AGF. Só que não adianta eles botarem dinheiro em contrato de opção e AGF se tu não tens armazenagem credenciada. É uma luta histórica. Estamos discutindo isso em Brasília, tentando fazer o atual ministro Mendes Ribeiro Filho e o secretário Caio Rocha entenderem que na Conab tem uma trava. É preciso desburocratizar. O produtor que tem um armazém deve ter a possibilidade de acessar estes mecanismos. Há um grande número de pequenos produtores fazendo armazéns, mas quando chega a hora de fazer os contratos de opção e AGFs não podem acessar o mecanismo devido às amarras que a Conab, a legislação e a burocracia oficial criam para credenciar um armazém. Então o governo colocou um monte de dinheiro? Correto. Só que foi muito tarde, de maneira burocratizada, o dinheiro não chegou ao bolso do produtor. Temos o exemplo do PEP, que as indústrias ficaram com a metade do dinheiro que deveria ir para o produtor, mas isso está sendo investigado na CPI do arroz.

Planeta Arroz –
A relação indústria e produtor é sempre permeada por diferentes interesses?
Planeta Arroz – Isso é natural, um compra e o outro vende. Eu planto e quero vender pelo melhor preço, assim como quem compra quer o menor preço. Só que há um estudo, o qual será apresentado na CPI, mostrando que desde 2004 a Lei 10.925 possibilita a entrada do arroz direto do Mercosul sem pagar o PIS/Cofins. Também mostra que de 2004 para cá o produtor vem comercializando o seu produto quase sempre abaixo do preço mínimo, que hoje é R$ 25,80. Este estudo ainda identifica a margem de lucro da indústria e do varejo. Mostra claramente que o varejo tem uma margem de lucro imensa em cima do produto, que é de cesta básica. A indústria, por sua vez, quando é pressionada pelo varejo, ao invés de firmar uma posição e dizer que não vende por menos do que o preço mínimo, aceita a pressão do varejo e desconta nas costas do produtor. Na prática é uma relação normal de compra e venda, só que a indústria impõe preço, senão ela compra do Mercosul. O varejo é o grande vilão, pois é concentrado, mas a indústria também é. Quem forma preço são as grandes indústrias e não as pequenas e médias.

Planeta Arroz – Com base nesse cenário, qual a sua expectativa em relação à 202ª Abertura Oficial da Colheita do Arroz?
Juarez Petry – Temos insistido na questão dos mecanismos de apoio à comercialização, de política de preços mínimos, que precisam ser implantados na hora certa. Isso tem que ser feito antes da safra, no máximo na Abertura da Colheita, em fevereiro, e não lá em novembro. Estes contratos de opção que eles fazem em maio e junho para exercer lá em outubro e novembro não resolvem porque o dinheiro entra tarde. Esta é a tese defendida pelas entidades do setor. Outro ponto-chave é o credenciamentos de armazéns para pessoa física. Hoje a Conab só admite pessoa jurídica. Eles argumentam que esta é a norma, mas a legislação precisa ser aperfeiçoada. A expectativa que eu tenho para a Abertura da Colheita é que o governo efetivamente entre com os mecanismos mais cedo, de forma desburocratizada para sustentar o preço.

Planeta Arroz –
Como o senhor analisa o cenário para 2011/12?
Juarez Petry – É bem diferente de 2010/11. A área diminuiu, a produtividade também em razão dos insumos, o clima seco fez muitos produtores sofrerem com a falta de água em algum estágio da lavoura. A expectativa é de que a safra que vamos colher seja menor comparada à anterior. Serão dois milhões de toneladas a menos. As exportações deverão fechar em dois milhões de toneladas em fevereiro. As importações do Mercosul ficarão em 700 mil. Com isso creio que o quadro de demanda e oferta será ajustado. Se o governo entrar com os mecanismos de comercialização na hora certa, não teremos os problemas da safra passada. Mas não vejo motivo para otimismo. Na entressafra não chegamos ao preço mínimo na média do ano.

Planeta Arroz – Como o senhor projeta o futuro da lavoura?
Juarez Petry – Estamos em um divisor de águas. Tomando como exemplo a metade sul do RS, onde a cultura do arroz é muito importante: havia a tese de que as únicas atividades possíveis nessa região são a cultura do arroz e a pecuária. Têm colegas nossos que já começaram a ver que não dá para ficar só no arroz. Aí entra o discurso do governo, que temos que diversificar. Eu concordo, temos que deixar de ser arrozeiros e sermos agricultores. Temos que plantar arroz, soja, milho. Na minha região eu defendo a ideia que precisamos plantar milho na várzea, pois há déficit deste cereal. Para isso temos o principal, que é a possibilidade de irrigar as culturas. Se drenarmos melhor o nosso solo de várzea e adequarmos a drenagem a uma cultura de seco vamos produzir milho, feijão, soja. Só discordo do governo quando aconselha a reduzir a área de arroz. Acho que temos que manter a área, temos três milhões de hectares no RS e plantamos 1,1 milhão, pois parte está em pousio. Existe a possibilidade de transformar estas áreas numa grande lavoura de sequeiro. E se pode fazer pecuária. As cotações determinarão o rumo do negócio.

Planeta Arroz – E qual será o papel do produtor de arroz frente a esse novo paradigma?
Juarez Petry – Estamos rumando para uma diversificação rápida da lavoura. O produtor precisa entender a necessidade de trabalhar mais do lado de fora da porteira. Se nós quisermos ter uma representação em Brasília e no Mercosul, coerente com a nossa importância econômica e social, temos que colocar a mão no bolso, montar um escritório e escolher os nossos representantes. Temos que ocupar esse espaço. Como pode uma lavoura que produz 65% do arroz no país não ter força para resolver seus problemas? Temos que parar de correr atrás do rabo. O produtor tem que fortalecer a Federarroz. Temos 140 municípios no RS que produzem arroz e apenas 20 e poucas associações atuantes. Alguma coisa está errada, mas isso não é culpa do líder e sim dos produtores. O produtor tem que pegar as rédeas do sistema, criar mais associações e fortalecer a Federarroz porque a entidade é nossa.

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