Inimigos do impossível

 Inimigos do impossível

Trigo no Rio Grande do Sul representa 1,08 milhão de hectares. Cerca de 15 mil em várzeas

O trigo entra de vez no sistema de de produção de arroz em terras baixas

Há 15 anos não se imaginava que a soja alcançaria 400 mil hectares em terras de arroz. “O trigo, no futuro, será tão importante para o sistema de produção quanto a soja”, afirma o engenheiro agrônomo Albano Strieder, de São Borja, entusiasta do cereal em sucessão a arroz e soja, no inverno, cujo potencial considera suuperior às pastagens.

Para ele, é uma questão dos agricultores e técnicos aprimorarem o manejo do ambiente, em especial drenos, familiarizarem-se com a cultura e a genética evoluir com foco nas condições do Sul do Estado. “Há resultados consolidados”, enfatiza.

Strieder reconhece a várzea como ambiente inóspito ao trigo, mas lembra que isso ocorreu com a soja. “A agricultura evolui em terras baixas pela incorporação das culturas”, diz.

Para o agrônomo, o trigo entra no sistema por vantagens agronômicas: mudança do esquema de defensivos, agregação de qualidade química e física do solo e cobertura no inverno. No fator econômico dilui custos, gera melhor aproveitamento de recursos e estrutura, usa o mesmo maquinário e gera segunda renda ao longo do ano.

“Como a soja, nem todas as áreas serão aptas, embora o trigo resista mais ao encharcamento, mas o potencial é enorme em ambientes favorecidos e maior aplicação de tecnologia como drenagem e irrigação”, diz.

Strieder assiste a 2 mil hectares do cereal em sucessão ao arroz em São Borja e estima 5 mil ha na região. “É complementar. Diferente da soja, entra no sistema no inverno, onde há um gargalo”, observa. Algumas outras opções são pastagens, adubação verde e aveia pra grão.

2%

Strieder: há desafios no trigo em várzea, assim como há para o cultivo da soja

Albano Strieder relata que algumas áreas sucederam à soja por estarem inçadas com plantas resistentes a herbicidas do arroz. O Rio Grande do Sul cultiva 1,08 milhão de hectares de trigo em 2021. Em terras baixas, estima-se 15 mil ha, ou 1,2%.

“Há 20 anos na Fronteira não me convenci de que essa quantidade de terra nobre possa ficar ociosa, improdutiva por sete meses. O solo deve ser trabalhado e gerar renda”, frisa.

Nos primeiros anos houve obstáculos, em especial a falta de drenagem eficiente. “Havia convicção de que era possível, então apereiçoamos a eficiência em irrigação e drenagem, calagem, época de plantio, cultivares, preparar de taipas. Em ano chuvoso já colhemos 58 sacas de média em 700 hectares. Ano passado foi melhor e os produtores venderam trigo acima dos R$ 80,00 por saca com alta rentabilidade”. O grão, afinal, tornou-se parte do sistema.

Pivô das mudanças


Parcianello: rotação com soja e sob pivô

Reconhecido como um produtor ávido por tecnologias e eficiência, o engenheiro agrônomo Geovano Parcianello conduz com o irmão e o pai um condomínio agropecuário em Alegrete e Santa Maria e sempre considerou que intensificar o uso dos recursos, entre eles o solo, é fator diferencial para o sucesso da atividade agropecuária, seja por diluir o peso dos investimentos, trazer benefícios agronômicos e gerar renda. A família está entre as que se destacam neste boom da diversificação de culturas em terras de arroz.

O trigo entrou no portfólio das várzeas no inverno de 2020 como parte do mosaico da produção de alimentos e gestão da propriedade. Foram cultivados 15 hectares para avaliação em rotação com soja. Ali era plantada cobertura para produzir massa seca ou pastagem.

Pela liquidez e rentabilidade da soja, e também limitação por água, a família reduziu a área de arroz a mil hectares e abriu espaço à oleaginosa, mas ainda busca consolidar atividades de inverno. O trigo entrou em sucessão justamente à soja, que volta no verão. O arroz pode voltar sob pivô de irrigação no futuro pela possibilidade de economizar 50% de água e obter altas produtividades. Dominar a tecnologia é o desafio.

“Para começar, escolhemos um solo mais favorável, terra vermelha”, explica. “A média produtiva superou 70 sacas por hectare”, revela. Os preços ajudaram e a rentabilidade superou a soja em algumas áreas: R$ 2,3 mil/ha. Mas eram 15 hectares. A lavoura soja no verão 2020/21 e no inverno de 2021 está com nabo forrageiro e aveia branca para pastejo, produção de massa e grãos.

A experiência avançou para 70 hectares em solo mais pesado, terra preta, com retirada gradativa da pecuária das terras sob pivô. Na primavera, volta a oleaginosa.

CONCEITOS
Estiagens recorrentes na região fizeram os proprietários reverem conceitos, pois entendem que o pisoteio nesse terreno exige operação de preparo que agride mais o solo, puxa a argila da parte inferior e forma torrão, reduz o contato físico da semente e afeta a germinação. O uso do trigo pode ajudar a reter umidade, estruturar a terra com aeração e porosidade para melhor germinação e enraizamento da soja, estabelecimento rápido e uniforme no estande de plantas e resistência à seca.

“Buscamos aquela terra fofa, boa de matéria orgânica, que penetre a água e em que se possa introduzir a semente mexendo pouco o solo. O trigo entra como renda de inverno a substituir a pecuária, mas é um sistema que exige cautela e mais conhecimento”, reconhece.

Na sucessão arroz-trigo-arroz entende que há riscos, como a degradação da palhada, o efeito de liberação do nitrogênio e um controle eficiente de irrigação e drenagem.

Lavoura na mão


Buske: diversidade reduz os riscos do sistema de produção, mas também traz desafios

O agricultor Jair Buske, de Agudo, pela terceira vez semeou trigo em áreas de arroz, o que considera um processo de aprendizagem. Começou, há cinco anos, com um hectare. Agora, são seis de 80 hectares com a cultura. Também utiliza soja, aveia branca, nabo forrageiro e milho.

“A meta é preservar e melhorar as condições do solo, mas também ter a lavoura na mão na hora de plantar”, ensina. Dominar o ambiente, cobrir custos e agregar ganhos para as culturas de verão, maximizar recursos, ter mais ferramentas de controle de invasoras, pragas e doenças, manejar bem a água e garantir renda são alguns objetivos.

O trigo está suprindo uma necessidade do inverno e mostra-se complementar. “No meu caso, que colho e planto no seco, após colher o trigo, já posso entrar semeando na época recomendada e cumprir as etapas de manejo conforme o planejamento”, frisa. Buske lembra que o sonho é reduzir o intervalo total do ano, entre culturas, a três meses.

De acordo com o agricultor, os processos realizados na área influenciam no resultado das safras, seja no arroz ou nas culturas em rotação e sucessão. “Não espero resultado de hoje para amanhã, mas o trigo se paga e me obriga a estar presente na área, fazer uma drenagem mais específica, acompanhar o desenvolvimento da cultura, balancear melhor o nível de nitrogênio, fungicida e encontrar outras soluções para o ambiente de cultivo”, enfatiza.

Trigo com ciência


Trigo com ciência

A Embrapa Clima Temperado (Pelotas), em conjunto com a Embrapa Trigo (Passo Fundo), avalia em sua área experimental o manejo mais adequado, a genética e o comportamento de variedades de trigo, como BRS Tarumã e Tarumax, que poderão ser selecionadas para a introdução do trigo no cultivo em terras de arroz. O estudo ocorre no Programa Duas Safras, em parceria com a Farsul e a Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA), e busca potencializar os cultivos de inverno e a produção de milho em safrinha ou safra de verão.

Com supervisão dos pesquisadores André Andres, coordenador da estação experimental, e José Parfitt, que comanda o programa de cultivos em sulco-camalhão, são testadas variedades tritícolas, sendo um de duplo propósito – pastejo e grão, avaliados sob o clima, característica de solo e manejos de rotação com outros grãos, como soja, milho e arroz, além da integração com pecuária.

Os resultados iniciais são promissores. O sistema de sulco-camalhão, adotado em cerca de 40 mil hectares gaúcho, tem entre suas vantagens o melhor gerenciamento da água de irrigação e da drenagem.

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